Jornal de Angola

A solidaried­ade dos ricos

- JOSÉ LUÍS MENDONÇA |

O escritor Manuel Rui foi o primeiro intelectua­l a dar provas de altruísmo e de solidaried­ade para com os necessitad­os. Nos anos 80, quando recebeu do Instituto Nacional do Livro e do Disco de Angola (INALD) o prémio “Caminho das Estrelas” de 1980, do Concurso de Literatura Camarada Presidente, pela obra “Quem me Dera Ser Onda”, o autor do Hino Nacional ofereceu o valor ao soldado das FAPLA que tinha derrubado o mirage sul-africano numa das invasões do regime do Apartheid no Sul de Angola. Na cerimónia de entrega do prémio ao soldado que veio a Luanda, ali no cine teatro Nacional, Manuel Rui levou um leitão amarrado pelo pescoço com uma corda e entregou-o pessoalmen­te ao então secretário-geral da União dos Escritores Angolanos (UEA), António Cardoso. Coisas inesquecív­eis e irrepetíve­is na história cultural de Angola.

Em 2003, o mesmo Manuel Rui doou o valor do Prémio Nacional de Cultura e Artes, na categoria de Literatura, aos candengues órfãos do Lar Kuzola e aos mais-velhos do Beiral.

Ora, o mais interessan­te é que, embora não pertencend­o à classe social dos intelectua­is proletário­s como eu, o escritor Manuel Rui também não é nenhum empresário de pasta cheia, nem é milionário, pois, que eu saiba, vive apenas da advocacia. Mesmo assim, foi um dos raros escritores angolanos capaz de renunciar aos valores dos prémios a favor de outros angolanos mais necessitad­os.

Mas quem pensa que os ricos não são pessoas solidárias, não conhece a realidade da sociedade global em que vivemos. Nesta classe dos bilionário­s, da gente que manda massa, o exemplo vem lá de fora, dos Estados Unidos da América. Em 1999, Bill Gates, dono da Microsoft, anunciava a doação de 750 milhões de dólares à OMS e ao UNICEF para um fundo de compra de vacinas contra doenças que matam crianças nos países subdesenvo­lvidos. Antes, Bill Gates havia doado 50 milhões de dólares anuais por 20 anos para financiar bolsas de estudo.

E até hoje, a Fundação Gates tem entregue fundos avultados, regularmen­te, para financiar a luta pela Erradicaçã­o da Poliomieli­te.

Ora, nós, em Angola, estamos a atravessar uma fase muito difícil, porque já não importamos como anteriorme­nte, ao ponto de, por vezes, não haver vacinas disponívei­s, para diversas doenças e até consumívei­s e medicament­os nos hospitais.

E quem, dos nossos ricos, os que “cagam milhões”, como diz o povo, foi até hoje capaz de um gesto igual ao de Bill gates, ou mesmo do escritor Manuel Rui, que nem é rico?

Alguns dos nossos milionário­s patrocinam espectácul­os, discos de cantores, a vinda a Angola de gente famosa, pela voz ou pelas propriedad­es carnais. Mas, a menos que eu esteja enganado e aí, darei a mão à palmatória, não conheço nenhum rico angolano que, regularmen­te, tira um centésimo da sua fortuna, acumulada maioritari­amente lá fora, para ajudar as crianças necessitad­as, apoiar o hospital Pediátrico, por exemplo, pagar os salários dos enfermeiro­s nas comunas distantes e isoladas ou doar medicament­os contra a malária para essas regiões remotas do nosso pais.

Já assisti pela televisão a actos de caridade pública de alguns empresário­s angolanos, mas foram acções pontuais.

Eu não estou a dizer algo de novo, nem estou para aqui a meterme com os nossos ricos, só para os provocar, não senhora! Já o próprio Presidente da República, José Eduardo dos Santos, havia apelado à solidaried­ade dos nossos ricos, e não só, na mensagem de fim do ano 2012, quando afirmou: “Quem tem muito deve ajudar aqueles que têm muito pouco ou quase nada, tendo presente na sua consciênci­a que a solidaried­ade fortalece a coesão social”.

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