Baterista Lito Graça no palco do Palácio de Ferro
TRIENAL DE LUANDA
O conceituado baterista Lito Graça, um dos fundadores do extinto conjunto Semba Master’s , foi o primeiro convidado da série de concertos do mês de Maio, ocasião em que revisitou os principais sucessos da carreira, em concerto realizado, sábado último, no âmbito da III Trienal de Luanda, projecto cultural da Fundação Sindika Dokolo.
O conjunto Semba Master’s foi uma das formações mais representativas da música angolana em Portugal, no princípio dos anos noventa. Lito Graça, baterista e um dos seus fundadores mais notáveis, lembrou o impacto cultural do surgimento do grupo: “Em 1995 , o semba ainda era uma miragem em terras lusas e imperava, em grande escala, a música de origem cabo-verdiana. Foi neste contexto que decidimos formar o conjunto Semba Master’s com a intenção de dar expressividade e um conhecimento mais alargado das raízes da Música Popular Angolana. Não posso deixar de reconhecer o contributo da professora Rosa Roque, a grande mãe das “Gingas”, que, com o seu mérito decidiu meter mãos ao quinteto, que teve a responsabilidade de valorizar a mística e a importância cultural da música angolana. Depois surgiram os desafios em acompanhar o Bonga e o refinamento com a investigação das técnicas de estúdio, um estudo que constituiu a base para a criação de uma frente inovadora da generalidade da cultura musical angolana em Portugal”.
Proveniente de uma família praticante e seriamente comprometida com a religião tocoísta, Lito Graça tomou contacto com os primeiros sons e harmonias através dos coros e das guitarras do “Nkembo”, nome, em kikongo, do género musical, muito dançante, que acompanha o desfecho do culto na religião tocoísta.
Lito Graça passou a infância dividida entre os bairros Rebocho Vaz, actual Kassequel e o Bairro Operário onde moravam os seus avós maternos. Foi neste ambiente familiar que tomou contacto com o quimbundo, língua nacional que sua avó dominava, mesmo sendo uma família de origem bakongo. Lito Graça frequentou, nos anos 70, as escolas Santa Teresinha, no antigo bairro Salazar, actual Mártires de Kifangondo e o colégio Luís de Camões, na avenida Brasil, em Luanda.
Filho de António Zau Francisco, alfaiate, e de Maria Teresa Manuel, enfermeira, Manuel da Graça Francisco, Lito Graça, nasceu em Luanda no dia 17 de Fevereiro de 1966.Toca para além de bateria, dikanza, trombone, baixo e participou, entre outros discos, no CD “Fogo na kanjica” do cantor e compositor, Bonga, Barceló de Carvalho, a convite do guitarrista e produtor, Betinho Feijó.
Percurso
Em 1980, Lito Graça mudou para o bairro Neves Bendinha onde integrou como baixista o “Zig-zag”, grupo de música e teatro , com Maurício Tavira, guitarra ritmo e solo, Manuel de Lima, vocal, e Jijo Pimentel, vocal. A secção de teatro do “Zig-zag” era formada pelos seguintes actores, Álvaro Miguel, Pedro Dias, e Humberto da Costa, onde Lito Graça começou o aprendizado de teatro. À época eclodia um amplo movimento de dança e Lito Graça fez parte do grupo “Afro-jazz doce compasso”, orientado pelo promotor cultural, Hirondino Garcia. Com a aproximação da idade de cumprimento do serviço militar, Lito Graça integrou a brigada artística das FAPLA, que integrava o conjunto o “Facho”, formação constituída por Carlitos Chiemba, baixo, João Mário, guitarra ritmo, Bell do Samba, vocal, Carlitos Venâncio, guitarra solo, Chico Santos, percussão, Beto Pederneira, trompete, Segura Show, baterista e vocal, Zé Manico e Luís Lau, vozes , grupo que contou com a colaboração da Professora Rosa Roque. Depois de ter participado em pequenos grupos de pouca duração, em fim de campanha militar, Lito Graça integrou o conjunto “Mega”, formação musical da Rádio Nacional de Angola onde reencontra, Carlitos Venâncio, guitarra solo, Chico Santos, percussão, e Lanterna, teclas, todos colegas do extinto conjunto, “Facho”. Em 1993, Lito Graça viajou para Portugal, convidado para substituir o baterista, Dinho Silva, que estava de saída do “Kussundolola” para a banda de Eduardo Paim.
Kussundolola
Lito Graça aderiu, em finais de 1995, ao projecto “Kussundolola”, formação de semba-reggae que teve um estrondoso sucesso em Portugal, e recordou os contornos do projecto: “O Semba Master’s estava contido no Kussundolola. Excluindo o Janelo, Messias e Bê, os legítimos fundadores do projecto “Kussundolola”, o resto era um grupo que veio a dar mais tarde no “Semba Master’s”, ou seja, eu, Carlos Chiemba, baixo, Lanterna, teclas e acordeão, e Betinho Feijó, guitarra ritmo e solo. Nós tocávamos “Reggae” mas tínhamos uma vontade íntima de tocar o nosso semba. Foi a partir daí que decidimos individualizar o grupo que veio a dar no conhecido “Semba Master’s”, recordou Lito Graça. Um dos grandes sucessos do grupo “Kussundolola” foi o tema “Perigosa”, do qual recordamos alguns versos: Senhor comandante/Ela é perigosa/Perigosa, perigosa/ Anda com este/ Anda com aquele/ Ela é perigosa, perigosa/ Se eu fosse um homem rico, Comia trinta pães/ Usava um kikuto rasgado no cú/ Oh dona Mena , não faça isso /Oh dona Mena não faça isso/ Ao menos sirva pão com chouriço/ Sansão homem de tranças/ Dalila mulher de traição/ David seu comandante Urias/ Betsabé seu esposo comandante/ Jah veio um dia a ló/ Ai Sodoma e Guemorra/ virou estátua de sal...
Trienal
A III Trienal de Luanda teve o seu início no dia 1 de Novembro de 2015 e vai até finais de Agosto de 2017. Sob o lema “Da utopia à realidade” o evento está dividido em artes visuais, com exposições de arte clássica e contemporânea, comunicação, que prevê a edição de jornais, revistas, catálogos, edições e reedições de títulos bibliográficos fundamentais para a compreensão da história literária e cultural angolana, programas de rádio e televisão, fóruns, que inclui um extenso ciclo de conferências, sessões de teatro, concertos, e programas de educação, que prevêem visitas de estudantes de diferentes níveis de ensino, nos espaços da III Trienal de Luanda. Por sua vez, a primeira fase da programação de concertos da III Trienal de Luanda, que encerrou com grande Festival Zuá, em Agosto de 2016, pretende enaltecer a qualidade artística dos cantores, compositores e instrumentistas angolanos, valorizando, maioritariamente, um segmento musical reflexivo e experimental, que, normalmente, está distante do grande sucesso comercial da música de consumo imediato. Esta iniciativa cultural visa preservar e divulgar as obras e os criadores angolanos que trabalham para o desenvolvimento da hegemonia cultural angolana, nas mais variadas disciplinas artísticas. Do tradicional à arte multimédia, a Trienal de Luanda é um exercício que se contrapõe à violência, respeita a diferença, redimensiona e valoriza o outro, enquanto sujeito artístico de acção. Lito Graça coordenou o projecto de reconstituição do conjunto “Ngoma jazz” no âmbito da III Trienal de Luanda.