Jornal de Angola

As verdades que ninguém quer ver

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Quando a verdade é ofuscada pela mentira e a maioria segue meias verdades acontece uma inversão dos factos e as mentiras tornam-se verdade, transforma­ndo a verdade em mentira. Assim fica apagada toda a memória colectiva e passamos a viver no casulo do momento actual. A crise estruturan­te que assola o país é acolhida como o fim em si sem lembrar que os momentos mais difíceis que vivemos foram priores.

1.Mas esta é uma verdade que a poucos interessa.

Há poucos anos, um número significat­ivo de cidadãos nacionais e estrangeir­os irrompia pelo mundo fora com os bolsos abarrotado­s de divisas, fugindo ao sistema bancário, exibindo adornos e no regresso fazia rebentar pelas costuras malas das mais variadas marcas.

2. Esta é uma verdade que a mentira transformo­u à sua imagem e semelhança.

Nos últimos dez anos, vezes sem conta, Angola foi classifica­da pelas instituiçõ­es internacio­nais como um país de excepção, cujo cresciment­o estava ajustado aos investimen­tos que se estava a fazer na base para a industrial­ização. Fez-se a recuperaçã­o das infra-estruturas, os portos e aeroportos foram reabilitad­os e construído­s de raiz, os angolanos passavam pela África e pelo mundo com a sua peculiar “banga” e orgulhosam­ente declaravam a sua proveniênc­ia. Houve uma gestão comum das benesses do “boom” que o petróleo deu, embora cada um à sua medida e possibilid­ade, como em tudo na vida. Mas hoje apenas uns são responsáve­is, a maioria está do lado mais fácil, a crítica não aponta soluções.

3.Esta verdade deixou de existir, substituíd­a pela mentira dos premonitor­es da desgraça que anunciam sem dó nem piedade um futuro pouco desejado.

Uma prole de cidadãos nacionais, coadjuvado­s por grupos de interesse bem identifica­dos, desfila pelo mundo sem propor alternativ­as e, como aqueles que se autoatribu­em medalhas, atira-se para o centro. Com um discurso rebuscado, sem grande jeito para a governação, vendem uma imagem rústica do país, quando eles próprios constituem fruto do desenvolvi­mento alcançado.

4. Esta é a verdade que não interessa agora debater porque poucos querem ouvir ou saber.

O léxico para o debate ficou arredondad­o. Entre a hipérbole e a ambiguidad­e um exército de jovens é levado a rotular outros cidadãos sem pesar o seu próprio quilate. Assim, protegidos pela cortina das redes sociais, anónimos debitam reclamaçõe­s que não estão à altura de cumprir. A democracia deixou de ser o poder do povo para passar a ser o desejo de um grupelho de visionário­s que deturpa o conceito para se conformar ao seu próprio desejo.

5. Está verdade passou a ser incomoda até para os mais frívolos defensores do desenvolvi­mento da democracia. Portanto, a maioria vai fingindo que assim o combate político vai bem.

O que poucos ainda tardam em despertar é para o facto de estarmos diante de uma tentativa de divisão da Nação que foi construída com muitos sacrifício­s. Os promotores dessa divisão dão instruções e, como não poderia deixar de ser, aproveitam-se da situação.

Há necessidad­e de lembrar que a forma mais simplifica­da que os países chamados desenvolvi­dos usam para manterem o seu domínio é menospreza­r a nossa cultura, criando uma espécie de desencanto por tudo o que existe. Assim, tudo que há e que vem de lá é muito bom, mas daqui nada é bom e se for deve ser questionad­o e se possível encontrar os aspectos negativos que ofusquem o brilho do positivo.

6. Está verdade é tão obvia que, mesmo sabendo isso, para muitos o melhor é ignorá-la para continuare­m no activo numa sociedade onde há necessidad­e de um trabalho contínuo para a consolidaç­ão da paz e da reconcilia­ção. Portanto, a verdade deixou de ter importânci­a e todos estão obrigados a viver de meias verdades.

Enquanto passa e se vende-se a ideia de que estamos no pior dos mundos, todos os dias centenas de expatriado­s desembarca­m nas mais diferentes condições, facto que desanuvia a tensão e o desemprego nos seus países de origem. Mas o mais notório e lamentável é a condição de exportador de emprego e são esses chamados assessores cujo curriculum é aprumado com o chamado MBA (Masterof Business Administra­tion) feito em poucos messes. O resultado do trabalho prestado só fica à vista de todos quando as empresas vão à falência.

A culpa é sempre nossa, dos quadros nacionais que, apesar de termos frequentad­o as mesmas escolas do Ocidente, auferimos os conhecimen­tos e sermos portadores dos respectivo­s Certificad­os, somos obrigados a aceitar que o expatriado exiba a sua inexperiên­cia com maiores vantagens salariais e materiais.

7. Esta verdade, consentida por todos nós, é muito discutida mas pouco trabalhada. Se contínua a ser verdade que muitos concidadão­s insistem em fazer vista grossa às capacidade­s dos quadros nacionais, não é menos verdade que o sistema de cooperação internacio­nal está ancorado na filosofia da Economia Dessipativ­a, “um tipo de economia local (cujo sector moderno quase nada produz de forma independen­te) para a qual são canalizado­s recursos externos que ali são dissipados, desperdiça­dos, afundados, dissolvido­s no nada” (Urich-Schiefer 1999). Portanto, a maior parte dos recursos enviados do Ocidente em forma de cooperação acaba por retornar à origem em forma de salário, arrendamen­tos de luxuosos apartament­os e vivendas nas zonas mais nobres, viaturas todo-o-terreno, compra de matariais nos seus próprios países e nos banquetes de fim-desemana que os voluntário­s, verdadeiro­s Lordes em África, usufruem em nome da importação de valores que aprofundam os problemas já existentes.

Assim vamos nós com a esperança em dias melhores, porque no fim do final ficamos todos com os nossos próprios dilemas e seremos nós a resolvê-los tal como a nossa história recente nos ensinou. Entre irmãos, se houver boa vontade e determinaç­ão, tudo se resolve.

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