Não há Orçamento que aguente!
A agência internacional de notação de risco Moody’s anunciou recentemente o seu último relatório de performance da economia angolana. Para a Moody’s, a situação económica e social melhorou, fruto de uma contracção da despesa pública e de um maior controle da inflação e da crise cambial. A excessiva dependência da receita petrolífera e a ausência de uma diversificação sólida continuam a ser as grandes fragilidades da nossa economia, impondo-se com relativa urgência algumas novas medidas.
Ora, a formulação da agência Moody’s parece-nos demasiado correcta na medida em que traduz rigorosamente o que temos vindo a viver no último semestre. A política macroeconómica procura uma inflexão e o “economês” tem vindo a dar lugar à preocupação com a vida das pessoas, restituindo ou devolvendo o poder de compra ao cidadão.
Para que o Estado possa satisfazer as necessidades das pessoas, é importante que este disponha de recursos. Para que haja a construção de escolas e hospitais, para que se paguem aos professores, médicos e enfermeiros, para que se construam barragens e linhas de transmissão de energia, para que se construam casas sociais, para que se proporcione a segurança pública e o controle das fronteiras, o Estado precisa de recursos financeiros. E para isso os manuais continuam a defender um mecanismo principal: os impostos. É importante que os cidadãos e as empresas paguem os seus impostos. Como alguém terá dito certa vez, os impostos são o preço a pagar por uma sociedade civilizada.
Espanta-me, por isso, ouvir de entes públicos a dificuldade em assumirmos o pagamento de impostos, instigando as pessoas para a rebeldia e desacato à ordem e à fractura do contrato social. O mesmo governante vem depois apresentar a incapacidade da sua administração para o pagamento às empresas de saneamento básico. Como diria Sherlock Holmes ao seu pupilo Watson: “é básico, meu caro”. Como o Estado poderá assegurar o saneamento básico sem a oportuna receita fiscal?
Ora, se é verdade que viemos de um modelo social e político onde ninguém pagava impostos, hoje a realidade é diferente e é imperioso que haja um esforço social no sentido da mobilização e sensibilização de todos os actores sociais sobre a importância do seu pagamento. E os números da receita tributária falam por si. Muito mal andaríamos se em 2010-2011 não tivesse havido a decisão de se avançar com a reforma tributária e o fomento da receita não petrolífera… A nossa base de contribuintes, segundo a AGT, aumentou consideravelmente mas está ainda longe da receita potencial. E mesmo naqueles casos em que as pessoas e empresas têm capacidade contributiva, há um nicho elevado de fuga e evasão fiscal.
Por outro lado, a implantação de uma cultura fiscal leva o seu tempo e nestes processos todos os intervenientes estão a aprender. O Estado está a aprender a colectar. As empresas estão a melhorar a sua contabilidade e o cálculo do que é devido ao Estado. E os cidadãos percebem que o Estado só poderá fazer mais quando puder também arrecadar mais.
O Ministério das Finanças, enquanto entidade que se ocupa da gestão macroeconómica e dos indicadores fiscais, não está apenas preocupado com a receita. Também a despesa tem vindo a constituir-se num cavalo de batalha da Mutamba. E foi esta a mensagem que terá levado o Ministro das Finanças, Archer Mangueira, aos estudantes do Instituto Superior Politécnico da Universidade José Eduardo dos Santos, no Huambo, onde falou sobre a necessidade da adopção de um novo modelo económico para Angola, durante uma Aula Magna sobre “Política Fiscal no Contexto de um Novo Normal”.
O ministro Archer Mangueira traçou um quadro do actual momento caracterizado por vários desequilíbrios, como o risco de inflação decorrente da escassez de recursos em moeda externa, queda da receita petrolífera e os efeitos na balança de pagamentos com recurso ao endividamento.
A política fiscal, defendeu o ministro, tem de ser reorientada. “Temos de viver sem o petróleo”. Para o ministro, “falar de crise é admitir que vamos continuar a viver do petróleo”. Na lógica da inversão do paradigma, Archer Mangueira reputa de fundamental o investimento público em infra-estruturas, como a energia e as vias que facilitem a circulação de pessoas e bens.
O Ministro das Finanças tem insistido na necessidade de a realidade presente e futura ser encarada como do “novo normal”, que resulta da mudança das bases de sustentação da nossa economia, que deve assentar na estabilidade macroeconómica, no crescimento sustentável e na diversificação da produção nacional. Na mesma senda, o Ministro alavancou os quatro objectivos da política fiscal no quadro do novo normal: controle da inflação; diversificação das exportações; melhoria das condições financeiras do Estado e estabilidade do sistema financeiro.
A Aula Magna pretendeu também gerar um clima motivacional e de responsabilidade no ambiente académico. O ministro e antigo Professor de Macroeconomia da Faculdade de Economia da Universidade Agostinho Neto defendeu a continuidade da aposta urgente e permanente na valorização do capital humano, na perspectiva do conhecimento, da inovação e do empreendedorismo.
O novo modelo económico para Angola precisa de ser repensado na óptica da receita e da despesa. Archer Mangueira defendeu a necessidade da adopção de algumas reformas estruturais no médio longoprazo, como a eliminação da taxa de câmbio fixa.
A economia angolana precisa efectivamente de um corte, um choque, uma reforma estrutural, juntando medidas de política monetária e de política fiscal. Existe, confirmou, a pressão de organismos internacionais no sentido da desvalorização da moeda. Estes sugerem a alteração da taxa de juros para compensar este aumento, mas em presença de uma política monetária, já de per si restritiva, esta teria uma consequência mais gravosa para as empresas e sobre os projectos de diversificação da economia.
Sobre esta matéria, o professor Fausto Simões asseverou: Nós não queremos uma inflação alta, mas também não pretendemos que o investimento seja travado. A incógnita das variáveis e as opções das medidas de política permitem-nos visualizar uma aposta no controlo da inflação no curto prazo e numa depreciação no médio longo prazo.
Bretton Woods defende este choque há alguns anos, o que passa também pela coragem política de eliminação de mais subsídios, especialmente nas tarifas da água e da energia. Sente-se isso na expressão que vem da Mutamba: Não há Orçamento que aguente!