O show das forças militares
A tensão na península coreana atinge hoje o seu ponto mais alto, quer pelo facto das comemorações do 105º aniversário do fundador do país, Kim Il-Sung, por sinal avô do actual líder norte-coreano, Kim Jong-Un, ser sempre acompanhado sempre de algum tipo de demonstração de força, quer por movimento de força semelhante da parte dos Estados Unidos.
O Presidente Donald Trump parece disposto a reviver a política do “Big Stick”, engendrada por Teddy Roosevelt no início do século 20, contrariando tudo e todos com o cerrar dos punhos contra o seu inicial posicionamento de isolacionismo na esfera internacional.
As demonstrações de força na Síria e no Afeganistão em actos que visaram, entre muitas coisas, dar a entender que o seu país vai privilegiar o uso da força sempre que o famigerado Interesse Nacional americano estiver em jogo, fazem perceber que Donald Trump pretende resolver sozinho, se necessário, o problema da Coreia do Norte.
Admitiu recentemente que se puder contar com a China melhor, mas que se não for possível, os Estados Unidos e os seus aliados, numa alusão à Coreia do Sul e ao Japão, o farão. Caso a Coreia do Norte, na visão da administração Trump, insista em incorrer no exercício de força que tem vindo e fazer, nomeadamente testes de mísseis balísticos e eventualmente testes nucleares, contrariando resoluções do Conselho de Segurança da ONU, os Estados Unidos podem atacar preventivamente aquele país. Trata-se de uma linha vermelha fixada pela administração Trump e que se pode aproximar muito de uma declaração de guerra, na medida em que a Coreia do Norte defende o direito de tais exercícios, socorrendo-se da necessidade vital de sobreviver às ameaças de que tem sido alvo.
A China, o maior aliado da Coreia do Norte, parece dar sinais de alguma influência e pressão junto do poder daquele país, na medida em que recentemente baniu o carregamento de carvão e já ameaçou suspender a ligação aérea, da Air China, numa séria advertência para a mudança. Depois do encontro na Flórida, entre Donald Trump e o Presidente chinês, Xi Jimping, do qual o homólogo americano reconheceu não ser uma pessoa fácil, as coisas realmente não ficaram fáceis para o Presidente republicano.
O ex Presidente democrata, Barack Obama, já tinha advertido o eleito na altura e actual inquilino da Casa Branca, que o seu maior desafio em termos de política externa seria a Coreia do Norte. Deste país, que da mesma maneira como recebe ameaças de um ataque preventivo diz ter capacidade para fazer mesmo, as advertências aos Estados Unidos e os seus aliados têm sido muito claras.
“Nada será mais insensato se os Estados Unidos acharem que nos podem tratar da maneira como trataram o Iraque e a Líbia, vítimas miseráveis da sua agressão, e a Síria, que não respondeu imediatamente mesmo depois de ser atacada”, disse um porta-voz do Estado Maior do Exército Popular do Povo, citado pela agência de notícias daquela país.
De facto, a administração Trump tem consciência de que a Coreia do Norte não é o Iraque, a Síria ou a Líbia, razão pela qual, independentemente da demonstração de força, um ataque contra a Coreia do Norte dificilmente se transformará num jogo de soma zero, em que um ganha e o outro necessariamente perde.
Embora “as duas coreias” estejam ainda tecnicamente em guerra, porque o armistício de 1953 nunca deu lugar à assinatura de acordo de paz, na verdade não há razões para acreditar numa acção armada, nem da Coreia do Norte, nem dos Estados Unidos. Especialistas alegam que a Coreia do Norte dificilmente vai iniciar uma guerra porque, além de ser grande o instinto de sobrevivência daquele Estado, percebem as consequências de um eventual passo nesse sentido.
A Coreia do Sul e o Japão, dois países que teriam definitivamente uma palavra a dizer num eventual ataque norte-americano, não estão interessados numa acção militar, salvo em auto-defesa, porque avaliam correctamente os riscos.
Os danos são de longe maiores que qualquer benefício de uma acção militar contra a Coreia do Norte, razão pela qual o programa elaborado pelo Pentágono e entregue à Casa Branca parece dar mais ênfase a outras opções, como as sanções, sabotagens com guerra cibernética e infiltração de agentes e, eventualmente, um atentado contra o líder.
Em todo o caso e para fazer jus à Carta da ONU, que privilegia a resolução pacífica dos conflitos, era bom que Donald Trump cumprisse com parte do que prometeu durante a campanha eleitoral quando defendeu que não teria qualquer problema em falar directamente com o líder norte-coreano. Da mesma maneira como os americanos retiraram as armas nucleares que tinham estacionado na península coreana há cerca de 20 anos, presume-se que à medida que sejam reduzidas as ameaças, as sanções a favor de negociações para a desnuclearização da península coreana, algum efeito pode ocorrer.
Tudo quanto a Coreia do Norte precisa é de obter garantias de que as conversações directas podiam assegurar um possível compromisso e pacto de não agressão entre as duas partes.