Reconstruída migração dos povos bantu
Uma equipa internacional reconstruiu a história genética da população agrícola africana falante de línguas bantu, definindo as suas rotas migratórias e a miscigenação com outros povos.
No trabalho, publicado ontem na revista científica “Science”, os especialistas retrataram o rasto genético dessa população, desde a sua região de origem, na actual fronteira entre a Nigéria e os Camarões, o seu processo de expansão pela África Subsaariana à sua migração para a América do Norte.
“Quase todas as populações da África Subsaariana, abaixo do Equador, descendem desta etnia”, que para lá migrou “há cinco mil anos”, o que equivale a “um curto espaço de tempo na escala evolutiva humana”, mostrando assim ser uma migração “muito bem sucedida”, indicou à Lusa a investigadora Luísa Pereira, do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (Portugal), que integrou a equipa internacional.
Sobre o termo “falantes”, a investigadora explicou que grande parte do conhecimento sobre a etnia bantu começou por estudos linguísticos e, hoje em dia, muitos povos não se identificam com a mesma, sendo possível, no entanto, identificar os descendentes com base na língua.
O Instituto refer que os falantes de línguas bantu representam um terço da população subsaariana e o seu processo de expansão levou à criação de várias línguas e culturas, todas com uma origem comum. Recorrendo a técnicas avançadas do estudo da genética, a equipa rastreou marcas específicas deixadas pelas misturas ocorridas com os povos autóctones durante a migração e que podem ser detectadas na população actual, sendo assim possível traçar as rotas migratórias.
Dispersão étnica
Ao estudarem, “pela primeira vez”, uma população de Angola, conseguiram verificar que essa zona teve um papel “muito importante” na dispersão da etnia bantu, tendo-se confirmado o modelo de “divisão tardia.”
Nesse modelo, é demonstrado que a migração ocorreu primeiro em direcção a Angola, dividindose aí em duas ondas, uma que continuou para sul ao longo da costa oeste, até à África do Sul, e outra que se dirigiu primeiro para leste, para a região dos grandes lagos, seguindo, posteriormente, para sul, através da costa leste, atingindo Moçambique e, por fim, também à África do Sul.
O estudo mostra que os bantu do leste e os do sul “têm maior semelhança genética” com a população de Angola do que entre si, ou com a população originária, mais a “o que deita por terra” uma teoria que defendia que a divisão em duas ondas tinha ocorrido logo na origem da etnia, cerca de dois mil anos antes, lê-se na nota informativa. Segundo o artigo, a adaptação dos bantu aos novos ambientes conquistados foi facilitada devido à miscigenação com a população autóctone, adquirindo “algumas vantagens, em termos genéticos, que esses povos possuíam”, referiu Luísa Pereira.
No caso da onda que foi pela costa leste e “se misturou com populações do leste de África (representadas pela Etiópia), que tinham pastorícia”, adquiriram uma “frequência maior” de um marcador genético que confere resistência à lactose na idade adulta. O grupo bantu de oeste misturou-se com pigmeus da floresta tropical, obtendo, assim, uma “vantagem adaptativa em termos imunes”, enquanto nos bantu de sul, que se misturaram com o grupo san, “não foi detectado nenhum sinal forte de selecção”.
Os pesquisadores entenderam igualmente o contributo das várias regiões de África para os actuais afro-americanos.
Os afro-americanos do norte dos Estados Unidos possuem 73 por cento de ancestralidade africana e os do sul 78, correspondendo a 13 do Senegal e da Gâmbia, sete da região Costa do Marfim e do Ghana, 50 da zona à volta do actual Benin e até 30 da costa ocidental da África central, maioritariamente de Angola.
O estudo contou com cientistas de Portugal, França, Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, Benin e do Gabão e foi coordenado pelo Instituto Pasteur, de Paris.