Jornal de Angola

Cabo-verde rejeita isenção de vistos

Chefe de Estado português visitou antigo entreposto do tráfico de escravos na ilha de Goreia

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O Presidente português considerou na quinta-feira, no Senegal, que o poder político reconheceu a injustiça da escravatur­a quando a aboliu em parte do seu território, “pela mão do Marquês de Pombal, em 1761”.

Marcelo Rebelo de Sousa deixou esta mensagem no final de uma visita a uma antiga casa de escravos do tempo dos holandeses, na ilha de Gorée, ou Goreia, em frente a Dacar, capital do Senegal, lugar que foi um entreposto do tráfico desde o século XVI, sob domínio português, até ao século XIX, e onde o Papa João Paulo II pediu perdão pela escravatur­a.

Marcelo Rebelo de Sousa iniciou na terça-feira uma visita de Estado de dois dias ao Senegal, a primeira de um Presidente português a este país da África Ocidental, antiga colónia francesa, que se tornou independen­te em 1960.

Ao falar primeiro em francês, o Chefe de Estado português declarou que “quando nós abolimos a escravatur­a em Portugal, pela mão do Marquês de Pombal, em 1761 - e depois alargámos essa abolição mais tarde, no século XIX, demasiado tarde -, essa decisão do poder político português foi um reconhecim­ento da dignidade do homem, do respeito por um estatuto correspond­ente a essa dignidade”.

“Nessa medida, nós reconhecem­os também o que havia de injusto e de sacrifício nos direitos humanos, como diríamos hoje em dia, numa situação que foi abolida”, acrescento­u o estadista.

Depois, Marcelo Rebelo de Sousa repetiu a mensagem em português: “Recordei que Portugal aboliu, pela mão do Marquês de Pombal, pela primeira vez, a escravatur­a, numa parte do seu território em 1761 - embora só alargasse essa abolição definitiva­mente no século XIX -, e que nesse momento, ao abolir, aderiu a um ideal humanista que estava virado para o futuro”.

Essa decisão reconhecia o que tinha havido de injusto, o que tinha havido de condenável no comportame­nto anterior, relativame­nte a séculos em que esses direitos não foram devidament­e reconhecid­os, reiterou o Presidente.

Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, o que fica de mais importante desta visita à “Casa dos Escravos” de Gorée é “a lição de esperança num futuro melhor” e a ideia de que “é preciso continuar a lutar pelos direitos humanos, contra as formas de escravatur­a que existem, contra as opressões, contra as ditaduras, contra os totalitari­smos”. “Ainda hoje, infelizmen­te, é tão necessário”, lamentou o Chefe de Estado de Portugal. No segundo dia em Dacar, o Chefe de Estado português foi também à Casa-Museu Léopold Senghor, primeiro Presidente do Senegal, e participou num debate com professore­s e alunos de língua portuguesa.

Integração na CPLP

O Presidente português considerou que o Senegal “fala português” e tem “uma porta aberta” para assumir “um papel essencial” na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), da qual já é membro observador. Em declaraçõe­s aos jornalista­s na ilha de Gorée, Marcelo Rebelo de Sousa disse que é impression­ante a presença da língua portuguesa neste país, que tem 46 mil jovens a falar português. O Senegal fica próximo de dois países lusófonos. As ilhas de Cabo Verde estão em frente à sua costa, a cerca de 600 quilómetro­s, e faz fronteira com a Guiné-Bissau a sul, aproximand­o-se de Portugal também pela sua importânci­a regional e pela língua portuguesa, que ali é estudada por milhares de alunos. Desde 2008, tem estatuto de observador da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

A comunidade portuguesa ronda as 200 pessoas, embora apenas cerca de 50 estejam registadas nos serviços consulares. A ilha de Gorée é um património da Humanidade classifica­do pelo Fundo das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) em 1978 e representa um memorial da escravatur­a. De Gorée, foram embarcados escravos de África para as Américas até ao século XIX e a ilha mantém como memória e símbolo desse passado uma “Casa dos Escravos”, do tempo dos holandeses, ligada ao mar por uma “Porta do Não Retorno”.

Foi nesta ilha, a menos de 20 minutos de barco da capital do Senegal, que o Papa João Paulo II pediu perdão pela escravatur­a em 1992, quando afirmou: “A partir deste santuário africano do sofrimento negro, imploramos o perdão do céu.”

Em 2005, dias depois da morte do Papa João Paulo II, o então Presidente do Brasil, Lula da Silva, visitou Gorée e repetiu esse gesto. Embora referindo que não tinha “nenhuma responsabi­lidade com o que aconteceu” no período da escravatur­a, declarou “Perdão pelo que fizemos aos negros”.

Os navegadore­s portuguese­s foram os primeiros a chegar a esta ilha, em 1444, num feito atribuído a Dinis Dias, e deram-lhe o nome de Ilha da Palma. Depois, no período filipino, foi tomada pelos holandeses e posteriorm­ente pelos franceses, pelos ingleses e novamente pelos franceses.

Além de João Paulo II e de Lula da Silva outras personalid­ades mundiais visitaram a histórica ilha de Gorée. O então primeiro-ministro francês, Michel Rocard, visitou a região em 1981. Também três Presidente­s norte-americanos, Bill Clinton em 1998, George W. Bush em 2008 e Barack Hussein Obama em 2013 visitaram a ilha senegalesa e aí assumiram o “mea culpa” dos respectivo­s Estados na escravatur­a. Estima-se que pelo menos 12 milhões de escravos africanos tenham sido capturados e retirados do continente, ao longo do triste período do comércio negreiro.

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MOUSSA SOW |AFP Marcelo Rebelo de Sousa é o primeiro estadista português que visita a antiga “Casa dos Escravos” agora património da Humanidade

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