Jornal de Angola

Portadores de deficiênci­a enfrentam os preconceit­os

Comunicaçã­o é o maior entrave da comunidade para conseguir emprego

- ANTÓNIO CANEPA | E AZEVEDO FARIA | Huambo

Gabriel Selende, 24 anos, Francisco Cassinda e José Kapiñgala, ambos de 28 anos, são exemplos de jovens deficiente­s auditivos que não cruzaram os braços, quebraram as barreiras e enfrentara­m preconceit­os, apostando de igual para igual com os audíveis na sua formação académica e profission­al.

O primeiro, a frequentar o segundo ano, na Faculdade de Direito, da Universida­de José Eduardo dos Santos, na cidade do Huambo, afirma que a sociedade continua a ter preconceit­os contra as pessoas com deficiênci­a e pede maior abertura.

“Nós somos pessoas normais, com as mesmas aspirações e ambições, mas por causa da nossa situação de deficiente, muitas vezes, encontramo­s barreiras e não conseguimo­s realizar os nossos sonhos.”

Os quatro jovens defendem maior atenção da sociedade para esta franja da população, criando algumas facilidade­s, para que possam também participar na vida activa e nos desafios que o país tem pela frente.

Ainda em conversa com os repórteres do Jornal de Angola, os três jovens afirmaram que o seu sonho é ver no país programas virados para a classe, porque acreditam que Angola tem muitos deficiente­s. Eles defendem a criação de figura de intérprete­s nos programas televisivo­s de noticiário­s e um projecto de inclusão de todas as pessoas com dificuldad­es, seja auditivas, visuais, de fala, seja físicas.

Diálogo de inclusão

É um programa promovido pela Convenção Baptista de Angola (CBA) que, além da província do Huambo, é executado também nas províncias de Luanda, Namibe, Huíla e Cuando Cubango com o objectivo de apoiar pessoas com deficiênci­as.

No Huambo, assiste-se mais de cem deficiente­s de todos os estratos sociais com formação em linguagem gestual, no caso dos surdos, e outros tipos de formação de acordo com as especifici­dades das deficiênci­as. O programa apoia também os deficiente­s que frequentam o ensino especial na única escola da província.

A professora e intérprete, Mariete da Conceição Chissingui, diz que o termo deficiente auditivo tem sido rejeitado por muitos surdos(as) por considerar­em que nem todos nasceram com esta dificuldad­e.

Ela explica que algumas destas deficiênci­as foram adquiridas ou são fruto de obstruções provocadas pela medicina, por isso preferem chamá-los por doentes ou simplesmen­te deficiente­s e são categoriza­dos de acordo com o grau da surdez, entre leve, moderado, severo ou profundo.

“O termo deficiente auditivo traz hostilidad­es em algumas comunidade­s já que tem a sua origem dentro da medicina. Por isso, preferem tratá-los por doentes auditivos.”

A professora adianta que na igreja eles têm um tratamento muito especial, por ser uma instituiçã­o de caridade, sem fins lucrativos, comprometi­da com a defesa dos direitos das pessoas surdas.

“A Igreja Baptista de Angola está preocupada com esta franja da sociedade, por isso, o centro que acolhe estas pessoas actua também no desenvolvi­mento intelectua­l, profission­al e cultural através de palestras de motivação e cursos que ajudam na qualificaç­ão e entrada no mercado de trabalho”, disse.

Mariete da Conceição esclareceu que, apesar da pouca experiênci­a no ramo da educação, os quatro jovens bacharéis, que frequentam também o curso de Teologia no seminário maior, aprenderam rápido a lição da vida e do amor ao próximo.

“Queremos que as igrejas sejam uma marca capaz de representa­r a inclusão do surdo de forma produtiva, além de ser meio de integração entre surdos e ouvintes. Quebrar o preconceit­o em relação à capacidade empreended­ora da classe”, precisou.

A especialis­ta em Otorrinola­ringologia do Hospital Central do Huambo, Clementina Simão Artur, disse que deficiente auditivo é aquele que tem perda parcial da audição, ou seja, escuta o mínimo de ruído possível, mas que o termo traz duas vertentes, quando é aplicado de forma a chamar um surdo.

Ela é de opinião que existem surdos que não gostam do termo e há outros que também não se opõem, porque mesmo que não vocalizam, podem perfeitame­nte falar na sua língua de sinais, mas esclarece que o mesmo não acontece com a denominaçã­o surdo-mudo, porque a mudez é um outro tipo de patologia causada por questões ligadas às cordas vocais, à língua, à laringe ou ainda em função de problemas psicológic­os ou neurológic­os.

Para reforçar a luta das pessoas com deficiênci­a, diz ser necessário que o Estado, que assegura os direitos das pessoas, trabalhe também no sentido de colocar o deficiente no mesmo nível de respeito, para que a sociedade deixe de preconceit­os em relação a esta franja da nossa população. Ela reconhece que, por muito tempo, esta parcela da sociedade viveu presa a preconceit­os e à margem das políticas sociais, mas que, aos poucos, ela conquista espaços significat­ivos chegando a patamares antes só alcançados por pessoas sem deficiênci­as.

Dificuldad­es

São várias as dificuldad­es, mas, a comunicaçã­o ainda é o maior entrave enfrentado pela comunidade surda no momento de conseguir-se uma vaga no mercado de trabalho, mesmo demonstran­do ao longo da história que são capazes.

“Eles têm cada vez mais demonstrad­o esforços em aprender, porque nem sempre conquistam espaço no mercado de trabalho, mas têm clareza sobre suas potenciali­dades”, afirmou a professora Mariete da Conceição.

Gabriel Selembe conta que a barreira da comunicaçã­o está a ser superada, porque já tem intérprete, mesmo quando assiste à televisão e escuta a rádio, mas ainda enfrenta muitos preconceit­os quando é chamado para fazer um trabalho seja com quem e onde for.

“A nossa maior dificuldad­e está em as pessoas desconfiar­em do trabalho do deficiente auditivo. Elas ainda não estão preparadas para lidar connosco. Infelizmen­te, estamos longe dessa tão falada inclusão social, embora tenhamos colegas que nos elogiam como vencedores”, disse.

Gabriel Selembe, além de frequentar o segundo ano, do curso de Direito, na UJES, é bacharel em Teologia, encara o momento da dificuldad­e económica que o país atravessa como um desafio e pretende associar-se à sua recuperaçã­o com trabalho e conhecimen­to.

“Realizei o meu sonho ao ingressar na universida­de pública e na Educação, mediante o concurso realizado em Novembro de 2016. Sempre encorajei os meus colegas surdos que nós podemos ser aquilo que desejamos, até ser empresário­s. Surdo pode tudo, precisa apenas de conhecimen­tos e oportunida­des”, declarou emocionado.

“Estou muito feliz, porque vou poder contribuir para o meu país, dando aulas na escola do ensino especial cá, na minha cidade e estou com ansiedade de começar já. O meu sonho é ver mais pessoas surdas a trabalhar comigo e, no futuro, quero abrir a minha empresa e escrever a minha história no papel, para que os outros possam ler e seguir”, disse Francisco Cassinda Epamba, um dos três entrevista­dos.

Francisco Cassinda Epamba e José Kapiñgala Armando, ambos de 28 anos, terminaram o magistério primário, são igualmente bacharéis em Teologia e pretendem terminar o curso de Linguístic­a no ISCED do Huambo.

“O surdo não é um ser limitado, além dos estudos académicos e bíblicos, nos meus tempos livres, sou sapateiro, mestre de taekoandó, artesão e posso trabalhar em empresas, caso haja esta facilidade”, concluiu José Kapiñgala Armando.

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NUNO FLASH|EDIÇÕES NOVEMBRO Estado continua a criar condições para que as pessoas com deficiênci­a possam estar ao mesmo nível de respeito na sociedade afim de acabar com o preconceit­o
 ?? FRANCISCO LOPES|HUAMBO|EDIÇÕES NOVEMBRO ?? Jovens defendem maior atenção da sociedade para os problemas dos deficiente­s
FRANCISCO LOPES|HUAMBO|EDIÇÕES NOVEMBRO Jovens defendem maior atenção da sociedade para os problemas dos deficiente­s
 ?? FRANCISCO LOPES|HUAMBO|EDIÇÕES NOVEMBRO ?? Professora e interpréte de língua gestual
FRANCISCO LOPES|HUAMBO|EDIÇÕES NOVEMBRO Professora e interpréte de língua gestual

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