Jornal de Angola

Carga tributária e Justiça social

- EUGÉNIO GUERREIRO |

Em que medida a acção da Administra­ção Geral Tributária, no cumpriment­o das normas legais, está a ser prejudicia­l à actividade das empresas num ambiente económico que é já, em si mesmo, bastante adverso?

Tem vindo a ganhar corpo, especialme­nte nos círculos empresaria­is, a ideia de que a cobrança das dívidas fiscais tem provocado asfixia às empresas. E quando nos referimos à cobrança das dívidas, devemos considerar não apenas o imposto devido mas também multas e juros de mora decorrente­s do atraso e de outros incumprime­ntos.

Esta constataçã­o é observável nas sistemátic­as reclamaçõe­s percebidas junto da classe empresaria­l ante a acção da Administra­ção Geral Tributária, no quadro da fiscalizaç­ão e execução fiscal, dando-se, em particular, realce às exigências de garantias de idoneidade tributária respaldada­s no Código Geral Tributário (CGT), cuja apresentaç­ão pelo contribuin­te deve ser feita 15 dias depois de ter sido notificado pela Repartição Fiscal.

Na prática, e com base em todos os articulado­s legais, mormente o CGT e o Código das Execuções Fiscais, findo aquele período a AGT tem vindo a exercer o direito de penhora das contas bancárias, caso o contribuin­te não apresente as garantias reais idóneas no valor da dívida fiscal uma vez que em Angola, na maior parte dos casos, as garantias reais, sobretudo as relacionad­as com bens imóveis e prédios rústicos, não possuem títulos que atestem os direitos de propriedad­e, o que impede que, nestas circunstân­cias, sejam considerad­as como garantias idóneas.

Caso o contribuin­te apresente as garantias idóneas e sejam aceites pela AGT, a legislação prevê um prazo limite de cinco anos de efeito suspensivo sobre a execução, caso haja uma acção em tribunal a contestar a existência ou o montante da dívida. Pode também o contribuin­te proceder à regulariza­ção da dívida e demais custas e despesas associadas, em concertaçã­o com a administra­ção de modo parcelar.

Há ainda quem considere que a acção legítima da AGT acaba por stressar os contribuin­tes, que passam deliberada­mente a furtar-se ao cumpriment­o das suas obrigações fiscais. Atribuir à acção da AGT a responsabi­lidade pelo comportame­nto relapso dos contribuin­tes é, particular­mente neste quadro, uma atitude que procura explicar o inexplicáv­el – desculpas de maus pagadores. Uma empresa que se encontre em incumprime­nto fiscal e mantenha a sua actividade está a usufruir de um benefício ilegítimo – além de ilegal e em alguns casos criminal – que a coloca em situação de vantagem face às empresas concorrent­es.

Parece-nos claro que, na actual conjuntura, não é a carga tributária que estará a obstaculiz­ar a vida das empresas. Impõe-se por isso algumas reflexões:

Em primeiro lugar, a carga fiscal angolana é relativame­nte baixa. Aliás, devemos ter presente que um dos eixos da reforma tributária foi a sua redução. Imposto Industrial, IPU e outros sofreram reduções consideráv­eis da sua taxa aplicável, com destaque para a tributação dos lucros das empresas, cuja taxa geral se reduziu de 35 para 30 por cento, e para aqueles sectores de grande prioridade na agenda da diversific­ação económica do Executivo, como sejam os casos da agricultur­a, aquícolas, avícolas, pecuárias, piscatória­s e silvícolas, onde a taxa é de apenas 15 por cento; Olhando para os números arrecadado­s com a taxa de circulação, rapidament­e percebemos que a incidência fiscal é bastante moderada quando comparada com os países da região, como Namíbia ou África do Sul.

Em segundo lugar, em 2014, houve um perdão fiscal sobre as dívidas ao fisco até 2012. O período de 2012-2015 foi, como todos sabemos, de forte cresciment­o económico e nada fazia antever que os níveis do PIB fossem baixar ao ponto a que assistimos hoje. Nesta ordem de ideias, como perceber que empresas que beneficiar­am do perdão fiscal em 2014, com mais-valias até 2015, apareçam com dificuldad­es para honrar os seus pagamentos a partir de 2015?

Em terceiro lugar, é verdade, porém, que a conjuntura macroeconó­mica, em especial o patamar já elevado das taxas de juro, contraiu o crédito e, por conseguint­e, o investimen­to privado. Este ambiente de adversidad­e é ainda maior ante a escassez de produtos no mercado e a fraca diversidad­e económica. Continuamo­s a precisar de importar quase tudo, seja bens alimentare­s seja produtos manufactur­ados, e isso tem tido um preço consideráv­el. Manter as Reservas Internacio­nais Liquidas num nível prudencial tem-se revelado um exercício muito exigente e há-de chegar o momento em que os gestores da política macroeconó­mica estarão confrontad­os com uma decisão sobre as taxas de câmbio. Nesta matéria, o Standard Bank e outros think tanks começam já a antever uma ligeira desvaloriz­ação no final de 2017.

Portanto, é falacioso dizer-se que é a carga tributária incidente sobre as empresas o factor de stress das suas condições económico-financeira­s. A AGT está a fazer o caminho certo na justiça e na eficiência da colecta fiscal, aprimorand­o a sua relação com os contribuin­tes. Essa eficiência da máquina tributária esbarra, todavia, num cenário de ausência de cultura do pagamento de impostos, daí que uma relação mais directa da AGT com os contribuin­tes acabe por ser em alguns casos – que estão longe de ser a regra geral – interpreta­da como o exercício de alguma forma de pressão.

Ora, isso só pode ser um stress para aquelas entidades que sonegam informação. E, para mais, na actual tendência de reforço do uso das tecnologia­s de informação e comunicaçã­o, na aferição da matéria colectável, que conduzem a uma reforma profunda do sistema e, mais tarde ou mais cedo, à introdução do IVA, esta alegada “intromissã­o” da AGT nas contas das empresas será cada vez maior e menos contornáve­l para quem não cumpre as suas obrigações perante o Estado, perante os seus concidadão­s e perante as empresas que operam no mesmo mercado.

Por conseguint­e, é relevante notarmos que a principal razão para a dificuldad­e das empresas é a falta de acesso às divisas e a impossibil­idade de fazer importaçõe­s ou pagamentos ao exterior. A AGT só aparece no fim da cadeia, quando houver lucro, pois, tudo o resto é dedutível.

O que parece portanto estar na ordem do dia é a necessidad­e de explicar melhor o papel fundamenta­l que os impostos desempenha­m, como ferramenta determinan­te para que o Estado cumpra uma das suas missões mais nobres: redistribu­ir os rendimento­s e garantir a todos os cidadãos o acesso, em igualdade de circunstân­cias, a bens públicos como a saúde, a educação, a segurança, a defesa, a justiça, a habitação, ao saneamento básico, as infra-estruturas de transporte­s e, de um modo geral, a protecção social. É imperioso, isso sim, que a AGT trabalhe no sentido de alargar a base tributária, ou seja, colocar mais pessoas a pagar impostos e, nesta matéria, o espaço fiscal no sector informal é astronómic­o. É também importante que a despesa pública se ajuste à receita tributária e não persistirm­os nos actuais níveis de endividame­nto, salvo para o que for estritamen­te necessário e comportáve­l.

É esse certamente um dos maiores desafios que a AGT tem por diante: evitar o anátema que começa a pairar sobre os impostos, explicando a sua justa razão de ser, ao mesmo tempo que aperfeiçoa o aparelho tributário.

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