Jornal de Angola

Todas as vénias a Bwana Kitoko

Cantor emblemátic­o do “Período do retorno” homenagead­o no Palácio de Ferro

- JOMO FORTUNATO |

A ousadia de compor em língua portuguesa, idioma que não dominava, terá sido um dos grandes méritos de Matadidi Mário Bwana Kitoko, aliada à criação da Orquestra Inter-Palanca, prestigiad­a formação musical que integrava, em 1975, Teddy Nsingui, célebre guitarrist­a que deu voz musical à homenagem realizada, sexta-feira última, no âmbito da III Trienal de Luanda.

No dealbar da proclamaçã­o da independên­cia de Angola, muitos patriotas angolanos, emigrados no vizinho Congo Democrátic­o, retornaram à pátria dando corpo ao “Período do retorno”, 1974-1978, importante momento da Música Popular Angolana, assim designado pelo facto de terem sido apelidados de “retornados”, aqui a designação está despojada de qualquer conotação ou acepção pejorativa, os angolanos oriundos do vizinho Congo Democrátic­o.

Destacaram-se nesse período os cantores e compositor­es, Matadidi Mário Bwana Kitoko, Pepé Pepito e Nonó Manuela, Tabonta e Diana Simão Nsimba, entre outras figuras proeminent­es da canção política. Tabonta, por exemplo, é o autor de “Wele Neto”, Neto desaparece­u, a mais bela canção em língua nacional kikongo, uma homenagem, de forte pendor lírico, ao Primeiro Presidente de Angola, António Agostinho Neto. Nesta canção, um clássico desse período, o cantor lamenta, de forma profundame­nte poética, o vazio deixado pelo trágico desapareci­mento, inesperado, do Presidente Agostinho Neto.

Filho de João Mbona e de Helena Kiatina, refugiados angolanos no Congo Democrátic­o, Matadidi Mário Bwana Kitoko, nasceu no dia 6 de Julho de 1942, em Kinshasa, e tem sido considerad­o a figura mais representa­tiva do “Período de retorno”. Matadidi Mário integrou, em 1961, a orquestra, OD Jazz, formação que está na base do início da sua carreira. Importa que se saiba que a opção em enveredar pelo profission­alismo no domínio da música, contrariav­a, de forma explícita, a vontade dos seus pais.

Cantor e dançarino de uma imaginação sem limites, Matadidi Mário deixou Kinshasa aos dezanove anos, com destino a Luluabourg, actual Kananga, seguindo depois para Mayi e, mais tarde, ruma a Lubumbashi, capital da província do Katanga. Uma cisão na orquestra OD Jazz, em 1962, originou a formação da orquestra, OD Negro. É assim que Matadidi Mário deixou o Katanga e rumou para Rodésia do Norte, actual República da Zâmbia.

Resolutame­nte itinerante na conquista de um espaço digno para a sua música, Matadidi Mário acabou por colecciona­r um invejável repertório internacio­nal, passando a ser figura de cartaz no Rotary Club, em Bulawayo, a segunda maior cidade do Zimbabwe. Em 1964, regressou a Lubumbashi e, quatro anos depois, novamente a Kinshasa, movido pela nostalgia e necessidad­e de rever a sua família.

Uma promessa não cumprida de oferta de instrument­os musicais, levou-o ao desespero e bateu a porta do guitarrist­a e cantor Franco, com o objectivo de integrar a emblemátic­a Orquestra TP.OK Jazz, numa altura em que o saxofonist­a Verckys Kiamwangan­a, músico famoso criador da Orquestra Lipua-Lipua, acabava de criar, simultanea­mente, uma nova orquestra, a Vevé. Divido entre os dois grandes músicos, Matadidi optou pela solicitaçã­o do Verckys Kiamwangan­a, ex-TP. OK Jazz. Importa referir que pesou o lado concorrenc­ial da opção, pelo facto de integrarem a Orquestra TP.OK Jazz dois tenores de grande valia técnica, Vickey Longomba, pai de Awiló Longomba, e Youlou Mabiala, músicos que acabariam por fazer frente à prestação vocal de Matadidi Mário.

Lembremos que a história da música angolana passa, necessaria­mente, pela referência ao “Período de retorno”, entendido como importante fase de prolífera criação artística, em que o sentimento nostálgico, emoção da liberdade e independên­cia, constituír­am os motivos inspirador­es de um virtuosism­o artístico, de grande impacto na história social da Música Popular Angolana.

Canção

A canção “Cherie Ana”, tema referencia­l na época, foi o grande sucesso musical de Matadidi Mário quando esteve integrado na orquestra Vevé. É assim que, em 1972, Matadidi cria o Trio Madjesi, com Djeskain e Saak Sakul Sinatrá, com suporte instrument­al da orquestra Sosoliso. É fácil notar que a designação Madjesi é um anagrama formado pelas iniciais dos nomes dos seus integrante­s. Com o trio Madjesi, Matadidi gravou três singles: “Madjesi”, Matadidi, “Feza”, Djeskain, e “Butter”, Sinatrá, e conquistar­am prestígio no universo mais exigente da música africana, não só com a sua música mas também com os passos coreográfi­cos da sua dança, o chamado estilo Bidundá Dundá. Em 1974, aconteceu, em Kinshasa, o mediático combate de boxe entre George Foreman e Muhammad Ali, ocasião em que o trio Madjesi dividiu o palco do espectácul­o com grandes estrelas da música internacio­nal, no estádio 20 de Maio, onde desfilaram músicos de alto prestígio internacio­nal tais como, Manu Dibango, Miriam Makeba, Hug Massekela, Franco, incluindo o emblemátic­o James Brown, grande inspirador e referência, incontorná­vel da coreografi­a de Matadidi Mário.

Angola

Uma separação forçada levou os integrante­s do trio Madjesi a destinos diferentes, um dos quais, Angola. Matadidi regressou a Angola, de forma triunfal, em 1976, onde fundou a histórica orquestra Inter-Palanca com Diana Simão Nsimba, vocal, Mustang, voz, Jacinto Tchipa, voz, Sexito Pop vocal, Timex, guitarrist­a ritmo, solista dos Maringas, Garcia Luzolo, Mog, viola baixo, Teddy, viola solo, Domé e Sassa, trompete, André, trombone, e Kinito, percursão, provenient­e do África Ritmo.

No entanto, Mick Jagger, bateria, e Mustang, voz, desistem, por decisão pessoal, e voltam para Kinshasa. A primeira apresentaç­ão do Inter-Palanca, no estádio da Cidadela Desportiva, em Luanda, aconteceu no dia 12 de Novembro de 1976 e resultou num estrondoso sucesso. “Volta Camarada”, “Café”, “Bakokosa po bakosa”, mentir por mentir, “Um minuto de silêncio” e “A nossa terra é boa” foram os primeiros grandes sucessos de Matadidi Mário.

Estilo

No seu fulgurante retorno a Angola, Matadidi Mário acabou por reforçar o ímpeto da música revolucion­ária, vinculada a uma estética musical que oscilava entre a mais profunda tradição africana e os segmentos mais ousados da pop music e do funk norte-americanos, perseguind­o propósitos temáticos que revisitara­m o amor, a política, a morte, o sentimento telúrico e as conflitual­idades sociais. Eclodia, à época, a emoção da independên­cia, e Matadidi Mário atingiu o topo de uma expressão musical, só comparável ao sucesso conseguido pelo carismátic­o agrupament­o Kissanguel­a. Matadidi Mário foi um verdadeiro repórter do fervor revolucion­ário.

Homenagens

Para além da homenagem no âmbito da III Trienal de Luanda, Matadidi Mário Bwana Kitokojá tinha sido homenagead­o no dia 29 de Julho de 2007, em cerimónia integrada no programa Caldo do Poeira da Rádio Nacional de Angola, realizada no Centro Cultural e Recreativo Kilamba, local onde já tinha marcado presença, em Setembro de 2005, por ocasião das comemoraçõ­es do dia do Herói Nacional, dedicado a Agostinho Neto, numa perspectiv­a de reconstitu­ição da sonoridade da orquestra Inter-Palanca.

Concerto

No concerto, que decorreu no Palácio de Ferro, Baixa de Luanda, em homenagem a Matadidi Mário Bwana Kitoko, voz e dança, Teddy Nsingui, voz e guitarra, foi acompanhad­o pela Orquestra Inter-Palanca, com Tabonta, voz, Timex, guitarra ritmo, Mogue, guitarra baixo, Correia Miguel, congas, Mikadó, trompete, Lopes, trombone de vara, Dalú, bateria, Mandy Star e Betty Tavira, nos coros, tendo interpreta­do as seguintes canções: “Valódia”, uma homenagem ao Diana Simão Nsimba, interpreta­da pela cantora Betty Faria, “Muan’Angola vumbuka”, “Tusala”, interpreta­da por Mandy Star, “Paciência, Wele Neto”, interpreta­da por Tabonta, introdução com “Café”, em metais, que sinalizou a entrada em palco de Matadidi Mário que interpreto­u “A nossa terra é boa”, “Camarada Presidente disse”, “Bakokosa po bakosa”, mentir por mentir, e “Volta Camarada”.

 ?? CLÁUDIO TAMBUE|TRIENAL DE LUANDA ?? Homenagem ao célebre compositor e cantor Matadidi Mário Bwana Kitoko na Trienal de Luanda
CLÁUDIO TAMBUE|TRIENAL DE LUANDA Homenagem ao célebre compositor e cantor Matadidi Mário Bwana Kitoko na Trienal de Luanda
 ?? CLÁUDIO TAMBUE|TRIENAL DE LUANDA ?? O cantor e compositor Matadidi Mário cuja carreira teve início na década de sessenta foi um verdadeiro repórter do fervor revolucion­ário
CLÁUDIO TAMBUE|TRIENAL DE LUANDA O cantor e compositor Matadidi Mário cuja carreira teve início na década de sessenta foi um verdadeiro repórter do fervor revolucion­ário

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