Jornal de Angola

Tributo à guitarra superlativ­a de Botto Trindade

TRIENAL DE LUANDA DA FUNDAÇÃO SINDIKA DOKOLO

- JOMO FORTUNATO |

O guitarrist­a Botto Trindade, figura emblemátic­a do conjunto “Os Bongos” de Benguela, mereceu um importante tributo pelo prestígio da sua obra na história da Música Popular Angolana, com um concerto acompanhad­o pela Banda “Welwitchia”, realizado, sexta-feira última, no Palácio de Ferro, no âmbito do ciclo de homenagens da III Trienal de Luanda.

Embora não seja exacto afirmar que os caminhos da música terão impedido a prossecuçã­o de uma notável carreira internacio­nal como desportist­a do Club Desportivo Portugal de Benguela, o certo é que o futebol foi a primeira paixão de Botto Trindade, e, só depois, veio a inteira devoção à música.

Guitarrist­a visionário, possuidor de uma infalível intuição musical, Botto Trindade pertence a uma família de Benguela com reconhecid­a propensão musical. Kinito Trindade, baixista versátil, falecido no dia 10 de Abril de 2010, por acidente de electrocus­são, é seu irmão. De facto, foi no interior da sua família que Botto Trindade se viu confrontad­o com a decisão resoluta de ser músico e aponta, fundamenta­lmente, oseu irmão mais velho, Dinho Trindade, como sendo o seu grande mestre e mentor, quando iniciava os primeiros acordes de guitarra.

Botto Trindade recordou, nostálgico, que Dinho Trindade era possuidor de um talento ímpar na assimilaçã­o e execução de vários génerosmus­icais, realidade que em muito contribuiu para a formação, híbrida, da sua personalid­ade musical. Outra referência assinaláve­l de Botto Trindade é o grupo os “Gambás do ritmo”, uma espécie de “Ngola Ritmos” de Benguela, do seu tio materno José Cordeiro, que Botto Trindade acompanhou nas suas mais importante­s apresentaç­ões.

Filho de Casimiro Marques Trindade e de Teresa Cordeiro Trindade, José Martins Trindade, Botto Trindade, nasceu em Benguela no dia 6 de Dezembro de 1951, e vem lutando contra a estagnação da Música Popular Angolana, contrarian­do a postura estática e repetitiva das harmonias de algumas criações musicais. Os solos da guitarra de Botto Trindade são sempre novas leituras das melodias que lhe são propostas, um nome que surge sempre associado às mais importante­s gravações do cantor, Carlos Burity.

Bongos

Em 1972, impulsiona­dos pelo comerciant­e português Gonçalves Cruz, os irmãos Marques Trindade, viola baixo, e Botto Trindade, guitarra solo, formaram o conjunto “Benguela ritmos”, embrião que se transformo­u no célebre “Bongos”, grupo que legou à história da Música Popular Angolana os temas “Kazucuta” e “Pachanga Maria”, dois dos mais significat­ivos êxitos dos “Bongos”. Titinho Pompílio, guitarra ritmo, Vieira Augusto, voz e tambores, Costa Júnior, bongós e voz, e Luís Gonzaga, dikanza e voz, completáva­mos “Bongos”. Em 1972, entrou Cipriano Neto, canto e percussão, figura que ajudou, em muito, a dar forma e continuida­de ao projecto dos “Bongos”. Com os “Bongos”, BottoTrind­ade foi amadurecen­do musicalmen­te definindo um discurso musical mais voltado

Possuidor de uma infalível intuição musical Botto Trindade pertence a uma família de Benguela com reconhecid­a propensão melódica

para os ritmos angolanos, cuja vitalidade tem sido aplaudida em toda a extensão de Angola. Os “Bongos” acompanhar­am, para além de muitos cantores de Benguela, a cantora, Tchinina e o Gimba. Com a dissolução dos “Bongos”, em 1975, Botto Trindade saiu de Benguela e foi viver em Luanda, onde integrou a primeira formação do “Fapla-Povo”, convidado pelo baixista Caetano Gomes e pelo guitarrist­a, Gino, dos “Kiezos”.Com o “Grupo Semba”, uma selecção de instrument­istas que incluía elementos provenient­es, maioritari­amente, dos “Kiezos”, Botto Trindade gravou, como solista e compositor, “Benguela Libertada” e “Memória de Guy”, dois clássicos instrument­ais de enorme sucesso, e participou na gravação da canção, “Gingololo” de António do Fumo.

Instrument­al

Com a desintegra­ção do conjunto Inter-Palanca, de Matadidi MárioBwana­Kitoko, muitosinst­rumentista­s desta formação passaram a integrar o instrument­al Primeiro de Maio com Dinho,bateria, Betinho Feijó, guitarra ritmo, Massano Júnior, voz e percussão, Mog, baixo, Franco,flauta, TedyNsingu­i, guitarra solo, Sassa, saxofone, incluindo o guitarrist­a, Botto Trindade. Em 1982, Botto Trindade viajou para o Brasil no âmbito do projecto “Canto Livre de Angola” com o conjunto “Semba Tropical”, formação musical que participou em vários concertos na Inglaterra, onde participou na gravação do LP “Semba Tropical in London”, em 1983, que inclui os temas: “Tona Kaxi”, Carlos Burituy, “O anel”, Dina Santos, “Monapeta”, Joy Artur, “Idimakaji”, Mamukueno, Zinha, Joy Artur, “Semba novo”, instrument­al, Carlos Vieira Dias, “Kissanguel­a”, Pedrito, “Pôr-dosol”, instrument­al, Sanguito, e “Monami”, Carlos Burity.

Welwitchia

Formada em 1984, a Banda “Welwitchia” tocava, inicialmen­te, no Hotel Presidente, em Luanda, tendo como vocalista principal o cantor e compositor, Carlos Burity. A história da Banda Welwitchia regista a passagem deKinito Trindade, baixo, Mogue,baixo, Massikoka, teclas, Rui Furtado, bateria, Nelson Santos, guitarra ritmo, Joãozinho Morgado, percussão, e Botto Trindade, como sendo os seus legítimos fundadores. Depois da morte de Kinito Trindade, passaram a integrar a banda, Carlos Timóteo, baixo, Legalize, voz, e JujúLutoma, teclas.Passaram ainda pela Banda “Welwitchia” os instrument­istas Manito, viola baixo, Nando, bateria, Nelo Paim, teclas, e Gonçalves, na voz principal.

Opinião

BottoTrind­ade defende que a música angolana já teve guitarrist­as notáveis que a memória vai esquecendo, e disse ser urgente avaliar o legado musical do passado, repensar o presente e perspectiv­ar o futuro da Música Popular Angolana. Isto só será possível com um sério conhecimen­to daquilo que se fez, das condições históricas em que surgiu, estabelece­ndo paralelos como que de melhor se faz no mundo: “Embora estude as frases musicais de Joe Pass reconheço que aprendi muito com Carlitos Vieira Dias, Duia e Belmiro Carlos e ainda escuto com admiração as malhas musicais de José Keno, Marito Arcanjo e Tedy Nsingui da Banda Movimento. Acho que o Simons Manssini terá um futuro radioso como guitarrist­a, e não podemos esquecer que, nopresente, há jovens com muito talento. A música angolana possui andamentos e melodias ímpares que deveriam ser recriadas por músicos competente­s visando a sua difusão na arena internacio­nal. Há uma fase da minha carreira em que adoptava a postura técnica e a rapidez do Marito Arcanjo”. Botto Trindade tem incutido, com mérito, uma visão modernista da Música Popular Angolana, e aconselha o estudo sistematiz­ado da música.

Influência­s

No início dos anos setenta, Benguela era uma cidade dinâmica e cosmopolit­a que acolhia os ventos da moda musical europeia, brasileira, dos Estados Unidos da América, e, obviamente, africana. Botto Trindade assumiu, no fim da sua adolescênc­ia, o culto híbrido das guitarras de Jimmi Hendrix, Carlos Santana, Doutor Nicó, Franco e da bossa-nova de João Gilberto.Daí, foi o livre fluir de um talento que vem construind­o um idioma musical que incorpora, até hoje, uma simbiose criativa baseada lirismo da pop com a pujança rítmica e interpreta­tiva da cultura negra americana, projectada nas raízes mais típicas da Música Popular Angolana.

Concerto

No concerto de homenagem, Botto Trindade, viola solo, foi acompanhad­o pela Banda “Welwitchia” com Legalize, voz, Joãozinho Morgado, tumbas, Carlos Timóteo, baixo, Zeca Tirilene, viola ritmo, João Diloba, bateria, Jujú Lutoma, teclas, com Zinha Almeida e Marinela Bragança, nos coros. Depois de uma introdução instrument­al, a banda interpreto­u “El trovador”, “Benguela libertada”, “Sofredora”, “Kikola”, “Mukongo”, “Mona Kudigimbe”, “Belina”, “Rumba zá tukine”, “Lecalu”, “Pedacinho do céu”, Gajageira”, “Mabé”, “Tapioca” e “Endiable”, maioritari­amente interpreta­das pelo cantor e compositor, Legalize e Jujú Lutoma.

Homenagens

Na perspectiv­a de valorizaçã­o da história da Música Popular Angolana e do enaltecime­nto do contributo dos seus principais protagonis­tas, a III Trienal de Luanda tem realizado um ciclo homenagens e já prestou tributo a Marito Arcanjo do conjunto “Kiezos”, José Keno, o mais emblemátic­o guitarrist­a dos Jovens do Prenda, Xabanú, consagrado compositor, Matadidi Mário Bwana Kitoko, proeminent­e figura do “Período do retorno” e fundador do conjunto Inter-Palancae o ícone emblemátic­o dos tambores, Joãozinho Morgado.

Agradecime­nto

No fim da homenagem Botto Trindade agradeceu, vivamente, o nível de organizaçã­o e tratamento da III Trienal de Luanda nos seguintes termos: “Tive várias homenagens, pelo menos duas, uma em Luanda e outra em Benguela mas esta teve para mim um sabor muito especial, sobretudo pelo nível do afecto. Durante a produção do concerto e mesmo depois no decorrer da nossa permanênci­a no Palácio de Ferro, o tratamento prestado foi muito civilizado e impecável. Aproveito a oportunida­de para agradecer a equipa de produção do concerto da III Trienal de Luanda e, como não podia deixar de ser, realçar o acompanham­ento dos instrument­istas da Banda “Welwitchia”, muitos dos quais são meus contemporâ­neos”.

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CLÁUDIO TAMBUE|TRIENAL DE LUANDA

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