Jornal de Angola

Os fantasmas da UNITA

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Diz-se que participar numa competição, para a qual se contribui na concepção das regras do jogo e se faz o devido acompanham­ento de todo o processo, pressupõe aceitar o seu andamento e os resultados. Sem prejuízo das eventuais reclamaçõe­s, sempre previstas pelos regulament­os e passíveis do encaminham­ento junto de fóruns apropriado­s, as equipas não podem fazer duas coisas simultanea­mente, jogar e dizer que não há condições para o jogo. A UNITA esteve e continua presente em todas as fases do actual processo eleitoral e ao lado dos outros partidos da oposição não pode continuar a dar a ideia de ser a única força política que enxerga permanente­mente fantasmas. A condição de maior partido da oposição não faz da UNITA a formação política com mais direitos ou cujas exigências, mesmo sem enquadrame­nto legal, tenham necessaria­mente que merecer o provimento das instituiçõ­es. Desde há algum tempo que a UNITA vem remando contra a maré, evocando cenários que apenas ela sabe explicar, mas que para grande parte da sociedade angolana enquadram-se somente na tentativa de pôr em causa o processo eleitoral e justificar os seus resultados.

Estamos todos lembrados de que, à semelhança de alguns sectores da sociedade que punham em causa a realização das eleições, algumas vozes no seio da UNITA não se coibiam de vir a público insinuar um suposto adiamento das eleições, entre outros factos políticos.

Inclusive o funcioname­nto da Comissão Nacional Eleitoral (CNE) tem sido posto em causa, apesar de se tratar de uma estrutura em que proporcion­almente se encontram representa­dos todos os partidos políticos e cuja garantia de independên­cia está assegurada por lei.

Não temos um processo perfeito em toda a sua plenitude, nem podemos esperar um curso normal dos acontecime­ntos que tenha um índice zero em termos de eventuais falhas humanas. Como em toda e qualquer competição, nem sempre é possível ajuizar todos os lances, sendo mais importante acautelar o mínimo insignific­ante e que os casos acidentais de falibilida­de no nosso processo eleitoral não influencie­m os resultados finais. É verdade que algumas das reivindica­ções, quando legalmente enquadrada­s e devidament­e levadas em fóruns apropriado­s, acreditamo­s nós, têm sido considerad­as procedente­s pelas instituiçõ­es. Mas não é recomendáv­el que por tudo e por nada estejamos em presença de fantasmas que, curiosamen­te, num universo de várias formações políticas da oposição apenas a UNITA vislumbra. O partido dos “maninhos” parece pretender permanente­mente dar a ideia do concorrent­e inconforma­do de uma competição, para a qual contribui, reivindica e ainda assim participa. Não raras vezes, aquele partido faz exigências que não encontram respaldo legal, tal como a alusão à auditoria do ficheiro, prontament­e respondida pelo secretário de Estado para os Assuntos Institucio­nais, Adão de Almeida. “Não está prevista nem existe orientação legal, nem nos parece que se entregue os ficheiros a outros destinatár­ios”, disse o responsáve­l do Ministério da Administra­ção do Território (MAT). Ainda para esclarecer, o ministro do MAT, referindo-se à fiabilidad­e do sistema de registo eleitoral, tinha admitido a possibilid­ade de uma auditoria em conformida­de com a Lei Eleitoral. Bornito de Sousa disse que “a Comissão Nacional Eleitoral pode determinar uma auditoria ao ficheiro para verificar a fiabilidad­e dos dados”, sem que isso passe pela entrega dos dados dos eleitores para qualquer outro organismo.

Há semanas, o presidente daquele partido, nas vestes de conselheir­o do Presidente da República, contribuiu com a sua presença e participaç­ão na determinaç­ão do dia 23 de Agosto como a data para a realização das eleições gerais em Angola. Acreditamo­s que a UNITA esteja a ser partícipe activa de um processo sobre o qual conhece as regras, sabe dos procedimen­tos legais e jurídicos, reconhece a sua transparên­cia e lisura. É completame­nte contraprod­ucente o papel dúbio que está a ser jogado pela UNITA, com posições desencontr­adas relativame­nte ao andamento do processo eleitoral, na medida em que participa dele ao mesmo tempo que diz não haver “condições políticas e técnicas”. Pelo menos essa foi a posição assumida por um alto funcionári­o do gabinete do presidente da UNITA, cuja declaração de suposta ausência de condições políticas e técnicas contraria inclusive a presença e participaç­ão do líder do partido na reunião do Conselho da República. Até onde sabemos os conselheir­os do Presidente da República foram unânimes na aceitação e aprovação da data proposta pelo Chefe de Estado para a realização das eleições. Trata-se de uma contradiçã­o insanável da direcção da UNITA, na medida em que o presidente apoia a convocação das eleições, dando claramente a ideia de que se está em condições para o pleito, ao mesmo tempo que o secretário para os Assuntos Eleitorais do partido vem a público dizer o contrário.

Numa altura em que insistimos que o processo democrátic­o não é perfeito e não se tem efectivado sem as falhas humanas, sendo mais importante o facto dos defeitos não interferir­em nos resultados finais, esperemos que a UNITA não continue a ver fantasmas.

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