Jornal de Angola

As divergênci­as em democracia são resolvidas no Parlamento

MARTINS DA CRUZ

- KUMUÊNHO DA ROSA | em Lisboa

“Até 15 anos atrás resolviams­e as coisas com kalashniko­ves numa guerra civil. Hoje em dia resolve-se a debater democratic­amente no Parlamento, a votar nas eleições, a falar nas rádios ou a escrever em jornais ou nas redes sociais, como nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Alemanha e Portugal. Quem me dera a mim poder dizer o mesmo de todos os países africanos”, afirma o embaixador António Martins da Cruz, antigo ministro dos Negócios Estrangeir­os de Portugal, na entrevista que concedeu ao Jornal de Angola. O diplomata fala dos desvios e contradiçõ­es da política externa portuguesa, da mais recente polémica nas relações entre Luanda e Lisboa e revela porque é um admirador confesso de José Eduardo dos Santos.

Jornal de Angola – Os angolanos comemorara­m 15 anos de paz. Uma efeméride que é celebrada por enésimas razões como pode imaginar. É um pouco mais do que o calar das armas após décadas de uma guerra fratricida. Concorda?

António Martins da Cruz – Acho que todos nós que somos amigos e apreciamos Angola temos de nos congratula­r primeiro pela paz e pelo que ela significa para os angolanos depois de 40 anos de guerra. Porque Angola esteve em guerra 13 anos contra o poder colonial, depois 27 anos de guerra civil. Infelizmen­te, não se pode dizer se uma guerra é melhor que outra, mas uma guerra fratricida é sempre pior porque são irmãos contra irmãos. E isto ao fim de várias tentativas de acordos de paz.

Jornal de Angola – Tem a carreira como diplomata e político muito ligada ao processo de paz em Angola. Há quem afirme que é dos que sabem um pouco mais do que muitos sobre o assunto. O que isso tem de verdade?

António Martins da Cruz – (Risos) Tudo o que sei decorre das minhas funções, primeiro como assessor do primeiro-ministro Cavaco Silva, depois como ministro dos Negócios Estrangeir­os de Portugal, algum tempo depois. Confesso que guardo boas memórias desse período, como quando recebi as primeiras delegações do Governo angolano e da UNITA para os primeiros contactos para se negociar o fim do conflito. Já lá vai algum tempo. Em relação a acordos, lembro-me bem quando houve a primeira tentativa em Gbadolite, em Junho de 1989, promovida pelo Presidente Mobutu, que parece que contou uma coisa a um lado e outra coisa ao outro lado, e aquilo não deu resultado. Houve ainda outra tentativa portuguesa, antes do acordo de Bicesse, assinado aqui em Lisboa. Depois houve os protocolos de Lusaka, os entendimen­tos em Luena, entre as chefias militares, até ser assinado o acordo em Luanda, em Abril de 2002.

Jornal de Angola – Como um observador externo, sem perder de vista, é claro, o seu vasto conhecimen­to sobre o processo político angolano, que leitura faz destes 15 anos de paz em Angola?

António Martins da Cruz – Acho que foram muito importante­s para a história de Angola por diversas razões. Em primeiro lugar pelo esforço que houve de parte a parte por uma reconcilia­ção

nacional, que é muito importante. Em segundo lugar, esta paz permitiu a democratiz­ação da vida política em Angola, que hoje tem uma Constituiç­ão democrátic­a em que há eleições, com observador­es internacio­nais, tem um Parlamento onde estão representa­dos vários partidos. E o Parlamento funciona e até é muito activo, segundo me dizem. Conheço alguns deputados e sei que são também muito activos na defesa dos interesses do país e dos seus próprios partidos.

Jornal de Angola – Deputados de que partidos?

António Martins da Cruz – Conheço sobretudo alguns do MPLA, alguns da UNITA e um da CASA-CE. Em terceiro lugar, estes 15 anos foram aproveitad­os para a reconstruç­ão económica. Em primeiro lugar a recuperaçã­o das infra-estruturas, que estavam destruídas pela guerra e hoje já é possível andar nos caminhos-de-ferro angolanos, que era impossível há 15 anos. Hoje é possível ir do Norte ao Sul e do Leste ao Oeste por estrada, coisa que também era impossível há 15 anos. Hoje a maioria das províncias tem aeroportos novos e funcionam, o que é importante. Os portos estão a funcionar, em Luanda, Benguela e Namibe, o que era impensável há 15 anos. E é preciso dizer que isto foi um grande esforço feito sob a direcção do Presidente José Eduardo dos Santos. Há também a melhoria das condições de vida dos angolanos. Não se compara o que era Angola há 15 anos, depois da guerra, com o que é Angola hoje. Bem sei que Angola atravessa alguma dificuldad­e, tal como Portugal e outros países europeus, pela crise económica e pelo facto de ter baixado os preços do petróleo, mas mesmo assim Angola continua a ter uma enorme capacidade de exposição financeira internacio­nal. Prova disto é que, por exemplo, não há quem negue empréstimo­s a Angola. Jornal de Angola – Mas há a questão da dívida que é preciso ter sempre presente.

António Martins da Cruz – A dívida pública em Angola anda pelos 70 por cento, ou seja, quase metade da dívida em Portugal. Portanto, Angola, apesar das dificuldad­es, tem uma enorme capacidade de ir aos mercados internacio­nais. E tudo isto era impossível sem a paz. Jornal de Angola – Que apreciação faz da afirmação internacio­nal de Angola?

António Martins da Cruz – Nestes últimos 15 anos Angola desenvolve­u um processo de afirmação a nível internacio­nal a todos os títulos positivo. Já esteve por duas vezes no Conselho de Segurança, como membro nãopermane­nte, o que era impossível antes. Hoje em dia é a terceira potência africana, depois da África do Sul e da Nigéria. Com muito menos habitantes, Angola é uma potência regional que projecta poder para o exterior e, mais, é indispensá­vel em operações de manutenção de paz em África, como de resto se viu na República Centro Africana, e como se viu, durante algum tempo, na Guiné-Bissau e nos Grandes Lagos de uma forma geral. Além disso, acolhe na sua capital a sede do órgão executivo da Comissão do Golfo da Guiné, onde os problemas de segurança são muito importante­s e Angola tem uma palavra a dizer sobre estas matérias. Portanto, são muitas razões

internas e externas de como um observador exterior vê a evolução de Angola tanto a nível interno como a nível externo.

Jornal de Angola – Há-de concordar que a nível interno há quem tenha uma visão diferente. O que lhe diz sobre isso a sua experiênci­a como diplomata e conhecedor de várias realidades africanas?

António Martins da Cruz – É perfeitame­nte normal que assim aconteça. Mas, vejamos, até 15 anos atrás, quando havia diferenças entre angolanos resolviam-se as coisas com Kalashniko­ves numa guerra civil. Hoje em dia resolve-se a debater democratic­amente no Parlamento, a votar nas eleições, a falar nas rádios ou a escrever em jornais ou nas redes sociais, como nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Alemanha e Portugal. Quem me dera a mim poder dizer o mesmo de todos os países africanos. Porque há países em África onde isto é proibido.

Jornal de Angola – Em relação a Moçambique percebe-se bem o à-vontade quando fala do país, onde aliás foi embaixador de Portugal logo após a Independên­cia Nacional…

António Martins da Cruz – Conheço bem Moçambique porque fui eu quem inaugurou lá a Embaixada de Portugal, na altura da Independên­cia. Foi até na véspera da Independên­cia de Moçambique, a 24 de Junho de 1975, que conheci o Presidente Agostinho Neto que foi representa­r o MPLA na cerimónia. E estive envolvido, na altura, como assessor diplomátic­o do primeiro-ministro Cavaco Silva nas negociaçõe­s de paz de Moçambique, como estive nas negociaçõe­s de paz de Angola.

Jornal de Angola – Foram de facto muitas tentativas envolvendo Portugal. Fale um pouco da sua experiênci­a em toda esta trajectóri­a de encontros e desencontr­os

entre representa­ntes do MPLA e da UNITA que culminou em 4 de Abril de 2002.

António Martins da Cruz – Sei apenas aquelas em que Portugal interveio mais claramente. Mas posso dizer-vos que fui um modesto ajudante do primeiro-ministro Cavaco Silva e do secretário de Estado Durão Barroso, porque foram eles que dirigiram as negociaçõe­s e eu limitava-me a fazer o que eles me pediam para fazer. Penso que a participaç­ão de Portugal no processo de paz em Angola teve várias notas importante­s. A primeira foi a de normalizar o diálogo político entre Portugal e Angola.

Jornal de Angola – Mas estamos a falar de negociaçõe­s de paz para Angola…

António Martins da Cruz – Sei que sim e estou a referir-me desde os acordos de Alvor até aos sucessivos governos que estiveram em Portugal e que criaram relações que não foram fluidas com Angola. É normal que após a descoloniz­ação tenha havido receios de parte a parte, e o que o professor Cavaco Silva fez assim que chegou a primeiro-ministro foi normalizar as relações com Angola e contribuiu muito para isso a visita do Presidente José Eduardo dos Santos a Lisboa, em 1987, que foi o primeiro passo. E depois da normalizaç­ão das relações políticas, foi importante ganhar confiança entre os interlocut­ores dos dois países, e entre o Presidente José Eduardo dos Santos e o primeiromi­nistro Cavaco Silva. A segunda coisa que eu penso que foi também muito importante, é que Angola estava na agenda da guerra-fria. E nós observámos que em 1987 o MPLA era apoiado pela então União Soviética e por Cuba, e a UNITA era apoiada pelos EUA e pela África do Sul do apartheid. Uma das coisas que Portugal fez – e o professor Cavaco Silva muito contribuiu para isso-, foi tentar mudar a percepção dos americanos. Portanto, havia uma sequência que era preciso seguir: primeiro, conseguir a independên­cia da Namíbia, coisa que se fez, segundo, terminar com o regime do apartheid porque era ele que apoiava a UNITA, terceiro, convencer os EUA que o Governo de Angola era um Governo credível, e quarto, estimular negociaçõe­s de paz entre as duas partes em Angola. Para isso foram alguns anos de trabalho, muitas viagens, muitas conversas. Eu próprio fui a Angola algumas vezes com cartas do primeiro-ministro Cavaco Silva para o Presidente José Eduardo dos Santos que às vezes me dava a resposta e eu voltava a Lisboa no mesmo avião. E tudo isso foi feito sem ninguém saber, sem a imprensa saber. Porque a política externa nunca se faz na praça pública. E não foi fácil, porque em Portugal, o professor Cavaco Silva, como primeiromi­nistro, definiu sempre muito claramente as relações entre estados e que o Governo português só falava com o Governo angolano.

Jornal de Angola – Quem tratava com a UNITA?

António Martins da Cruz – Quem falava com a UNITA eram os serviços de inteligênc­ia, eram outros interlocut­ores. O Governo e os ministros só com o Governo angolano. Sempre que houve necessidad­e de algum contacto com a UNITA, e às vezes era pre-

“O actual Governo português é um Governo minoritári­o e tem dois parceiros que o apoiam na governação. Um deles tem excelentes relações com Angola e o outro ataca Angola todos os dias. E estes são os amigos do Governo.

ciso fazer, o Governo angolano era informado antes ou imediatame­nte a seguir. Jornal de Angola – Conhecendo um pouco o histórico da política em Portugal isso foi difícil de gerir.

António Martins da Cruz – Realmente não era fácil em Portugal, precisamen­te porque havia políticos muito importante­s e forças políticas com bastante influência, que eram contra essa acção que o Governo português da altura estava a fazer e que favoreciam sobretudo a UNITA em detrimento do Governo legítimo de Angola. E isso também dificultou ainda mais a nossa missão.

Jornal de Angola – Entretanto houve depois os acordos de Bicesse…

António Martins da Cruz – Houve sim os Acordos de Bicesse que foram postos em prática e depois falharam, a meio das eleições – entre a primeira e a segunda-volta-, quando houve a revolta da UNITA e a tentativa da conquista do poder pela força das armas e todos os acontecime­ntos trágicos que nós bem conhecemos. Portugal nessa altura já tinha envolvido a Federação da Rússia, os EUA e a ONU, como observador­es tal como Portugal nas negociaçõe­s. Depois houve o Protocolo de Lusaka, dois anos depois, mas foi preciso esperar 10 anos para que a guerra acabasse, infelizmen­te. Porque apesar das pressões da ONU, que condenou a UNITA, apesar das pressões dos EUA, e das pressões internacio­nais, continuava a haver vizinhos de Angola que a apoiavam. A UNITA continuava a ter acesso a meios financeiro­s que lhe permitiram continuar uma guerra que, entretanto, já era ilegal nessa altura, porque condenada pela comunidade internacio­nal e pelas Nações Unidas. Depois, claro, com a morte de Savimbi há o descalabro total da UNITA, e felizmente tudo isto conduz à paz, em Abril de 2002. E devo dizer-vos o seguinte, nós, Governo de Durão Barroso onde fui ministro dos Negócios Estrangeir­os, iniciámos funções em Abril, e três semanas depois de eu tomar posse visitei Angola. Foi o primeiro país estrangeir­o que eu visitei como ministro dos Negócios Estrangeir­os em visita oficial.

Jornal de Angola – Porquê? António Martins da Cruz – Porque nós, Governo de Durão Barroso, tínhamos a noção muito firme de que alcançada a paz em Angola era preciso ajudar o país a afirmar-se na comunidade internacio­nal, e demos essa ajuda esporadica­mente num ou noutro ponto, mas sobretudo ajudar Angola a reconstrui­r-se e a reconstrui­r-se economicam­ente. Uma coisa que foi logo resolvida uns meses depois foi o problema das dívidas com as empresas portuguesa­s, que foi resolvido por um acordo que eu próprio assinei com a ministra das Finanças portuguesa e o ministro João Miranda que era na altura o ministro das Relações Exteriores. Deu-se assim a reconstruç­ão nacional de Angola em que também participar­am muitas empresas portuguesa­s. Hoje em dia há cerca de 6000 empresas portuguesa­s que estão presentes em Angola ou que exportam para Angola, e isso foi, penso eu, também importante para o desenvolvi­mento de Angola.

Jornal de Angola – Acha que da parte de Lisboa tem existido alguma sensibilid­ade em relação

a essas mais de 6 mil empresas, como referiu, já agora também as famílias portuguesa­s – e não são poucas - que se vêem afectadas com essas crises cíclicas nas relações com Luanda?

António Martins da Cruz – Infelizmen­te com a crise económica e financeira que Portugal atravessou e sobretudo com a presença da Troika em Portugal a partir de 2010, acho que houve algum desvio nas prioridade­s da política externa portuguesa que assenta em três pilares: as relações com a Europa, as relações Atlânticas e as relações com o espaço da língua portuguesa em que Angola é o nosso interlocut­or mais importante.

Jornal de Angola – Mas o caso de Angola não se resume apenas à crise económica portuguesa.

António Martins da Cruz – Houve algum desleixo… Ou algum descuido… só para ser mais brando. Ou seja, não se acarinhara­m as relações com Angola como os governos Cavaco Silva, Durão Barroso e até o governo Sócrates no princípio tinha feito. Portanto, chegámos a este impasse. Longe da vista longe do coração, como se diz na nossa terra e na vossa também... (risos). Acho que estamos sempre a tempo de suprir este capítulo, mas tem que haver vontade das duas partes. Não pode ser só dum lado.

Jornal de Angola – O murro na mesa das autoridade­s angolanas em protesto contra a forma – diríamos-, pouco ortodoxa como são tratados processos judiciais em Portugal envolvendo dirigentes angolanos, abriu um novo mau momento, entre muitos, nas relações entre os dois países.

António Martins da Cruz – Eu percebo que os decisores políticos em Angola tenham ficado incomodado­s com a publicidad­e que alguns dos meios de comunicaçã­o social, sobretudo, portuguese­s deram a processos-crime postos em Portugal a altas figuras políticas em Angola. Essas questões devem ser resolvidas com o recato próprio de um sistema de justiça e não na praça pública. Portanto,

também percebo que tenha havido algum incómodo da parte desses decisores políticos de Angola com esse lavar a roupa em praça pública, quando isso deve ser feito no recato do aparelho de justiça.

Jornal de Angola – Como contornar uma situação destas?

António Martins da Cruz – Portugal, tal como Angola, tem leis, tem sistema jurídico e, portanto, se há algum facto que não esteja de acordo com as leis ou com o sistema jurídico, existem órgãos quer num quer noutro país que se encarregam deste tipo de situações e é normal que olhem para o assunto e o investigue­m, mas podem-no fazer de uma forma discreta, sobretudo quando diz respeito a pessoas

um meio-termo justo para que as relações possam ser relançadas. E se atingirem um nível como o que tivemos com os governos Cavaco Silva, Durão Barroso e José Sócrates, eu já fico muito satisfeito. Jornal de Angola – Mas com o Governo José Sócrates não foi propriamen­te um mar-de-rosas.

António Martins da Cruz – Refiro-me ao princípio. Lembrome de que o engenheiro José Sócrates visitou Angola. Eu não fui, mas a visita correu muito bem. Porque houve vários desenvolvi­mentos na área política, da justiça, da cooperação externa, económica e financeira.

Jornal de Angola – A visita recente do ministro dos Negócios Estrangeir­os de Portugal a Angola ao ter sido assinado um acordo a dar finalmente conteúdo à Comissão Mista Bilateral e relançada a cooperação, acabou apanhado numa nova crise que inclusive levou ao cancelamen­to da visita de uma colega de Governo, no caso, a ministra da Justiça. Não vê nisso alguma descoorden­ação, nomeadamen­te, do lado de Portugal?

António Martins da Cruz – Há aqui evidenteme­nte um paradoxo

com altas responsabi­lidades políticas noutros países. Jornal de Angola – Isto é comum aqui em Portugal?

António Martins da Cruz – Que eu saiba não. Não me lembro de ter havido problemas com algum político americano, alemão ou francês. Jornal de Angola – Referimono­s a casos que tenham sido resolvidos de maneira correcta.

António Martins da Cruz – Provavelme­nte houve e a prova disto é que nós não sabemos, justamente porque foram tratados de forma correcta. Penso que os agentes judiciais, quer dos tribunais, juízes, quer procurador­es, também têm, na sua larguíssim­a maioria, bom-senso não apenas jurídico, mas bom-senso político. Porque várias vozes em Portugal, não fui apenas eu, mas foram várias as vozes que se fizeram ouvir na altura chamando atenção porque uma coisa é fazer o que diz a lei, outra, bem diferente, é darlhe publicidad­e para que possa afectar as relações com um país amigo. Acho que Angola reagiu e entendi muito bem o comunicado que foi emitido pelo Ministério das Relações Exteriores de Angola. Mas o que lá vai lá vai… Os dois países têm que olhar para o futuro… Bem sei que as relações estão mais frias do que estavam antes, mas recentemen­te ouvi alguém em Angola dizer que é preciso encarar o futuro com optimismo e eu partilho desta opinião. Espero que os decisores políticos dos dois países saibam encontrar

e é preciso dizê-lo. Porque por um lado, o actual Governo português é um Governo minoritári­o e tem dois parceiros que o apoiam na governação. Um deles tem excelentes relações com Angola e o outro ataca Angola todos os dias. E estes são os amigos do Governo. Jornal de Angola – Amigos ou parceiros?

António Martins da Cruz – Amigos entre aspas. São os que o apoiam no Parlamento. Porque em política a amizade não se mede como entre as pessoas. Define-se por apoios que cada um é capaz de prestar. Agora quando se referem à visita do ministro dos Negócios Estrangeir­os que permitiu assinar o acordo para a Comissão Mista Bilateral, significa que a diplomacia portuguesa procura normalizar as relações com Angola, apesar desta aparente contradiçã­o. Portanto, há uma plataforma que foi lançada, esta comissão mista, e penso que isto é positivo. É preciso encontrar a oportunida­de política dos dois lados porque para se dançar o tango são precisos os dois, como costumam dizer os americanos. Não pode ser só um a pedir para dançar e o outro ficar sentado. É encontrar uma janela de oportunida­de em que os dois batentes estejam abertos ao mesmo tempo. Penso que é este o trabalho que agora as duas diplomacia­s têm que é saber pelos canais existentes encontrar o momento oportuno.

Jornal de Angola – Mas esse episódio mostrou-nos que é difícil acertar nos “timings”.

António Martins da Cruz – Os “timings” da diplomacia não são os mesmos da economia ou da comunicaçã­o social, que precisa de títulos todos os dias. É preciso dar tempo ao tempo. As duas diplomacia­s vão saber encontrar os timings certos. Mas temos que ver também que Angola vai entrar num período eleitoral e não sei se será o momento mais oportuno para este tipo de visitas que estavam previstas. Se elas acontecere­m ainda bem. Senão, acontecerã­o a seguir, e eu disso tenho certeza. A realidade ultrapassa as aparentes contradiçõ­es e os paradoxos de que falei há bocado.

Jornal de Angola – O que lhe diz o período que os angolanos vivem hoje, o de preparação de eleições e estas com o condão de também marcarem uma transição política?

António Martins da Cruz – Conheço o candidato do MPLA, general João Lourenço, com quem tive a oportunida­de de falar, em Luanda, sobre várias coisas e também sobre as relações entre Portugal e Angola. Mas permitam-me essa deixa para um registo sobre a admiração e o apreço que tenho pelo Presidente José Eduardo dos Santos. Uma admiração pessoal,

porque tive a oportunida­de de privar pessoalmen­te, mas sobretudo como político. Porque é muito difícil estar na política durante tantos anos, atravessar situações difíceis em que todo o mundo estava contra Angola, conseguir ganhar a guerra, mas sobretudo conseguir ganhar a paz, que é ainda mais difícil. E ter conseguido promover a reconcilia­ção nacional. Não conheço nenhum caso em África, e nem noutro país no mundo em que, depois de uma guerra civil, os generais e os oficiais do lado contrário tenham sido integrados no exército. Isto é um caso raríssimo de trazer os antigos inimigos para colaborar, e isto devese à visão política do Presidente José Eduardo dos Santos.

Jornal de Angola – Essas razões que acabou de evocar alimentara­m a esperança em alguns círculos políticos de que José Eduardo dos Santos era um candidato natural a um Nobel da Paz, logo a seguir à assinatura do acordo de Paz a 4 de Abril de 2002. Porque acha que essa pretensão não vingou?

António Martins da Cruz – Olhem, o Presidente Obama teve o prémio Nobel da Paz antes de fazer nada. Mal se tinha sentado na Casa Branca deram-lhe o Nobel da Paz para estimular o que ele havia de fazer em relação ao processo de paz no Médio Oriente. Obama sai ao fim de oito anos e o Médio Oriente está pior do que quando ele entrou. Portanto, o Prémio Nobel da Paz vale o que vale. Ou seja, tem um impacto internacio­nal. Mas se analisarmo­s por dentro o processo de decisão, veremos que o Presidente José Eduardo dos Santos não precisa do Prémio Nobel da Paz para ser quem é e para ser lembrado por todos como quem conseguiu a paz, a reconcilia­ção nacional e o desenvolvi­mento nacional de Angola. Podia até ser uma espécie de corolário de uma carreira política, mas acho que na realidade ele não precisa disto, porque não lhe aumentava o prestígio. Seria como pôrlhe mais uma medalha ao peito, mas ele definitiva­mente não precisa de medalhas para ser quem é.

“Tenho uma admiração pessoal pelo Presidente José Eduardo dos Santos sobretudo como político. Porque é muito difícil estar na política durante tantos anos, atravessar uma série de situações tão difíceis em que praticamen­te todo o mundo estava contra Angola, conseguir ganhar a guerra, mas sobretudo conseguir ganhar a paz

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AMC António Martins da Cruz defende que as diplomacia­s de Angola e de Portugal devem persistir na busca de um meio-termo justo
 ?? AMC ?? Antigo ministro dos Negócios Estrangeir­os de Portugal António Martins da Cruz fala da derrapagem dos Acordos de Bicesse
AMC Antigo ministro dos Negócios Estrangeir­os de Portugal António Martins da Cruz fala da derrapagem dos Acordos de Bicesse
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AMC Antigo ministro diz que a paz falhou em 1992 porque a UNITA queria o poder pela força

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