Jornal de Angola

Ser mulher e fazer equitação é um desafio pela liberdade

- IAN GEOFFREY TIMBERLAKE | AFP

Sem véu e usando uma camisa pólo de manga curta, a saudita Dana cavalga num centro equestre, desafiando a sociedade conservado­ra do reino, onde mulheres que praticam desporto não são bem vistas.

“Existe a estranha convicção de que uma mulher não deve montar a cavalo”, afirma Dana al-Gosaibi, entrevista­da por ocasião do Dia da Mulher, celebrado em 8 de Março.

“Sobretudo se a mulher não é casada, pois poderia perder a virgindade: é incrível, mas ainda existem muitas pessoas que acreditam nisto”, completa a mulher, solteira e de 35 anos.

Mas as recentes tentativas do governo para promover os direitos da mulher no reino aumentaram as expectativ­as desta saudita, que sonha em abrir um centro de equitação no seu país, onde existe uma tradição de hipismo e de criação de cavalos árabes puro-sangue.

Enquanto sonha, ela prossegue com a sua paixão num centro equestre de Jidá, grande cidade às margens do Mar Vermelho, onde possui dois cavalos.

Apesar dos direitos ainda limitados das mulheres na Arábia Saudita, ela garante que ficou surpresa com as mudanças que constatou no seu retorno ao reino há quatro anos.

Depois de morar 13 anos na Inglaterra, Suíça e América do Norte, ela viu que as sauditas trabalham agora como caixas, vendedoras, secretária­s ou contabilis­tas. Algumas ocupam inclusive altos cargos executivos em bancos.

“Ao retornar vi todas estas mulheres em novas actividade­s”, afirma.

Em 2016, as autoridade­s lançaram um plano ambicioso, o Visão 2030, destinado a promover reformas económicas e sociais no reino.

No âmbito do programa, que pretende diversific­ar uma economia muito dependente do petróleo, o governo saudita deseja ter mais mulheres no mercado de trabalho e desenvolve­r actividade­s desportiva­s.

A princesa Rima Bint Bandar al-Saud foi nomeada vice-presidente para Assuntos Femininos da Autoridade Geral do Desporto. E, segundo a imprensa local, ela anunciou que o reino começará a conceder licenças para ginásios femininos.

“Inclusive no desporto estão a dar incentivos para as mulheres. Isto é algo muito promissor”, opina Gosaibi, que espera que isto ajude no seu projecto de centro equestre.

Ela deseja aprender a psicologia do animal e aplicar o conhecimen­to no seu empreendim­ento.

“No início temos que favorecer a compreensã­o, porque o cavalo precisa de ter confiança”, explica. De acordo com ela, os sauditas não se importam realmente com o cavalo. “Eles querem é ganhar a corrida”.

Muitas mulheres fazem aulas de equitação no país, mas Dana al-Gosaibi destaca que “é muito mais difícil praticar o desporto” por causa do costume que pretende mantê-las afastadas dos olhares dos demais.

Na Arábia Saudita, a tradição exige que a mulher saia em público totalmente coberta, dos pés à cabeça. Ela precisa da autorizaçã­o de um parente (pai, marido, irmão) para estudar ou viajar para o exterior. E é o único país do mundo onde a mulher está proibida de conduzir.

No centro equestre, Gosaibi não usa o véu, e sim um pequeno capacete ou boné, pólo de manga curta, calça para a prática de equitação e botas de montar.

Como o local é frequentad­o por homens e mulheres, o proprietár­io exige de todos uma grande discrição.

“O proprietár­io não quer que saibam que o local é frequentad­o por mulheres”, afirma Gosaibi. Mas ela mantém o optimismo. “Penso que à medida que o mundo vai mudando, as pessoas se libertam das suas crenças e tradições”.

“Não podemos permanecer fechados para sempre com estas formas de pensar. As mulheres tornaram-se mais fortes e começam a fazer com que as suas vozes sejam ouvidas”, afirma a jovem, antes de recordar que na época de Maomé havia mulheres que montavam a cavalo.

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