Técnico Fernando Fallé ameaça bater com a porta
A falta de condições para treinar a preceito as selecções nacionais nunca foi novidade, entre nós. Mesmo no tempo em que “éramos felizes e não sabíamos”, com muito melhor saúde financeira das federações, frequentemente faltava o básico às representações nacionais das distintas disciplinas desportivas.
Fosse por inexperiência, falta de organização, uso indevido dos valores disponibilizados pelo Estado, etc, raramente o processo de preparação desportiva das selecções se apoiou numa estrutura ágil, simples e funcional, capaz de dar vazão à demanda tendente a atingir a alta performance desportiva.
Na actualidade, com carências indisfarçáveis, em todos os sectores da sociedade, nada mais natural que o desporto, habitual parente pobre dos orçamentos, se ressinta cada vez mais. Que o seleccionador nacional de hóquei em patins, Fernando Fallé, está coberto de razão, ao reclamar da falta de condições de trabalho, não temos a mínima dúvida.
A pátria merece todo o respeito. Quando a representamos, por via do desporto, damos o máximo de nós. E, no mínimo, esperamos igual atitude de todos que nos circundam, para elevar bem alto a nossa nação. Porém, a realidade é tão diferente que, em casa nossa, só indivíduos com forte veia poética ousam esperar que tudo ande sobre carris, quando a equipa nacional se prepara.
Olhando sob outro prisma, pode ser que faça sentido pensar numa adaptação da coisa desportiva à realidade financeira do país e convencer os treinadores e atletas a conformarem-se com as condições postas à disposição. Realisticamente falando, é urgente encontrar o equilíbrio entre aquilo que as autoridades podem oferecer, para o desporto, e o que seria desejável, na óptica dos treinadores e jogadores. Mesmo que a diferença seja abismal, haverá sempre possibilidade de encontrar pontos de convergência. Só assim se explica que países com orçamentos exíguos também consigam a excelência no desporto.
Urge, então, assumir as limitações financeiras e de outro género, antes de dar a largada, para uma empreitada que, sabemos à partida difícil, quer seja empreendida em tempos de bonança quer seja de carência extrema. Dirigentes, treinadores e atletas devem conhecer antecipadamente com que linhas se vão coser. Amiúde, mesmo já avisados, podem estes se deparar com dificuldades de tal ordem, que os levem a ponderar a continuidade ou não, como sucede agora com o treinador Fernando Fallé.
A envolvência da actividade desportiva sobre os praticantes é de tal ordem que todos outros aspectos são vistos como marginais, muito mais abaixo, na escala de prioridades dos treinadores e dos desportistas. Pedir que o treinador exija menos de si e dos jogadores é recusar a essência do próprio desporto. Aqui, independentemente de quaisquer constrangimentos, o engajamento deve estar sempre no limite. Só assim se consegue a auto superação que conduz ao êxito desportivo.
A aparente insanidade de que são acusados os treinadores, não é mais do que o foco exclusivo nos objectivos de performance. Por este motivo, o treinador terá sempre legitimidade para exigir melhores condições de trabalho. Tendo vivenciado as agruras de dirigir o cinco nacional, uma década atrás, o técnico está no direito de sonhar em não provar o mesmo prato indigesto, neste regresso. Porque houve tempo para, a partir dos erros do passado, desenhar um futuro melhor.
Do outro lado, é imprescindível que haja, acima de tudo, coragem para assumir o desafio de fazer mais, com menos dinheiro. Nestas circunstâncias, perante um rol de incalculáveis dificuldades, a capacidade de subsistência é exclusiva para os mais audazes. E, são estes que devem tomar a peito a coisa desportiva, colocando-se por inteiro ao serviço desta actividade.