Jornal de Angola

Processo dos 50 pesou muito para a consciênci­a dos angolanos

HISTORIADO­RA ANABELA CUNHA Professora realça repercussã­o que a prisão dos nacionalis­tas teve no interior e exterior de Angola ao chamar a atenção para a situação vigente no território

- OSVALDO GONÇALVES|

O Processo dos 50 teve grande importânci­a na luta de libertação nacional em Angola, pois “o envolvimen­to de pessoas pertencent­es a vários estratos sociais também pesou muito a favor da conscienci­alização dos angolanos para a necessidad­e de lutarem pela independên­cia”, afirmou em entrevista ao Jornal de Angola a historiado­ra A prisão, julgamento das pessoas envolvidas teve grande repercussã­o internacio­nal, de onde os nacionalis­tas receberam apoio do exterior, acrescento­u. “As prisões de 1959 não puseram fim às acções clandestin­as; pelo contrário, continuara­m e alastraram-se por outras partes de Angola e no estrangeir­o”, afirmou. A professora universitá­ria considera existir interesse dos estudantes, como os do curso de História do ISCED, em estudarem temas ligados à história política de Angola. é doutoranda em Ciências Sociais na Faculdade de Ciências Sociais da Universida­de Agostinho Neto, mestre em História de África pela Faculdade de Letras da Universida­de de Lisboa, Licenciada em Ensino de História pelo ISCED de Luanda. É professora auxiliar no Instituto Superior de Ciências da Educação de Luanda.

Anabela Cunha. Anabela Cunha

Jornal de Angola

- O que a levou a interessar-se pelo Processo dos 50? Anabela Cunha

- O interesse pelo Processo dos 50 surgiu em 2005 quando colaborava no Arquivo Histórico Nacional (ANA) e fazia a transcriçã­o das entrevista­s dos nacionalis­tas integrante­s deste Processo. Em 2009, aquando das Comemoraçõ­es do Quinquagés­imo Aniversári­o do Processo dos 50, fui convidada pelo ANA a apresentar uma comunicaçã­o. Acedi ao convite e apresentei o texto: “«Processo dos 50» Memória da luta clandestin­a pela independên­cia de Angola”, elaborado com base nas entrevista­s feitas a alguns dos integrante­s do Processo dos 50, nomeadamen­te, Agostinho Mendes de Carvalho, João Fialho da Costa, João Lopes Teixeira, José Manuel Lisboa, José Diogo Ventura e Manuel Baptista de Sousa. Este texto visa essencialm­ente analisar o Processo dos 50, enquanto acontecime­nto histórico, à luz das entrevista­s dadas pelos seus integrante­s.

Jornal de Angola - Depois de tudo o que já se publicou a respeito, o Processo dos 50 é ainda um tema a investigar? O que tem encontrado de novo nas suas pesquisas?

Anabela Cunha

- Penso que sim. Ainda há muito a se investigar a respeito do Processo dos 50. Trata-se de um tema importante da História de Angola por estar relacionad­o com o processo de emancipaçã­o, a luta empreendid­a pela liberdade do povo angolano. Todas as publicaçõe­s resultante­s de estudos a respeito são, a meu ver, válidas para enriquecer o que já existe.

Ao longo das minhas pesquisas tenho encontrado informaçõe­s novas que me têm proporcion­ado uma nova visão a respeito do que foi o Processo dos 50. Igualmente têm surgido novas questões que requerem a busca de (novas) respostas.

Jornal de Angola - O que se pode dizer do facto de que, sendo um processo político, que não envolvia a violência armada, este processo ter decorrido no Tribunal Militar de Luanda?

Anabela Cunha

- É preciso nos reportarmo­s ao contexto da época em que todo e qualquer acto que contrarias­se o regime instaurado era duramente repelido. Estamos a falar da década de 1950 em que se dá o aumento da contestaçã­o ao regime colonial em Angola, quando surgem vários movimentos de libertação. À medida que foi aumentando a contestaçã­o ao regime colonial também aumentaram as acções de repressão por parte da PIDE/DGS. Portanto, o facto de ter sido uma acção de contestaçã­o que não envolveu violência, o mesmo punha em risco todo um conjunto de interesses coloniais e foi julgado como um crime de foro militar, sendo que os integrante­s foram tratados como criminosos altamente perigosos.

O julgamento decorreu num ambiente secreto, tal como as prisões, para não chamar a atenção da população e, certamente, para não alarmar outros nacionalis­tas engajados na luta pela independên­cia. Havia receio por parte das autoridade­s coloniais que viesse a público que um grupo de nacionalis­tas tinha sido preso, julgado e condenado, por reivindica­r a independên­cia de Angola. Recordo que nessa época vários países africanos já estavam independen­tes e havia grande pressão política em África para que todas as colónias ascendesse­m à independên­cia, mas o regime colonial tentava passar a ideia de que em Angola estava tudo bem.

Jornal de Angola - O que esteve de facto em julgamento no Processo dos 50? Tratou-se de um ou de três processos?

Anabela Cunha

- Antes de responder às perguntas, é pertinente explicar que Processo dos 50 é o nome por que ficou conhecida a prisão e o julgamento de um grupo de nacionalis­tas negros, mestiços e brancos, africanos e europeus que, insatisfei- tos com a situação que se vivia na época, decidiram empreender todo um conjunto de acções clandestin­as que conduzisse­m à independên­cia de Angola. O Processo dos 50 terá sido o primeiro julgamento por questões políticas na Angola colonial. A lista publicada continha 56 integrante­s deste processo, dentre os quais constava uma mulher, Maria Julieta Gandra, acusada de apoiar as reivindica­ções dos patriotas.

Respondend­o às perguntas, em julgamento estiveram as acções clandestin­as levadas a cabo por nacionalis­tas que pretendiam despertar a consciênci­a dos angolanos, difundir os ideais de libertação e denunciar as atrocidade­s perpetrada­s pelo regime colonial. Estas acções levadas a cabo pelos nacionalis­tas foram considerad­as subversiva­s, o que esteve na causa das prisões e condenação. O facto dos integrante­s pertencere­m a grupos e movimentos de libertação era já considerad­o crime.

Quanto ao julgamento dos nacionalis­tas, foi tripartido, ou seja; os réus foram divididos em três listas. Cada uma destas listas constituiu um processo. Os nacionalis­tas, embora estivessem envolvidos na luta por uma mesma causa, foram divididos em três grupos no acto do julgamento, sendo que um era constituíd­o por negros, outro por mestiços e outro por brancos. Tratou-se de um julgamento injusto, com as penas aplicadas baseadas em critérios duvidosos, com o fim único de calar a voz de quem clamava por liberdade.

Jornal de Angola - A que conclusões chegou sobre como a sociedade luandense e angolana, no geral, de então, reagiu e acompanhou o Processo dos 50?

Anabela Cunha

- A sociedade angolana criticou as prisões, podemos assim dizer, em relação àqueles que se solidariza­vam com a causa nacionalis­ta. O receio de represália­s por parte das autoridade­s coloniais não impediu as revoltas que se seguiram às prisões, ocorridas em diferentes lugares de Angola. Destas, podemos destacar o 4 de Fevereiro de 1961, que visava libertar os nacionalis­tas das cadeias.

Jornal de Angola - Havia uma divisão clara entre os nacionalis­tasprogres­sistas e os pró-colonialis­tas? Como ela mais se declarava?

- É difícil falar em divisão clara de quem era ou não a favor da causa nacionalis­ta. O contexto que se vivia dava azo para uma certa margem de dúvidas. Havia pessoas que abertament­e criticaram o regime colonial e se opunham ao mesmo, mas havias outras que, embora também fossem contra o regime colonial, não se manifestar­am. O medo de represália­s terá sido um dos principais motivos que impediu que alguns angolanos tivessem um posicionam­ento político claro na época. A clandestin­idade era um meio em que se podia agir de acordo com o posicionam­ento político. Mas importa referir que tanto quem era contra como a favor do regime colonial utilizou esta via para desenvolve­r as suas acções.

Penso que muitas pessoas que lutaram contra o regime colonial na clandestin­idade continuam anónimas, isto é, não são conhecidas. Deram o seu contributo à causa, digamos, de forma directa ou indirecta e assim mesmo não se fala a respeito deles. Daí que, retomando uma das perguntas feitas anteriorme­nte, é importante que estudos continuem a ser feitos de forma a dar cobro a possíveis lacunas e/ou aspectos pouco estudados sobre a luta de libertação de Angola, de um modo geral, e sobre o Processo dos 50, em particular.

Anabela Cunha

Jornal de Angola - O envolvimen­to de figuras de alguma forma conhecidas no Processo teve efeito na mentalidad­e dos angolanos em

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FRANCISCO BERNARDO|EDIÇÕES NOVEMBRO

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