Os recursos africanos
Corre no mais ruidoso silêncio a polémica em torno da gestão dos recursos minerais em África. Quem gere e controla afinal esses recursos? A resposta a esta questão parece fácil, porque toda a gente sabe que os movimentos independentistas africanos de 60 e 70, praticamente todos cumpriram o seu papel, pela via armada ou negociada, transformando antigas colónias em estados livres e independentes.
As independências políticas são uma realidade, mas a económica, essa, é ainda um sonho, uma meta a atingir. Recordo-me de um discurso feito pelo Presidente José Eduardo dos Santos ao corpo diplomático africano em Brasília – para mim o mais pan-africanista dos pronunciamentos feitos pelo líder angolano –, no qual apelava à colaboração dos embaixadores, pela especificidade do seu trabalho, que intercedessem junto dos seus governos para uma reflexão profunda sobre a necessidade de um roteiro para a independência económica.
De facto, como disse no princípio, o problema da gestão dos recursos naturais do continente está directamente ligado à independência económica dos Estado africanos. Mais uma vez questiono: quem de facto gere e controla esses recursos? Ora sendo tão poucos os casos de países verdadeiramente industrializados, num território tão vasto e rico como é África, facilmente se conclui que a gestão desses recursos tão necessários para a indústria mundial não está, realmente, nas mãos dos governos africanos.
Os recursos ainda saem dos portos comerciais africanos na forma de matéria-prima, como era há centenas de anos. E não me venham dizer que isso se deve única e exclusivamente à vontade dos governos africanos. Ora não estando nas mãos dos governos africanos, a questão que se segue então é - e uma vez mais -, quem gere e controla os recursos naturais em África? Para responder a essa questão pareceme necessário ter presente a localização das grandes indústrias. Porque é ali onde são decididas as regras do jogo. É onde estão as grandes indústrias e centros financeiros mundiais que são fixados os preços das “commodities”, na sua maioria proveniente de África. É também ali onde, infelizmente é ditada a (má) sorte de centenas de milhares de famílias que vivem onde estão os recursos naturais.
Parece caricatural, mas a realidade dura e crua dos africanos é essa. Temos muitos recursos naturais e alguns até de forma exclusiva. Mas falta-nos bons sistemas de saúde, de educação. Bons sistemas de assistência social. Falta-nos, enfim., tudo aquilo que os nossos recursos naturais foram capazes de gerar, desde há séculos, ali onde hoje muitos africanos olham como a terra prometida.
Ainda ontem se ouviu nas notícias que mais de duas centenas de africanos morreram ao tentar atravessar o Mediterrâneo em embarcações precárias para chegar à Europa. Muitos deles, para pagar o transporte, venderam tudo o que tinham e que não tinham. As imagens são chocantes. Centenas de corpos a serem recolhidos e acondicionados em sacos brancos. Outros nem essa sorte tiveram. São centenas de sonhos que se perderam no mar. Filhos, irmãos, primos, mães e pais de alguém que certamente não os volta a ver vivos.
Pior do que o drama das famílias e do cenário de tragédia permanente no Mar Mediterrâneo é a indiferença com que o assunto tem estado a ser tratado. Chega a doer essa banalização mediática de um fenómeno que exige de toda a gente, africanos, europeus, americanos ou asiáticos, uma reflexão profunda e abrangente. Mais do que isso. Exige-se de toda a gente uma atitude pensada e concertada que dê por encerrado este cemitério azul em que se transformou o Mediterrâneo com os seus 2,5 milhões de quilómetros quadrados.
Quer as mortes por naufrágio no Mar Mediterrâneo, quer as que resultem das guerras que persistem em várias zonas do nosso continente, estão directamente ligadas à questão central desse exercício. A pobreza e o subdesenvolvimento, as guerras e a insegurança que grassam no nosso continente terão sempre espaço enquanto inexistir um mecanismo que permita uma partilha equitativa dos prejuízos e proventos. É esta a essência do projecto europeu, que bem pode ser replicado em África, com as devidas adaptações.
O continente africano é considerado a grande reserva de recursos minerais do planeta. É fundamental que os inúmeros recursos existentes no seu solo (e nos mares, obviamente) se reflictam na qualidade de vida dos povos e na prosperidade do continente. Não me parece que somos absolutamente incapazes de encontrar um mecanismo de partilha dos prejuízos e de proventos como fizeram os europeus. E, pois com mágoa e grande frustração, vejo decair o quadro de estabilidade conseguido a muito custo em países com inúmeros e valiosos recursos naturais, como a RDC, RCA e Sudão do Sul, outra vez atirados num mar de incerteza, depois de estarem a meio metro da rota do progresso e do desenvolvimento.