Comunidade Khoisan pede reassentamento
Alguns membros da comunidade vivem da caça e da recolha de frutos silvestres
Doze mil membros da comunidade Khoisan clamam por uma intervenção urgente das autoridades para que possam ser reassentados em locais fixos e beneficiarem dos serviços sociais básicos que o Executivo está a colocar em toda a extensão da província do Cuando Cubango. Os Khoisan são comunidades nómadas.
Doze mil membros da comunidade Khoisan, sob controlo da Organização Não-Governamental Missão de Beneficência Agropecuária do Kubango, Inclusão, Tecnologia e Ambiente (MBAKITA), clamam por uma intervenção urgente, para que possam ser reassentadas em locais fixos e beneficiarem dos serviços sociais básicos que o Executivo angolano está a colocar em toda a extensão da província.
O responsável local da MBAKITA, Pascoal Baptistiny, disse à reportagem do Jornal de Angola que a sua organização trabalhou entre 2012 e 2014, no levantamento das zonas habitadas pelos vassequeles, designação em Nganguela, e constatou existirem membros de trinta e uma comunidades que vivem em quase toda a extensão da província, a maior parte dos quais sobrevivem apenas da caça e recolha de frutos silvestres.
No Cuando Cubango, os camussequeles, como também são conhecidos, habitam vastas áreas dos municípios de Menongue, Cuito Cuanavale, Cuangar, Calai, Dirico, Nancova, Dirico, Mavinga e Rivungo e apenas um reduzido número deste grupo étnico, usufruem dos programas do Executivo.
A integração destas comunidades, referiu, não depende apenas das Organizações Não-Governamentais, mas sim de toda a sociedade civil e sobretudo dos Governos provinciais, com base nas suas políticas de reintegração social, para que estas comunidades tenham acesso as riquezas do país.
Pascoal Baptistiny referiu que o processo de integração dos khoisan começou com a identificação das comunidades e a sua localização geográfica, com o apoio da ONG Open Society que disponibilizou 190 mil dólares americanos, mas agora, “falta o segundo passo que consiste no seu reassentamento e a oferta dos principais serviços sociais básicos e fornecimento de equipamentos agrícolas”. Acrescentou: “É necessário que os mesmos tenham acesso à segurança alimentar, educação, saúde, habitação, energia e água potável, apoio de inputs agrícolas, entre outros bens essenciais, para que desistam de uma vez por todas da vida nómada que levam para procurarem onde dormir ou o que comerem”.
Sem avançar custos da operação para o reassentamento das comunidades Sans, Pascoal Baptistiny disse que a MBAKITA constatou em 2012 e 2014, com tristeza, o modo de vida dos Khoisan durante os trabalhos de levantamento. “Levamos toda a informação a Open Society que está a trabalhar na mobilização de apoios para a reintegração dos primeiros habitantes a Sul do Sara em projectos agrícolas”, referiu.
Um dos principais objectivos desta grande operação de levantamento, que se efectuou é de ver os membros da comunidade San, em pé de igualdade com as pessoas de outras etnias, como os Bantus, e que futuramente se possa ver no Cuando Cubango um khoisan como enfermeiro, director provincial, administrador municipal, governador ou até mesmo deputados.
Pascoal Baptistiny sublinhou que a nível da região Austral, sobretudo na Namíbia, África do Sul, Zâmbia e Botswana têm deputados, ministros, médicos e pilotos khoisan. Segundo o director da Mbakita, se outros países conseguiram fazer esta integração, com algum esforço, Angola também pode atingir esta meta.
Fez saber que actualmente na província do Cuando Cubango, no que toca a profissionais ou técnicos da comunidade khoisan, existem apenas quatro professores, 20 parteiras tradicionais, dez sobas e sete que trabalham nas administrações municipais. Apontou a falta de financiamento como uma das principais dificuldades que a sua organização enfrenta para a efectivação do processo de reintegração e integração dos khoisans na sociedade.
Pascoal Baptistiny disse, que a exemplo disto, a Mbakita tem há mais de cinco anos um projecto para a construção de um centro socio-cultural para apoiar os membros da comunidade Khoisan, tendo o mesmo sido submetido à Sonangol, Unesco e ao Governo provincial, mas que até agora não há nenhum resposta em termo de ajuda financeira.
O referido centro, que vai formar camussequeles nas áreas de artes e ofícios, vai contar, também, com internato masculino e feminino, para que os formandos possam estar melhores acomodados.
Registo civil
Pascoal Baptistiny anunciou que a sua organização está a levar a cabo o projecto de registo civil gratuito que vai abranger 15.499 membros da comunidade khoisan das províncias do Cuando Cubango, Huíla, Cunene e Moxico. Este projecto, que teve o seu início em Janeiro do ano passado, tem a duração de 24 meses. O mesmo foi financiado pela Fundação Open Society no valor de 179.284 dólares americanos e engloba também um outro projecto de titulação de terras para 155 khoisans de oito comunidades dos municípios de Menongue, Cuangar, Calai e Dirico.
Para o êxito do processo de registo civil, acrescentou que a Mbakita, conta com a parceira das delegações provinciais da Justiça e dos Direitos Humanos do Cuando Cubango, Huíla, Cunene e do Moxico, que tudo têm feito para a atribuição de cédulas pessoais e de bilhete de identidade aos khoisan. “A nossa intenção é de ver toda a população San a nível do país registados e com acesso à cédula e Bilhete de Identidade, para que as crianças possam estudar e os adultos consigam um emprego, principalmente nas instituições públicas”, disse.
Pascoal Baptistiny disse que neste momento a sua organização, em parceira com as delegações provinciais da Justiça e dos Direitos Humanos do Cuando Cubango, Huíla, Cunene e do Moxico já procederam o registo de nascimento e a atribuição de Bilhete de Identidade a 1.554 membros da comunidade San.
Processo de alfabetização
Um outro projecto que a Mbakita prevê começar a desenvolver a partir do próximo mês de Maio é a alfabetização itinerante que vai beneficiar numa primeira fase 150 khoisan de quatro localidades do município de Menongue, nomeadamente nas comunas da Jamba Cueio, Ntopa, Cafita Inkama e Mucundi.
Financiado pela Conferência Episcopal Italiana (CEI) na ordem de 52.400 dólares americanos, a execução do projecto vai ter uma duração de 12 meses renováveis, tendo em vista que o mesmo vai abranger também os municípios do Cuangar, Calai, Cuito Cuanavale, Dirico, Nancova, Mavinga e Rivungo.
Pascoal Baptistiny explicou que devido o modo de vida desta população, que é ainda nómada, achouse por bem aplicar-se o processo de alfabetização itinerante, depois da formação de um alfabetizador em cada comunidade que poderá caminhar com eles e leccionar em todos os momentos que achar oportuno.
Este projecto vai contar com o apoio da Direcção Provincial da Educação, Ciência e Tecnologia do Cuando Cubango.
Pascoal Baptistiny recordou que um projecto similar de alfabetização itinerante foi desenvolvido na comunidade índia, na floresta da Amazónia, no Brasil, e o mesmo teve êxito visto que permitiu a integração desta população na sociedade.
Produção de mel
A Mbakita conseguiu ainda um outro financiamento no valor de 100 mil dólares americanos da Embaixada do Japão em Angola para a implementação a partir do próximo mês de Julho do projecto de apicultura solidária que vai beneficiar 60 khoisans directos e 300 indirectos da localidade do Jamba Cueio.
Este projecto de apicultura solidária vai ser implementado na comuna do Jamba Cueio, porque esta região tem um potencial para a produção de mel em grande escala, e que a mesma é uma localidade onde habita boa parte da população Sans, sobretudo aqueles que estão na nascente do rio Cuatir, no Bimbi, Ntopa e Mucundi.
O referido projecto, que vai ter a duração de 12 meses, com perspectiva de ser renovável, vai ter uma vertente de formação sobre os moldes de processamento, manuseamento, conservação e comercialização do mel.
Pascoal Baptistiny referiu que apesar dos povos Sans desenvolverem esta actividade desde tempos remotos, tendo em vista que cerca de 15 por cento da sua dieta alimentar depende do mel, logo é necessário que sejam instruídos ou formados, sobretudo em questões de manuseamento, higiene e conservação do produto final, antes de ser comercializado.
“Por causa disto, achamos por bem elaborar um projecto de apicultura solidária, para que eles produzam os seus próprios alimentos e possam vender o excedente para conseguirem comprar outros bens de primeira necessidade para a sua sobrevivência”, disse.
Projectos executados
Pascoal Baptistiny recordou que, a Mbakita foi constituída em 2002 e já implementou a nível da província do Cuando Cubango 16 projectos destinados a milhares de habitantes da região, com realce para membros da comunidade khoisans dos municípios de Menongue, Cuito Cuanavale, Cuangar, Calai, Dirico, Nancova, Mavinga e Rivungo.
Consta das acções desenvolvidas, o projecto comida pelo trabalho, merenda escolar para crianças deslocadas, ensino de técnicas agrícolas as associações de camponeses, fortalecimento de liderança San do Cuando Cubango, inclusão socioeconómica das minorias étnicas San, observação eleitoral 2012 e inventário do património sociocultural dos khoisan em Angola.
A Mbakita implementou ainda projectos como causa solidária agrícola, paz e democracia, stop malária, VIH/Sida e tuberculose, alvorecer para o desenvolvimento rural, assistência às vítimas da seca no Cuando Cubango, apoio às iniciativas económicas de mulheres, mesa redonda, autarquias locais, auditoria financeira e causa solidária com os refugiados.
Pascoal Baptistiny recordou que a Mbakita é uma organização da sociedade civil angolana sem fins lucrativos, fundada a 14 de Abril de 2002 com o objectivo fundamental para construir uma sociedade justa, solidária, saudável e humana. Tem ainda como propósito promover a inclusão, intervindo nos domínios do combate à malária, doenças sexualmente transmissíveis, tuberculose, garantir a segurança alimentar e nutricional, acesso ao ensino e habitabilidade, principalmente dos membros da comunidade Khoisan.
Mais apoios
O soba do Mucundi, Tomás Candele, pediu o apoio de inputs agrícolas no sentido de permitir com que os membros da sua comunidade deixem a vida nómada, para obterem frutos silvestres como o maboque para a sua sobrevivência, correndo muitas vezes o risco de ser atacada por animais ferozes.
Neste momento as comunidades khoisan a nível da província do Cuando Cubango, afirmou, enfrentam uma gritante crise de falta de alimentos, devido à estiagem que se faz sentir na região há mais de quatro anos.
Por este facto, pediram charruas de tracção animal, gado bovino, enxadas, catanas, sementes e fertilizantes, para que possam cultivar nas zonas baixas dos rios e terem sempre comida para o seu sustento e de suas famílias, assim como para a comercialização.
O soba do Ntopa, Fernando Cambinda, salientou que os membros da comunidade Khoisan nos últimos anos, têm ficado muito tempo sem apoio alimentar e por esta razão as cerca de 50 pessoas, das 80 que estavam reassentadas na sua localidade preferiram voltar para as matas por causa da fome.