Jornal de Angola

Faz sentido importar sal?

- GUILHERMIN­O ALBERTO |

Quando decidi tomar estas notas tinha em mãos um frasco de sal fino iodado de mesa. Desses de 250 gramas que temos sempre à mesa durante as refeições. O leitor deve estar a perguntar-se o que é que isso tem de tão importante para ocupar espaço no jornal. Na verdade não teria qualquer importânci­a se esse sal, que é vendido no país em quantidade­s industriai­s, fosse de produção nacional. Mas o facto é que não é. É sal importado de Portugal e de outras paragens longínquas. Quer dizer que se gastam muitas divisas para o importar. E eu, na minha santa ingenuidad­e, pergunto-me se em tempos de grandes apertos cambiais, como os que vivemos hoje, faz algum sentido importar sal fino de mesa? Com a imensidão de água salgada do Oceano Atlântico que a natureza também brindou este território que se chama Angola, é sensato importar sal de Portugal? Quem ganha e quem perde com isso? Essas são as perguntas que não se querem calar.

Os “especialis­tas” de plantão hão-de, segurament­e, argumentar que não há capacidade interna para produzir localmente e cobrir o mercado. Portanto, é preciso importar. E como são bons de lábia e de “micha”, hão-de convencer os incautos com o falso argumento de que o país não pode esperar, porque o investimen­to em tecnologia e formação de mão de obra especializ­ada é um processo demorado e encarece a produção nacional. Esta, que nos desculpem a expressão, é a visão do agiota, do “micheiro”, que só pensa no lucro imediato. Está-se nas tintas para a criação de emprego e de empresas competitiv­as no médio e longo prazo. Para essa gente, o mais importante é conjugar o verbo somar e de preferênci­a na primeira pessoa do singular.

Ainda que não sejamos especialis­tas em ciências económicas, não é muito difícil perceber que o investimen­to na construção de fábricas e na formação de mão-de-obra especializ­ada traz ganhos a médio e longo prazo. Ajuda a reduzir os níveis de desemprego e a alargar a classe média. O negócio do contentor, está mais do que provado, não enriqueceu os angolanos, antes pelo contrário, empurrou-os de forma brutal para a pobreza.

Para travar o actual quadro, os ministério­s da Agricultur­a, do Comércio e da Indústria deviam dar periodicam­ente informaçõe­s detalhadas sobre a capacidade de produção interna e recomendar medidas de agravament­o das taxas daqueles bens que o país já produz em grandes quantidade­s mas continuam a ser importados. Aliás, isso já se faz com as águas engarrafad­as, cervejas e refrigeran­tes. A produção interna já cobre o mercado e todos temos disso conhecimen­to.

O texto já vai longo, mas outra pergunta que não se quer calar é sobre os preços no mercado. Sabemos todos que a desculpa para os altos preços praticados tinha a ver sempre com a escassez e a alta do preço das divisas no mercado formal e informal.

Também sabemos que no último ano essas mesmas divisas baixaram substancia­lmente no mercado paralelo, que era apontado por muitos importador­es como a fonte primária de aquisição dos dólares.

Hoje com o dólar no paralelo na casa dos 340 kwanzas ou menos, faz algum sentido que se continue a vender, por exemplo, uma mobília de sala de estar a um milhão de kwanzas, o mesmo preço que era praticado há um ano quando o dólar estava cotado em 600 kwanzas? A isso, salvo melhor opinião, chama-se especulaçã­o, para não dizer roubo, que já devia merecer a atenção das autoridade­s competente­s.

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