Portadores de deficiência enfrentam os preconceitos
Comunicação é o maior entrave da comunidade para conseguir emprego
Gabriel Selende, 24 anos, Francisco Cassinda e José Kapiñgala, ambos de 28 anos, são exemplos de jovens deficientes auditivos que não cruzaram os braços, quebraram as barreiras e enfrentaram preconceitos, apostando de igual para igual com os audíveis na sua formação académica e profissional.
O primeiro, a frequentar o segundo ano, na Faculdade de Direito, da Universidade José Eduardo dos Santos, na cidade do Huambo, afirma que a sociedade continua a ter preconceitos contra as pessoas com deficiência e pede maior abertura.
“Nós somos pessoas normais, com as mesmas aspirações e ambições, mas por causa da nossa situação de deficiente, muitas vezes, encontramos barreiras e não conseguimos realizar os nossos sonhos.”
Os quatro jovens defendem maior atenção da sociedade para esta franja da população, criando algumas facilidades, para que possam também participar na vida activa e nos desafios que o país tem pela frente.
Ainda em conversa com os repórteres do Jornal de Angola, os três jovens afirmaram que o seu sonho é ver no país programas virados para a classe, porque acreditam que Angola tem muitos deficientes. Eles defendem a criação de figura de intérpretes nos programas televisivos de noticiários e um projecto de inclusão de todas as pessoas com dificuldades, seja auditivas, visuais, de fala, seja físicas.
Diálogo de inclusão
É um programa promovido pela Convenção Baptista de Angola (CBA) que, além da província do Huambo, é executado também nas províncias de Luanda, Namibe, Huíla e Cuando Cubango com o objectivo de apoiar pessoas com deficiências.
No Huambo, assiste-se mais de cem deficientes de todos os estratos sociais com formação em linguagem gestual, no caso dos surdos, e outros tipos de formação de acordo com as especificidades das deficiências. O programa apoia também os deficientes que frequentam o ensino especial na única escola da província.
A professora e intérprete, Mariete da Conceição Chissingui, diz que o termo deficiente auditivo tem sido rejeitado por muitos surdos(as) por considerarem que nem todos nasceram com esta dificuldade.
Ela explica que algumas destas deficiências foram adquiridas ou são fruto de obstruções provocadas pela medicina, por isso preferem chamá-los por doentes ou simplesmente deficientes e são categorizados de acordo com o grau da surdez, entre leve, moderado, severo ou profundo.
“O termo deficiente auditivo traz hostilidades em algumas comunidades já que tem a sua origem dentro da medicina. Por isso, preferem tratá-los por doentes auditivos.”
A professora adianta que na igreja eles têm um tratamento muito especial, por ser uma instituição de caridade, sem fins lucrativos, comprometida com a defesa dos direitos das pessoas surdas.
“A Igreja Baptista de Angola está preocupada com esta franja da sociedade, por isso, o centro que acolhe estas pessoas actua também no desenvolvimento intelectual, profissional e cultural através de palestras de motivação e cursos que ajudam na qualificação e entrada no mercado de trabalho”, disse.
Mariete da Conceição esclareceu que, apesar da pouca experiência no ramo da educação, os quatro jovens bacharéis, que frequentam também o curso de Teologia no seminário maior, aprenderam rápido a lição da vida e do amor ao próximo.
“Queremos que as igrejas sejam uma marca capaz de representar a inclusão do surdo de forma produtiva, além de ser meio de integração entre surdos e ouvintes. Quebrar o preconceito em relação à capacidade empreendedora da classe”, precisou.
A especialista em Otorrinolaringologia do Hospital Central do Huambo, Clementina Simão Artur, disse que deficiente auditivo é aquele que tem perda parcial da audição, ou seja, escuta o mínimo de ruído possível, mas que o termo traz duas vertentes, quando é aplicado de forma a chamar um surdo.
Ela é de opinião que existem surdos que não gostam do termo e há outros que também não se opõem, porque mesmo que não vocalizam, podem perfeitamente falar na sua língua de sinais, mas esclarece que o mesmo não acontece com a denominação surdo-mudo, porque a mudez é um outro tipo de patologia causada por questões ligadas às cordas vocais, à língua, à laringe ou ainda em função de problemas psicológicos ou neurológicos.
Para reforçar a luta das pessoas com deficiência, diz ser necessário que o Estado, que assegura os direitos das pessoas, trabalhe também no sentido de colocar o deficiente no mesmo nível de respeito, para que a sociedade deixe de preconceitos em relação a esta franja da nossa população. Ela reconhece que, por muito tempo, esta parcela da sociedade viveu presa a preconceitos e à margem das políticas sociais, mas que, aos poucos, ela conquista espaços significativos chegando a patamares antes só alcançados por pessoas sem deficiências.
Dificuldades
São várias as dificuldades, mas, a comunicação ainda é o maior entrave enfrentado pela comunidade surda no momento de conseguir-se uma vaga no mercado de trabalho, mesmo demonstrando ao longo da história que são capazes.
“Eles têm cada vez mais demonstrado esforços em aprender, porque nem sempre conquistam espaço no mercado de trabalho, mas têm clareza sobre suas potencialidades”, afirmou a professora Mariete da Conceição.
Gabriel Selembe conta que a barreira da comunicação está a ser superada, porque já tem intérprete, mesmo quando assiste à televisão e escuta a rádio, mas ainda enfrenta muitos preconceitos quando é chamado para fazer um trabalho seja com quem e onde for.
“A nossa maior dificuldade está em as pessoas desconfiarem do trabalho do deficiente auditivo. Elas ainda não estão preparadas para lidar connosco. Infelizmente, estamos longe dessa tão falada inclusão social, embora tenhamos colegas que nos elogiam como vencedores”, disse.
Gabriel Selembe, além de frequentar o segundo ano, do curso de Direito, na UJES, é bacharel em Teologia, encara o momento da dificuldade económica que o país atravessa como um desafio e pretende associar-se à sua recuperação com trabalho e conhecimento.
“Realizei o meu sonho ao ingressar na universidade pública e na Educação, mediante o concurso realizado em Novembro de 2016. Sempre encorajei os meus colegas surdos que nós podemos ser aquilo que desejamos, até ser empresários. Surdo pode tudo, precisa apenas de conhecimentos e oportunidades”, declarou emocionado.
“Estou muito feliz, porque vou poder contribuir para o meu país, dando aulas na escola do ensino especial cá, na minha cidade e estou com ansiedade de começar já. O meu sonho é ver mais pessoas surdas a trabalhar comigo e, no futuro, quero abrir a minha empresa e escrever a minha história no papel, para que os outros possam ler e seguir”, disse Francisco Cassinda Epamba, um dos três entrevistados.
Francisco Cassinda Epamba e José Kapiñgala Armando, ambos de 28 anos, terminaram o magistério primário, são igualmente bacharéis em Teologia e pretendem terminar o curso de Linguística no ISCED do Huambo.
“O surdo não é um ser limitado, além dos estudos académicos e bíblicos, nos meus tempos livres, sou sapateiro, mestre de taekoandó, artesão e posso trabalhar em empresas, caso haja esta facilidade”, concluiu José Kapiñgala Armando.