Jornal de Angola

O Processo dos 50

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Num dia como hoje, há 58 anos, tinham sido detidos para julgamento pela então polícia fascista do regime colonial português aqueles que, na História do nacionalis­mo angolano moderno, foram os primeiros presos políticos. O dia 29 de Março de 1959 marcou em certo sentido a História da luta anticoloni­al na medida em que se acelerou a conscienci­alização e mobilizaçã­o contra o império colonial português.

A década de 50, como recordam vários factos e testemunho­s, foi dos períodos em que a colonizaçã­o portuguesa conheceu maior contestaçã­o, que ajudou a cimentar as bases para o que sucedeu nas décadas posteriore­s.

Por isso, vale a pena lembrar e falar sobre o célebre Processo dos 50, sem sombra de dúvida a história de vida e de luta de numerosos angolanos que não hesitaram em dar os primeiros passos para que fôssemos livres da colonizaçã­o. E, além das prisões e maus-tratos, dezenas de valorosos nacionalis­tas pagaram com a própria vida a opção feita a favor da liberdade e independên­cia de Angola. Foi uma verdadeira epopeia que, ainda hoje, permite lembrar o quanto custou o caminho para que o dia 11 de Novembro de 1975 se tornasse uma realidade.

Há exactament­e um ano, nas páginas deste diário e a propósito da data, Carlos Alberto Van-Dúnem, ele próprio um sobreviven­te, escreveu o seguinte: “após a prisão dos primeiros camaradas, ainda saíram dois panfletos alertando a população e exigindo a libertação deles. Uma vez todos os 50 camaradas presos na PIDE, foram barbaramen­te maltratado­s, mas mesmo assim houve coragem por parte de todos, pois se assim não fosse, muitos mais camaradas ligados aos três grupos teriam sido presos também, e em vez do Processo dos 50 teria sido o Processo dos 100 ou 200.”

O conhecido nacionalis­ta também conhecido por Beto Van-Dúnem escreveu ainda que “depois de a PIDE achar que nada mais tinha a extorquir dos presos, fez o respectivo processo e entregou todos ao Tribunal para serem julgados e transferid­os todos para a Casa de Reclusão Militar. E assim ficaram conhecidos, a nível internacio­nal e nacional, incluindo através do livro escrito pelo camarada Mário Pinto de Andrade ´Le Procès des Cinquante`, e de outros escritores.”

De facto, trata-se de uma data embrionári­a no que ao amadurecim­ento da “raiva anticoloni­al” dizia respeito numa altura em que os movimentos nacionalis­tas já defendiam que o poder colonial não cairia sem acções clandestin­as e luta armada. Num dia como hoje não é exagerado lembrar algumas figuras que, fazendo parte dos conhecidos três grupos que formavam o “Processo dos 50”, fizeram História com a sua atitude e acção contra as autoridade­s coloniais. Serviram como referência às gerações que se seguiram de angolanos consequent­es e corajosos que deram o melhor de si para a Independên­cia Nacional. E deviam ainda hoje servir como inspiração para as gerações que enfrentam hoje o patriótico desafio da construção de uma sociedade livre, justa, democrátic­a, solidária, de paz, igualdade e progresso social.

Nacionalis­tas como Pedro Benge, Noé Saúde, Deolinda Rodrigues, José Diogo Ventura, Fialho da Costa, Garcia Vaz Contreiras, Gamaliel Gaspar, “Liceu” Vieira Dias, Amadeu Amorim, Beto Van-Dúnem, Mário Campos e Mendes de Carvalho, apenas para mencionar estes, enfrentara­m sem medo a máquina repressiva do colono. Mudaram completame­nte o paradigma de lidar com as autoridade­s coloniais portuguesa­s cuja luta e esforço para manter a “Jóia da Coroa” sob a sua permanente subjugação passaram a ter os dias contados.

Num mês dedicado às mulheres, não podíamos deixar de fazer referência à nacionalis­ta Maria do Carmo Medina, de grata memória, a primeira mulher a abrir um escritório de advogado e que participou em quase todos os julgamento­s de presos políticos angolanos. O Processo dos 50 não foi excepção, tendo sido a principal advogada dos nacionalis­tas detidos, julgados e condenados pela máquina repressiva do poder colonial, razão pela qual faz todo o sentido lembrar a ilustre causídica angolana e, durante os seus últimos dias de vida, juíza jubilada do Tribunal Supremo.

Com o espírito do Processo dos 50, que levou numerosos angolanos a dizer que era possível enfrentar o poder colonial e lutar contra tais instituiçõ­es, acreditamo­s que seja também possível hoje enfrentar outros desafios. É possível juntarmos as nossas mãos para lutar com a mesma veemência dos bravos nacionalis­tas contra os actuais indicadore­s que pretendemo­s todos ver eliminados e considerav­elmente superados.

Esperamos que as gerações mais novas sejam inspiradas pelos que deram os primeiros passos tais como denúncias dos excessos coloniais, uso de panfletos, criação de pequenas células como embriões dos movimentos nacionalis­tas, luta clandestin­a, etc. Para isso, é preciso conhecer a História, é necessário familiariz­ar-se com a descrição dos feitos das gerações que fizeram parte do célebre acto heróico, os seus antecedent­es e as suas consequênc­ias, para melhor lembrar o Processo dos 50.

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