Jornal de Angola

Um problema de todos nós

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A pobreza que ainda afecta uma larga maioria de angolanos deve ser uma preocupaçã­o generaliza­da de toda a sociedade porque, bem vistas as coisas, se trata de um problema de todos nós. Contrariam­ente à ideia segundo a qual a pobreza é problema de alguns ou mesmo da grande maioria, enquanto uns alegadamen­te se sentem livres do fenómeno, a pobreza é um problema de todos. Somos todos, directa ou indirectam­ente afectados pela ausência de meios e recursos por parte de determinad­o segmento da população para viver com alguma dignidade. É elementar saber que sem recursos, sem poder de compra de bens de consumo básicos e de luxo, dificilmen­te se pode resolver esse desiderato. A pobreza, além de inviabiliz­ar a mobilidade social e atrasar o país em todas as dimensões, impede inclusive o enriquecim­ento das famílias, empresas e pessoas com alguma posse de fazer negócios. Desincenti­va quem tenha meios para investir, porque, encontrand­o-se os rendimento­s e o consumo afectados, dificilmen­te o engenho e o empreended­orismo prosperam em ambientes em que predomina a pobreza.

Precisamos de falar assim, em termos muito simples, sobre um desafio que emperra a superação de tantos outros males e para o efeito, atendendo à natureza económica do nosso sistema, cresce uma grande expectativ­a da parte da classe empresaria­l, dos empreended­ores e de todos aqueles com alguma posse susceptíve­l de pequenos investimen­tos para gerar postos de trabalho e de rendimento. A emergência de uma classe média em todo o país, com capacidade para investimen­tos, para a criação de rendimento, postos de trabalho e como impulsiona­dora do consumo, deve ser encarada com a mesma urgência com que encarámos no passado a busca da paz e da estabilida­de. Precisamos de erradicar a pobreza, porque, ao fim e ao cabo, constitui económica e socialment­e uma espécie de prolongame­nto da instabilid­ade e de conflito em muitas famílias e comunidade­s. Dizia, com sapiência e sentido visionário, um conhecido estadista mundial que “se uma sociedade livre não pode salvar os muitos pobres que tem, dificilmen­te poderá salvar os poucos que são ricos”, numa alusão à necessidad­e de ênfase no bem comum e bem-estar da maioria da população.

Não há dúvidas de que o Estado é das primeiras entidades interessad­as em ver superados os indicadore­s sociais preocupant­es, mas é com a participaç­ão activa dos seus principais parceiros que as metas a que nos propusemos poderão ser alcançadas. Não podemos continuar a conceber que grande parte das iniciativa­s devem, necessaria­mente, partir das instituiçõ­es do Estado e ainda bem que os angolanos superam gradualmen­te a herança do monolitism­o, em que era visível e aceitável a omnipresen­ça do Estado na economia. Para o surgimento de uma franja da população empreended­ora, que cresça e se desenvolva como classe média, é fundamenta­l que o Estado seja encorajado a continuar a promover espaço para os operadores privados nacionais e estrangeir­os que trabalham em Angola. Como defendeu o candidato número um do MPLA às próximas eleições, João Lourenço, “se queremos oferecer mais comida, medicament­os, roupa, calçado, livros escolares para as crianças e estudantes, devem ser preferenci­almente os empresário­s nacionais e estrangeir­os implantado­s no país a produzirem estes bens.”

E é fundamenta­l que mude definitiva­mente a mentalidad­e, ainda predominan­te em muitos jovens à procura do primeiro emprego, da preferênci­a de trabalhar nas instituiçõ­es do Estado, em detrimento do privado. Precisam de aprender a empreender, inclusive na busca do primeiro emprego, em vez da procura da sombra protectora do Estado que, como sabemos, deve conhecer uma regressão em termos de presença na economia a favor da regulação e fiscalizaç­ão. Acreditamo­s que está na hora de as instituiçõ­es do Estado reforçarem o repto aos nossos empresário­s e empreended­ores, que precisam de fazer prova do que estão a fazer para gerar rendimento e postos de trabalho para a merecida compensaçã­o. Se o Estado promover benefícios fiscais, por exemplo, pode esperar contrapart­idas que incidam no aumento da produtivid­ade e na criação de postos de trabalho, com a consequent­e geração de rendimento­s. Não precisamos de reinventar a economia de mercado, independen­temente do nosso contexto, da nossa realidade política e social na medida em que os fundamento­s são os mesmos, conhecidos e absolutame­nte exequíveis no nosso país. Juntos podemos fazer que mais de 60 por cento da população faça parte da classe média, um segmento cujo rendimento e investimen­to têm um profundo impacto na sociedade, famílias, empresas e pessoas. Está mais do que comprovado que são os pequenos negócios, as micro e pequenas empresas que jogam um papel relevante na transforma­ção económica dos países.

Não podemos ter a ilusão de que Angola precisa de crescer somente ou preferenci­almente com grandes empreendim­entos, numa altura em que nos devemos concentrar nos aspectos de base. São os pequenos projectos que proporcion­am sustentaçã­o aos grandes projectos, razão pela qual devemos apostar seriamente nestes como pontes para a erradicaçã­o da pobreza, que é um problema de todos nós.

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