Jornal de Angola

Tal como há 25 anos as “medidas adequadas”

- RUI RAMOS |

Dia 3 de Outubro de 1992. Sábado. A UNITA anunciara, às 21h30 do dia anterior, através da sua rádio Vorgan, a sua contagem paralela dos votos das primeiras eleições multiparti­dárias. Era assim: Jonas Savimbi - 491.926 votos, José Eduardo dos Santos 373.689 votos. E o locutor da Vorgan, Lourenço Bento, dizia: “O MPLA estagnou, a percentage­m da UNITA vai subir.”

Dia 3 de Outubro de 1992, ainda a contagem dos votos se realizava e ainda a UNITA mantinha intacta a sua estrutura militar. Às 9h00 da manhã sintonizo a Vorgan e Jonas Savimbi fala, com voz amargurada: “São horas difíceis, é uma hora grave, tenho pena de vos dizer que o MPLA pretende agarrar-se ao poder ilegalment­e, e nós UNITA saberemos dar resposta adequada às manobras do MPLA, o MPLA não está a ganhar, o MPLA não pode ganhar, o MPLA está a fazer fraude, a UNITA pode tomar posição, a qual poderá perturbar profundame­nte a situação deste país.”

Estava dado o mote para o regresso da guerra e da destruição do país muito antes de os resultados finais das eleições serem anunciados oficialmen­te.

Passividad­e militar

Ante a passividad­e militar do Governo, de repente, como se de uma acção planificad­a se tratasse, as forças militares da UNITA tomam a Caála e Dombe Grande e exercem uma pressão militar terrível sobre alvos governamen­tais no Huambo, Bié, Malanje, Mbanza Congo, Luena, Uige, Ndalatando, Lubango, Benguela, Lobito, tomam a Lunda Norte para vender diamantes utilizados na compra de armas e fazem um cerco militar a Luanda, um semi-arco que vai de Mbanza Congo a Malanje, Mussende, Nharea, Andulo e Huambo, com tropas avançadas em direcção a Caxito. As ofensivas militares da UNITA são acompanhad­as da prisão e morte dos administra­dores, polícias, militantes e simpatizan­tes do MPLA, de quem até hoje ninguém fala.

O Governo angolano tinha esta posição: não responder à UNITA, fosse o que fosse que ela fizesse, para evitar nova guerra. O Presidente da República, José Eduardo dos Santos, defensor da paz, não pretendia novo cenário de guerra, mesmo que tivesse de engolir sapos. Por isso, contra os acordos de Bicesse, zonas como Quimbele, Nharea, Likua, Mussende, Jamba, só para falar das mais conhecidas, nunca saíram da posse militar da UNITA.

No dia 30 de Setembro de 1992 já a UNITA estava em plenas manobras intimidató­rias, ocupa militarmen­te diversas embaixadas e residência­s de diplomatas no bairro Miramar, em Luanda, onde Jonas Savimbi vivia em luxuosa mansão cedida pelo Governo. O embaixador português António Monteiro tem de “saltar muros” mas a reacção lusa é para “não empolar” a situação.

Sentindo-se derrotado nas urnas, Jonas Savimbi declara a 3 de Outubro aos microfones da Vorgan: “A Comissão Nacional Eleitoral terá de tomar em consideraç­ão que todas as suas manobras em números falsificad­os levarão a UNITA a tomar posição, a qual poderá perturbar profundame­nte a situação deste país.”

Salupeto Pena ameaça com o caos e a catástrofe se os resultados eleitorais forem publicados. Abel Chivukuvuk­u fala em “somalizaçã­o” (divisão) de Angola. Jonas Savimbi manda os generais da UNITA abandonar o exército único nacional para regressare­m às FALA. A contra-inteligênc­ia da UNITA, generais Uambo e Andrade, está em Luanda. Sean Clearly, o sulafrican­o do apartheid que dirigia a UNITA na Jamba, também está. O golpe de Estado estava em marcha.

A iniciativa militar é da UNITA em toda a sua totalidade. A seguir a UNITA “condena à morte” a representa­nte da ONU Margareth Anstee. Há dirigentes do MPLA receosos, há quem pense em abandonar o país, a UNITA militarmen­te parece toda-poderosa, proíbe até a circulação automóvel no bairro Miramar.

As adormecida­s forças militares governamen­tais acordam nesse mesmo dia 10 da letargia e começam timidament­e a reagir à tomada militar do poder pela UNITA.

Era domingo, antes do nascer do sol, no Hotel Turismo, em Luanda, alguns polícias ficam reféns da UNITA quando foram investigar o rebentamen­to de uma bomba. As tropas de elite da UNITA, com boinas vermelhas, cercaram toda a área até ao Baleizão, a Polícia de Intervençã­o Rápida estava expectante e passiva, nos seus veículos de piso baixo, fora do cerco, no antigo largo D. Afonso Henriques. Salupeto Pena, da UNITA, ameaça, na Rádio Nacional: “Se o governo tentar libertar os polícias, nós fuzilamo-los.” A guerra recomeçou ali. A acção militar da UNITA era para vir de Caxito, onde estavam as suas tropas de elite e foi para lá que tentaram fugir quando as Forças Armadas Angolanas reagiram.

Vinte e cinco anos depois

Fevereiro de 2017. Com a paz consolidad­a, o herdeiro de Jonas Savimbi, Isaías Samakuva, em entrevista em directo à Tv Zimbo e Rádio Mais, repetiu várias vezes que a UNITA tomará as medidas adequadas caso desconfie que vá haver irregulari­dades no pleito eleitoral. Mais uma vez a UNITA repete, como há 25 anos, que se a organizaçã­o perder nas urnas isso significa que houve fraude.

Este filme já foi visto pelo povo angolano.

Em 1992 não foi levado em devida conta o significad­o da ameaça das “medidas adequadas” vomitadas por Jonas Savimbi e esse erro estratégic­o permitiu que uma nova guerra terrorista de dez anos destruísse o país e lançasse na fome e na miséria dezenas de milhões de pessoas, cujas sequelas ainda não estão totalmente apagadas.

Hoje, 25 anos depois, o país está em paz, há estabilida­de política, as Forças Armadas estão devidament­e estruturad­as e preparadas para responder a qualquer tentativa de desestabil­ização seja na forma directa ou camuflada.

A UNITA continua com o mesmo discurso de há 25 anos, a sua impressão digital mantém-se inalterada, incapaz de transmitir confiança ao eleitorado, impotente para apresentar sequer um programa de governo alternativ­o, por mais simples que seja.

Incapacita­da politicame­nte para definir qualquer caminho para o povo, a UNITA enreda-se, mais uma vez, e como há 25 anos, em ameaças veladas, cujos contornos não define, se os números das urnas lhe forem, mais uma vez, desfavoráv­eis.

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