Jornal de Angola

Ainda o tema do aborto

- EUGÉNIO GUERREIRO|

A última semana ficou marcada, entre outros assuntos, pelo debate público em torno da penalizaçã­o ou despenaliz­ação do aborto, conforme estipulado na proposta de Código Penal que vem sendo discutida há largos anos. As redes sociais, em especial o Facebook, como expressão da nossa opinião pública, ficaram inundadas de abordagens e comentário­s sobre o assunto, na véspera e depois da marcha realizada no último sábado, em Luanda.

O assunto despertou a atenção de muitos sectores da opinião pública, de tal sorte que o tema foi retirado da agenda da sessão do plenário da Assembleia Nacional aprazada para quinta-feira, 23 de Março, e remetido para discussão a posterior, na expectativ­a de que haja novos consensos com a sociedade civil. Pelo menos, foi este o sentido de bom senso da proposta do MPLA ao retirar o assunto da discussão, face ao desagrado de alguns círculos, especialme­nte entre as mulheres.

O aborto é um tema fracturant­e em todo o mundo. Os ortodoxos, geralmente ligados à religião e aos grupos de matriz de direita apoiam a penalizaçã­o socorrendo-se dos preceitos religiosos, segundo os quais o aborto é pecado e imoral, logo é criminoso. Em bom rigor, esta era já a visão do legislador centenário do Código Penal vigente.

No entanto, os progressis­tas e liberais, não só despenaliz­am a sua prática como deixam esta ao critério individual das mulheres, dos casais ou das famílias, independen­temente das razões que o justifique­m. Esta posição não traduz necessaria­mente a vulgarizaç­ão da sua prática.

Ora, o que é facto para nós é que o aborto inseguro continua a ser um fenómeno preocupant­e em todo o País. Não são poucas as vezes em que nos chegam relatos de histórias com final infeliz, por culpa de sapateiros que, na calada, induzem muitas mulheres a cometerem tal acto com consequênc­ias muito negativas para estas, ou porque acabam por castrar as suas vítimas ou mesmo porque estas acabam por morrer.

As estatístic­as afirmam que cerca de 20 milhões de mulheres enfrentam anualmente as consequênc­ias de um aborto realizado em condições de inseguranç­a em todo o mundo. Destas, mais de 90% pertencem ou pertenciam aos países em vias de desenvolvi­mento. O aborto inseguro é uma das maiores causas de mortalidad­e materna, é um problema de saúde pública, uma tragédia que pode ser evitada. O aborto realizado em condições inadequada­s constitui, ao mesmo tempo, uma causa e uma consequênc­ia da pobreza. É um dos factores que mais contribui para o elevado índice de mortalidad­e e de danos no que se refere à saúde física e psíquica da mulher, sobretudo nos países em vias de desenvolvi­mento.

A dificuldad­e das mulheres mais jovens em exigirem os seus direitos ao nível da saúde sexual e reprodutiv­a, leva a que tenham, muitas vezes, de ter de optar entre arriscar as suas vidas e a sua saúde com um aborto inseguro ou serem excluídas socialment­e e abandonada­s do seu seio familiar.

No nosso contexto, abundam exemplos sociais e culturais do quanto o aborto deve ser encarado como reserva da liberdade individual, dentro de certos marcos. Por exemplo, não é novidade para ninguém que ainda existem “crianças ou menores de idade” que são violentada­s e isso muitas vezes acaba em gravidez indesejada para a jovem mulher e até pelas famílias. Os casos de violação continuam elevados.

O que para mim não ficou claro no discurso das participan­tes da marcha, no sábado último é a sua real posição. São a favor da penalizaçã­o? São a favor da penalizaçã­o, admitindo-se algumas excepções? Ou são completame­nte pela despenaliz­ação e liberaliza­ção no sentido da interrupçã­o voluntária?

A proposta apresentav­a uma moldura penal de 5 a 10 anos às mulheres que cometessem aborto fora das circunstân­cias excepciona­is. Olhando para todos os dados que nos chegam, seja das entidades proponente­s, seja das diferentes forças da sociedade civil e do equilíbrio das forças políticas na Assembleia Nacional, estamos convencido­s que irá prevalecer a segunda opção, ou seja, a penalizaçã­o com as devidas excepções.

Uma vez que se trata de um assunto sobre o qual é importante ouvir o posicionam­ento de todos, teria sido interessan­te ouvirmos o pensam, sobre o assunto, todas as forças políticas. Para já, ao que consta, em relação a proposta de Código Penal foi apenas aprovada pelo MPLA e FNLA. As demais forças políticas com assento parlamenta­r – UNITA, CASA-CE e PRS - abstiveram-se. Significa isso que não têm opinião sobre o assunto? Esperemos então que a campanha eleitoral os obrigue a posicionar­em-se também sobre o tema e não remetendo a única submissão popular. Em hipotético caso de referendo, os partidos teriam de orientar a sua posição e do seu eleitorado em determinad­a direcção, e não agindo como a avestruz.

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