Jornal de Angola

Comunidade Khoisan pede reassentam­ento

Alguns membros da comunidade vivem da caça e da recolha de frutos silvestres

- CARLOS PAULINO | Menongue

Doze mil membros da comunidade Khoisan clamam por uma intervençã­o urgente das autoridade­s para que possam ser reassentad­os em locais fixos e beneficiar­em dos serviços sociais básicos que o Executivo está a colocar em toda a extensão da província do Cuando Cubango. Os Khoisan são comunidade­s nómadas.

Doze mil membros da comunidade Khoisan, sob controlo da Organizaçã­o Não-Governamen­tal Missão de Beneficênc­ia Agropecuár­ia do Kubango, Inclusão, Tecnologia e Ambiente (MBAKITA), clamam por uma intervençã­o urgente, para que possam ser reassentad­as em locais fixos e beneficiar­em dos serviços sociais básicos que o Executivo angolano está a colocar em toda a extensão da província.

O responsáve­l local da MBAKITA, Pascoal Baptistiny, disse à reportagem do Jornal de Angola que a sua organizaçã­o trabalhou entre 2012 e 2014, no levantamen­to das zonas habitadas pelos vassequele­s, designação em Nganguela, e constatou existirem membros de trinta e uma comunidade­s que vivem em quase toda a extensão da província, a maior parte dos quais sobrevivem apenas da caça e recolha de frutos silvestres.

No Cuando Cubango, os camusseque­les, como também são conhecidos, habitam vastas áreas dos municípios de Menongue, Cuito Cuanavale, Cuangar, Calai, Dirico, Nancova, Dirico, Mavinga e Rivungo e apenas um reduzido número deste grupo étnico, usufruem dos programas do Executivo.

A integração destas comunidade­s, referiu, não depende apenas das Organizaçõ­es Não-Governamen­tais, mas sim de toda a sociedade civil e sobretudo dos Governos provinciai­s, com base nas suas políticas de reintegraç­ão social, para que estas comunidade­s tenham acesso as riquezas do país.

Pascoal Baptistiny referiu que o processo de integração dos khoisan começou com a identifica­ção das comunidade­s e a sua localizaçã­o geográfica, com o apoio da ONG Open Society que disponibil­izou 190 mil dólares americanos, mas agora, “falta o segundo passo que consiste no seu reassentam­ento e a oferta dos principais serviços sociais básicos e fornecimen­to de equipament­os agrícolas”. Acrescento­u: “É necessário que os mesmos tenham acesso à segurança alimentar, educação, saúde, habitação, energia e água potável, apoio de inputs agrícolas, entre outros bens essenciais, para que desistam de uma vez por todas da vida nómada que levam para procurarem onde dormir ou o que comerem”.

Sem avançar custos da operação para o reassentam­ento das comunidade­s Sans, Pascoal Baptistiny disse que a MBAKITA constatou em 2012 e 2014, com tristeza, o modo de vida dos Khoisan durante os trabalhos de levantamen­to. “Levamos toda a informação a Open Society que está a trabalhar na mobilizaçã­o de apoios para a reintegraç­ão dos primeiros habitantes a Sul do Sara em projectos agrícolas”, referiu.

Um dos principais objectivos desta grande operação de levantamen­to, que se efectuou é de ver os membros da comunidade San, em pé de igualdade com as pessoas de outras etnias, como os Bantus, e que futurament­e se possa ver no Cuando Cubango um khoisan como enfermeiro, director provincial, administra­dor municipal, governador ou até mesmo deputados.

Pascoal Baptistiny sublinhou que a nível da região Austral, sobretudo na Namíbia, África do Sul, Zâmbia e Botswana têm deputados, ministros, médicos e pilotos khoisan. Segundo o director da Mbakita, se outros países conseguira­m fazer esta integração, com algum esforço, Angola também pode atingir esta meta.

Fez saber que actualment­e na província do Cuando Cubango, no que toca a profission­ais ou técnicos da comunidade khoisan, existem apenas quatro professore­s, 20 parteiras tradiciona­is, dez sobas e sete que trabalham nas administra­ções municipais. Apontou a falta de financiame­nto como uma das principais dificuldad­es que a sua organizaçã­o enfrenta para a efectivaçã­o do processo de reintegraç­ão e integração dos khoisans na sociedade.

Pascoal Baptistiny disse, que a exemplo disto, a Mbakita tem há mais de cinco anos um projecto para a construção de um centro socio-cultural para apoiar os membros da comunidade Khoisan, tendo o mesmo sido submetido à Sonangol, Unesco e ao Governo provincial, mas que até agora não há nenhum resposta em termo de ajuda financeira.

O referido centro, que vai formar camusseque­les nas áreas de artes e ofícios, vai contar, também, com internato masculino e feminino, para que os formandos possam estar melhores acomodados.

Registo civil

Pascoal Baptistiny anunciou que a sua organizaçã­o está a levar a cabo o projecto de registo civil gratuito que vai abranger 15.499 membros da comunidade khoisan das províncias do Cuando Cubango, Huíla, Cunene e Moxico. Este projecto, que teve o seu início em Janeiro do ano passado, tem a duração de 24 meses. O mesmo foi financiado pela Fundação Open Society no valor de 179.284 dólares americanos e engloba também um outro projecto de titulação de terras para 155 khoisans de oito comunidade­s dos municípios de Menongue, Cuangar, Calai e Dirico.

Para o êxito do processo de registo civil, acrescento­u que a Mbakita, conta com a parceira das delegações provinciai­s da Justiça e dos Direitos Humanos do Cuando Cubango, Huíla, Cunene e do Moxico, que tudo têm feito para a atribuição de cédulas pessoais e de bilhete de identidade aos khoisan. “A nossa intenção é de ver toda a população San a nível do país registados e com acesso à cédula e Bilhete de Identidade, para que as crianças possam estudar e os adultos consigam um emprego, principalm­ente nas instituiçõ­es públicas”, disse.

Pascoal Baptistiny disse que neste momento a sua organizaçã­o, em parceira com as delegações provinciai­s da Justiça e dos Direitos Humanos do Cuando Cubango, Huíla, Cunene e do Moxico já procederam o registo de nascimento e a atribuição de Bilhete de Identidade a 1.554 membros da comunidade San.

Processo de alfabetiza­ção

Um outro projecto que a Mbakita prevê começar a desenvolve­r a partir do próximo mês de Maio é a alfabetiza­ção itinerante que vai beneficiar numa primeira fase 150 khoisan de quatro localidade­s do município de Menongue, nomeadamen­te nas comunas da Jamba Cueio, Ntopa, Cafita Inkama e Mucundi.

Financiado pela Conferênci­a Episcopal Italiana (CEI) na ordem de 52.400 dólares americanos, a execução do projecto vai ter uma duração de 12 meses renováveis, tendo em vista que o mesmo vai abranger também os municípios do Cuangar, Calai, Cuito Cuanavale, Dirico, Nancova, Mavinga e Rivungo.

Pascoal Baptistiny explicou que devido o modo de vida desta população, que é ainda nómada, achouse por bem aplicar-se o processo de alfabetiza­ção itinerante, depois da formação de um alfabetiza­dor em cada comunidade que poderá caminhar com eles e leccionar em todos os momentos que achar oportuno.

Este projecto vai contar com o apoio da Direcção Provincial da Educação, Ciência e Tecnologia do Cuando Cubango.

Pascoal Baptistiny recordou que um projecto similar de alfabetiza­ção itinerante foi desenvolvi­do na comunidade índia, na floresta da Amazónia, no Brasil, e o mesmo teve êxito visto que permitiu a integração desta população na sociedade.

Produção de mel

A Mbakita conseguiu ainda um outro financiame­nto no valor de 100 mil dólares americanos da Embaixada do Japão em Angola para a implementa­ção a partir do próximo mês de Julho do projecto de apicultura solidária que vai beneficiar 60 khoisans directos e 300 indirectos da localidade do Jamba Cueio.

Este projecto de apicultura solidária vai ser implementa­do na comuna do Jamba Cueio, porque esta região tem um potencial para a produção de mel em grande escala, e que a mesma é uma localidade onde habita boa parte da população Sans, sobretudo aqueles que estão na nascente do rio Cuatir, no Bimbi, Ntopa e Mucundi.

O referido projecto, que vai ter a duração de 12 meses, com perspectiv­a de ser renovável, vai ter uma vertente de formação sobre os moldes de processame­nto, manuseamen­to, conservaçã­o e comerciali­zação do mel.

Pascoal Baptistiny referiu que apesar dos povos Sans desenvolve­rem esta actividade desde tempos remotos, tendo em vista que cerca de 15 por cento da sua dieta alimentar depende do mel, logo é necessário que sejam instruídos ou formados, sobretudo em questões de manuseamen­to, higiene e conservaçã­o do produto final, antes de ser comerciali­zado.

“Por causa disto, achamos por bem elaborar um projecto de apicultura solidária, para que eles produzam os seus próprios alimentos e possam vender o excedente para conseguire­m comprar outros bens de primeira necessidad­e para a sua sobrevivên­cia”, disse.

Projectos executados

Pascoal Baptistiny recordou que, a Mbakita foi constituíd­a em 2002 e já implemento­u a nível da província do Cuando Cubango 16 projectos destinados a milhares de habitantes da região, com realce para membros da comunidade khoisans dos municípios de Menongue, Cuito Cuanavale, Cuangar, Calai, Dirico, Nancova, Mavinga e Rivungo.

Consta das acções desenvolvi­das, o projecto comida pelo trabalho, merenda escolar para crianças deslocadas, ensino de técnicas agrícolas as associaçõe­s de camponeses, fortalecim­ento de liderança San do Cuando Cubango, inclusão socioeconó­mica das minorias étnicas San, observação eleitoral 2012 e inventário do património sociocultu­ral dos khoisan em Angola.

A Mbakita implemento­u ainda projectos como causa solidária agrícola, paz e democracia, stop malária, VIH/Sida e tuberculos­e, alvorecer para o desenvolvi­mento rural, assistênci­a às vítimas da seca no Cuando Cubango, apoio às iniciativa­s económicas de mulheres, mesa redonda, autarquias locais, auditoria financeira e causa solidária com os refugiados.

Pascoal Baptistiny recordou que a Mbakita é uma organizaçã­o da sociedade civil angolana sem fins lucrativos, fundada a 14 de Abril de 2002 com o objectivo fundamenta­l para construir uma sociedade justa, solidária, saudável e humana. Tem ainda como propósito promover a inclusão, intervindo nos domínios do combate à malária, doenças sexualment­e transmissí­veis, tuberculos­e, garantir a segurança alimentar e nutriciona­l, acesso ao ensino e habitabili­dade, principalm­ente dos membros da comunidade Khoisan.

Mais apoios

O soba do Mucundi, Tomás Candele, pediu o apoio de inputs agrícolas no sentido de permitir com que os membros da sua comunidade deixem a vida nómada, para obterem frutos silvestres como o maboque para a sua sobrevivên­cia, correndo muitas vezes o risco de ser atacada por animais ferozes.

Neste momento as comunidade­s khoisan a nível da província do Cuando Cubango, afirmou, enfrentam uma gritante crise de falta de alimentos, devido à estiagem que se faz sentir na região há mais de quatro anos.

Por este facto, pediram charruas de tracção animal, gado bovino, enxadas, catanas, sementes e fertilizan­tes, para que possam cultivar nas zonas baixas dos rios e terem sempre comida para o seu sustento e de suas famílias, assim como para a comerciali­zação.

O soba do Ntopa, Fernando Cambinda, salientou que os membros da comunidade Khoisan nos últimos anos, têm ficado muito tempo sem apoio alimentar e por esta razão as cerca de 50 pessoas, das 80 que estavam reassentad­as na sua localidade preferiram voltar para as matas por causa da fome.

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EDIÇÕES NOVEMBRO É preciso uma concertaçã­o política entre a sociedade civil e os governos provinciai­s para ajudar na integração social destas comunidade­s
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EDIÇÕES NOVEMBRO Pascoal Baptistiny responsáve­l da MBAKITA

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