Jornal de Angola

Persiste o braço de ferro entre o poder e a oposição

- FAUSTINO HENRIQUE |

Depois do impasse em que resvalou a nomeação do primeiromi­nistro na República Democrátic­a do Congo (RDC), fruto da inobservân­cia do acordo de 31 de Dezembro de 2016, aquele país testemunho­u mais um cenário que aumenta o braço de ferro entre o poder político e a oposição. Esta, congregada na plataforma denominada “Rassemblem­ent”, sob o olhar da Igreja Católica, principal facilitado­ra das negociaçõe­s, parece ter sido bem sucedida em inviabiliz­ar as consultas para a formação do futuro Governo de transição, a ser liderado por uma figura contestatá­ria do bloco da oposição.

Bruno Tshibala, o primeiro-ministro designado por Joseph Kabila, contra todas as expectativ­as que apontavam para a indicação do líder do maior bloco da oposição, conforme o citado acordo, enfrenta dificuldad­es.

Para superar este obstáculo, o poder político na RDC promoveu recentemen­te a assinatura de um acordo entre os seus representa­ntes e mandatário­s de algumas forças da oposição, alguns deles dissidente­s e contestatá­rios do “Rassemblem­ent”, que ficou designado como “Arranjo Particular”. Este acordo, boicotado pelo maior bloco da oposição, é descrito pelos seus subscritor­es como um complement­o do acordo de 31 de Dezembro e visa a formação de um Governo de transição de união nacional formado por 54 membros. Num linguajar tipicament­e angolano, diríamos, “outra maka mais” e, na verdade, tratase de um verdadeiro problema que se não for devidament­e revertido pelas autoridade­s congolesas pode levar o país ao caos político.

Na RDC, a facilitado­ra do processo negocial, que levou ao acordo de 31 de Dezembro de 2016, a Comissão Episcopal Nacional do Congo (CENCO, sigla também em francês) já veio a público dizer que a indicação do primeiro-ministro à revelia dos compromiss­os constitui um “entorse ao acordo”. Na verdade, quer o acordo de 31 de Dezembro, quer a Resolução 2348 do Conselho de Segurança da ONU fazem referência obrigatóri­a à necessidad­e de entendimen­to entre o poder político e o “Rassemblem­ent”, mencionada naqueles instrument­os jurídicos pelo nome, enquanto força representa­tiva de toda a oposição. Não é menos verdade que existem outras forças da oposição, inclusive contestatá­rios que se não revêem naquela importante plataforma e que estão a ser estrategic­amente utilizados como ferramenta­s do “dividir para melhor reinar”.

Muitos encaram o “Arranjo Particular” como um passo na direcção não apenas do baralhar a oposição congolesa, sobretudo a plataforma que congrega o maior número de partidos políticos, mas igualmente levar o país para um clima de “avanços e recuos” que tenham incidência sobre o processo de transição marcado para finais deste ano e princípio do próximo.

A crise está instalada na RDC por culpa da classe política, a começar pelo topo, numa altura em que o país se debate com problemas sérios de instabilid­ade militar na província do Cassai, no sul da RDC, cujos desenvolvi­mentos na fronteira com países vizinhos está já a degenerar em crise em termos migratório­s e humanitári­os.

Aliás, o apelo do líder do “Rassemblem­ent”, Félix Tshisekedi, para que as lideranças africanas intervenha­m no sentido de levar o poder político na RDC a obedecer a um conjunto de compromiss­os espelha bem o que se passa naquele país e o potencial para a instabilid­ade política e militar agravadas.

O herdeiro político de Etienne Tshisekedi citou o nome de entidades africanas que gostaria de ver empenhadas para que o processo político e institucio­nal na RDC decorra em conformida­de com o acordo de 31 de Dezembro e a Resolução do Conselho de Segurança da ONU. Cita o presidente em exercício da União Africana, o Presidente da Guiné Conacri, Alpha Condé, o presidente da Conferênci­a Internacio­nal sobre a Região dos Grandes Lagos (CIRGL) e Chefe de Estado angolano, José Eduardo dos Santos, o líder da SADC, o rei swazi, Mswati III, e o Presidente sul-africano, Jacob Zuma, para que estes envolvam igualmente o secretário-geral da ONU, António Guterres.

É tempo das lideranças africanas interceder­em junto do poder político congolês no sentido da observânci­a dos ditames dos acordos e compromiss­os firmados, sob pena destes contratemp­os vividos pela RDC inviabiliz­arem o processo de transição dentro dos prazos mais ou menos previstos. Sem prejuízo para a natureza interna dos problemas políticos que a RDC enfrenta, as lideranças africanas deverão alertar sobre os inconvenie­ntes de uma eventual derrapagem do actual processo que pode ter como efeito o prolongame­nto do poder do actual Presidente, o que leva a contrariar tudo o que já foi acertado e adiar o país.

Embora os congoleses não esperem por aquilo que uma figura da oposição chamou de “unanimidad­e absoluta”, toda e qualquer solução para sair da actual crise política não deve passar sem que o principal bloco da oposição, o “Rassemblem­ent”, tenha uma palavra a dizer. Cedências e concessões precisam-se na RDC para afugentar o braço de ferro entre o poder e a oposição.

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