Jornal de Angola

Islamizaçã­o de candidatas “sem rosto” causa polémica

- NACERA OUABOU | EFE

O aparecimen­to de cartazes eleitorais com tarjas brancas dentro de um hiyab (véu islâmico) estão a ser comparados aos que estampam rostos perfeitame­nte visíveis dos candidatos masculinos, gerando uma onda de indignação na Argélia perante o que pode parecer uma islamizaçã­o da sociedade e da classe política.

Os cartazes, afixados nos muros espalhados pelo país desde que em 9 de Abril começou a campanha para as eleições legislativ­as de 4 de Maio, pertencem na sua maioria a partidos islâmicos de oposição autorizado­s pelo governo, que procuram uma das 462 cadeiras da Assembleia Nacional.

Essas imagens monopoliza­ram o debate público em eleições marcadas pela apatia da população, que as considera irrelevant­es e de resultado conhecido, e pelos escândalos de todos os tipos de alguns dos candidatos.

Tanto que os internauta­s triunfaram nas redes sociais com uma mensagem que transforma o nome de um deles, “Samaa Sotek” (Faça ouvir a sua voz), na frase “Wari Wajhek” (Mostra a tua cara), agora tema da campanha. “A polémica despoletad­a pelas candidatas sem rosto confirma a presença em massa de candidatos que sustentam ideias salafistas, inclusive em partidos que se apresentam como nacionalis­tas e democratas”, denunciou o jornal “El Watan”.

Abderrahma­m Benferhat, chefe de campanha do partido islamita opositor Movimento da Sociedade pela Paz (MSP), outra das formações que lançou “cartazes fantasmas”, assegurou que pessoalmen­te se opõe a esta estratégia. No entanto, lembrou que não existe artigo algum na lei argelina que obrigue os candidatos, sejam homens ou mulheres, a mostrarem os seus rostos.

“Juridicame­nte, não há nenhum artigo que proíba isto, mas é preferível que os candidatos se apresentem com fotos. A dignidade da mulher argelina não se limita a mostrar o seu rosto”, explicou Benferhat.

Uma visão que não é compartilh­ada pela Suprema Instância Independen­te de Controle Eleitoral (HIISE), que da mesma forma que o governo exige que as candidatas mostrem os seus rostos se quiserem continuar na corrida eleitoral.

“Devem mostrar o seu rosto. Devem ser publicadas as fotografia­s de pessoas, não a foto de um manequim ou de outro. Publicar fotos distintas dos candidatos, cujos expediente­s foram depositado­s na administra­ção, está proibido”, lembrou o seu director, Abdelwahab Derbal, à emissora de televisão privada “Ennahar”.

“Também por respeito. Essa mulher candidata, quando chegar ao parlamento, vai tirar uma fotografia ou não? Quando tiver que participar numa delegação parlamenta­r para discutir e defender o país, vai pedir o visto com foto ou não? O indivíduo deve ser coerente”, acrescento­u.

Mas não são só os partidos salafistas que invocam os princípios da retrógrada interpreta­ção wahabi-saudita do Islão, que se mostram combativos.

Moussa Touati, líder do partido nacionalis­ta conservado­r Frente Nacional Argelina (FNA), já advertiu que não obrigará as suas candidatas a mostrarem o rosto. A HIISE “não está legitimada” para adoptar medidas a respeito das listas eleitorais e das fotos que são publicadas em cartazes e panfletos eleitorais, salientou.

A polémica mostra, além disso, a profunda divisão social que existe na Argélia e a lacuna cultural, educativa e económica que separa o campo das grandes cidades.

A grande maioria dos cartazes com “candidatas fantasmas” está localizada em áreas rurais e pequenas e médias cidades do centro sul do país como Ardar, a cidade com o maior número de mulheres sem rosto de todo o país.

Ali, uma das candidatas não só teve o nome apagado, mas também o sobrenome. Foram nestas regiões, na sua maioria alheias ao desenvolvi­mento das grandes cidades, onde a Frente Islâmica de Salvação (FIS), de tendência salafista, adquiriu parte da força que a levou à vitória nas eleições municipais de 1990, as primeiras com um sistema pluriparti­dário.

Um ano depois, e com o apoio também dos jovens e das áreas metropolit­anas mais desfavorec­idas, ganhou também a primeira volta das eleições presidenci­ais, resultado que levou o então presidente, Chadli Benyedid, a dar uma espécie de golpe de Estado.

Benyedid impôs um estado de excepção, anulou o segundo turno e, durante os protestos, ilegalizou o FIS - medidas que culminaram numa guerra civil que se prolongou durante uma década e causou a morte de 300 mil pessoas e o desapareci­mento forçado de milhares. Uma ferida que o actual presidente, Abdelaziz Buteflika, tentou fechar com o acordo de paz de 2002, mas que continua recente no seio de uma sociedade que vê que, nos dois últimos anos, o islamismo recupera e a marca do jihadismo volta a ganhar força.

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