Jornal de Angola

As novas regras de trânsito

- JOSÉ LUÍS MENDONÇA |

Indo eu a caminho do meu salu, atento à condução, perto do cruzamento do cine Luanda, ali para os lados do Kinaxixi, pára em contramão à minha frente um candonguei­ro. Faz sinal de luzes. Pretende que eu saia da minha faixa de rodagem e abra caminho para ele avançar. Não lhe cedo passagem. Quem tem o direito de passar sou eu que estou na minha faixa de rodagem. Ele é que deve esperar que eu passe e, segundo as regras de trânsito, nem sequer pode vir para a minha faixa, mesmo em caso de ultrapassa­gem, se eu estiver a rodar. São regras que aprendi há mais de 40 anos, na escola de condução. Como não lhe cedi passagem, o candonguei­ro lá conseguiu encostar na minha janela e ameaçar-me: - Nunca ninguém te bateu? A minha resposta foi o mesmo riso que tinha. Não recebo presentes envenenado­s. Além disso, sei que a estrada é o espaço onde as pessoas ao volante mais facilmente se descontrol­am e deitam cá para fora as tensões acumuladas em forma de ódio, raiva e desprezo pelo próximo. Lembro-me sempre daquele cidadão angolano a viver em Portugal que foi baleado de morte por uma simples colisão noutra viatura. E aqui na banda, já assisti ao caso de um motorista que, numa bomba de gasolina, deu um simples toque no carro estacionad­o em frente. De imediato, compromete­u-se a pagar os danos. Em resposta, o outro motorista, deu-lhe um enxugo de porrada e depois tirou-lhe o dinheiro. O choque verbal entre motoristas e o insulto gratuito são dignos do estudo de uma sociologia do tráfego rodoviário, ou de uma psicologia do cidadão com as mãos no volante. Será que a posse da máquina motorizada transmite ao cérebro a sensação de força, poder, prepotênci­a? E de neurose química também?

Todos os dias, os candonguei­ros ultrapassa­m à toa, empurram-nos para a outra margem da estrada e ainda nos xingam. A pressa de fazer dinheiro não justifica a violação gratuita das normas do trânsito. Essa pressa tem causado a morte de cidadãos inocentes.

Chamo a atenção do público e das autoridade­s da Viação e Trânsito para o fenómeno costumeiro que se verifica nas vias de Luanda. As regras de trânsito mudaram de todo. Tenho notado que 90 por cento dos motoristas que se cruzam comigo vindos pela esquerda não param. Sempre que tentei chamar a atenção desses motoristas, fui vaiado, vilipendia­do, ignorado. A regra basilar do trânsito, que é a da prioridade pela direita, foi atirada para as águas de bacalhau.

Quer dizer que já temos, de forma evidente, novas regras de trânsito em Angola, principalm­ente na capital, onde circula o grosso do parque automóvel do país. Uma dessas regras mortais é a dos motociclis­tas plenamente consciente­s que uma motorizada em plena via pública tem por missão avançar, avançar e avançar: não há cá paragens, ultrapassa-se pela direita e chegam mesmo a bater nas viaturas, quando basta simplesmen­te pisar o pedal do travão. É um caso de psicopatia clínica.

Se ninguém respeita as regras de trânsito e a polícia não tem capacidade material para impor a ordem no trânsito, segundo o paradigma universal da condução pela direita, o que nos resta fazer? Assistir à quantidade absurda de mortes nas nossas estradas e simplesmen­te registar nas notícias de balanço?

Quem conduz na via expressa, ou na via que vai do Lar do Patriota até ao Aeroporto, ou ainda na via do Benfica até à Samba, depara-se com viaturas bem encostadin­has ao separador do meio, a 40 ou 60 quilómetro­s por hora, alguns até a enviar mensagens pelo telefone, e temos de ultrapassá-los pela direita. Se tentamos chamar a atenção do motorista em causa, ele nem olha para nós, quer lá saber! E o mais curioso é que já deparei com expatriado­s, um deles até ia num carro com matrícula diplomátic­a, nas calmas, nessa faixa de velocidade mais rápida!

Ali perto da Força Aérea Nacional, no sentido ascendente para o Rocha Pinto, há até motoristas que deixam a linha de trânsito atrás de nós, sem razão alguma, para tentar ultrapassa­r-nos naquele cotozinho de estrada destinado aos que curvam no sentido descendent­e e, uns dez metros adiante, querem forçar-nos a deixá-los passar à nossa frente. O mesmo sucedia na aproximaçã­o da Ponte Molhada, com os condutores a tentar sair à nossa frente pela direita, e chegar primeiro à ponte, quando há uma fila evidente e grande. Claro que só atrapalhav­am o normal transcurso automóvel, até que a Polícia colocou barreiras à direita e a festa acabou.

É que não é apenas em Luanda. Quem vai de viagem ao volante por essas estradas fora, passa por situações de arrepiar os cabelos. É aquele condutor que ultrapassa numa subida ou numa curva sem visibilida­de e com o sinal de trânsito a proibir a ultrapassa­gem, é aquele outro que nos entra de lado num fila enorme de carros e nos obriga a uma travagem brusca, ou o condutor de um camião que vem a alta velocidade numa ponte e fora de mão. À noite, então, é que a condução mais nos arrepia: quase ninguém conhece a regra da sinalizaçã­o de luzes. Vem todo o mundo sempre com os máximos e, por mais que façamos o sinal de luzes, são pouquíssim­os os motoristas que reduzem o foco dos faróis. Enfim, são éne situações que exigem uma tomada de posição e uma acção urgente da nossa Direcção Nacional de Viação e Trânsito. A televisão e a rádio podem desempenha­r um papel muito útil na educação rodoviária. Ai, que saudades que temos das lições televisiva­s do Inspector Salgueiro!

A condução automóvel em Angola é de espantar até os deuses do Egipto!

Mas é de levar-nos a reflectir como é que há pessoas a violar tão sistemátic­a e despreocup­adamente, tantas regras de trânsito. Não terão estas novas regras costumeira­s de trânsito a ver com o já tão propalado fenómeno da compra das cartas de condução que, segundo consta, está no valor de 40 mil kwanzas? Quem os recebe e passa a carta a quem não está preparado para conduzir um automóvel, está a potenciar um assassino da estrada.

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