Os políticos e os maus precedentes
Dizia Winston Churchill, provavelmente o mais famoso primeiro-ministro britânico de todos os tempos, que “há políticos que abandonam as suas convicções para aderir a partidos políticos e outros que abandonam os partidos políticos para preservar as suas convicções”.
A história dos partidos políticos um pouco por todo o mundo, atendendo as clássicas divisões direitaesquerda, centro, ao lado dos extremos da cada lado, tem sido muito marcada por movimentações que têm como corolário a referida citação. O fundamental, se calhar, não são as movimentações em si mesmas que acabam, nalguns aspectos, por enriquecer o jogo democrático, mas a agenda e a solução que a sociedade espera por parte dos actores políticos. As populações aspiram por soluções para os seus problemas imediatos mais do que as jogadas dentro e fora dos partidos políticos, que em muitos casos credibiliza pouco os fazedores de política. Embora “os políticos estejam hoje mais preocupados com a sua imagem do que com os assuntos da polis”, como dizia o romancista Milan Kundera, os políticos precisam de sair das amarras ideológicas e convicções empedernidas quando estejam em causa os problemas da sociedade.
E ainda bem que, como demonstra a experiência recente, hoje os políticos são menos ideológicos e mais pragmáticos na sua agenda pessoal e, não raras vezes, mesmo de grupo, para bem da sociedade. A flexibilidade no “modus operandi” de muitos políticos com aquilo que muitos apregoam como o fim das ideologias representa um ganho. Afinal, todos agora tendem para o centro, aproveitando sempre o que melhor tem a esquerda e a direita, exactamente como diz ter feito o Presidente eleito de França com o seu projecto “En Marche”.
Em Angola, notamos com algum interesse movimentações políticas que, além de verdadeiros casos de estudo, ajudam-nos também a compreender um bocado a nossa sociologia política.
Neste ano eleitoral, vimos políticos a desentenderem-se com as suas formações políticas, abandonando os seus partidos mas paradoxalmente predispondo-se para fazer parte de qualquer Executivo que resulte das eleições.
Testemunhamos partidos que por pouco implodiam por causa de querelas e vimos igualmente a tendência para coligações de última hora, ora para salvar-se da extinção ou para reforçar o grupo.
Trata-se ainda hoje de um conjunto de fenómenos normais, embora muitas outras leituras acabem por ser feitas tendo como substrato a ideia de que apenas o interesse e o imediatismo prevalecem.
Numa altura em que algumas formações políticas se apressam a elaborar as suas listas eleitorais para formalizar as suas candidaturas, testemunhamos um episódio até então pouco comum na nossa democracia, mas nada do outro mundo.
Atendendo à diversidade que muitos partidos procuram imprimir às suas listas, com o convite lançado a figuras da sociedade civil, assistimos a um desfile nunca antes visto traduzido na escolha por parte do convidado do lugar na lista. Ou seja, alguns partidos da oposição viram-se confrontados com imposições de figuras políticas que os mesmos pretendiam ver engrossar as suas listas, nomeadamente estar numa posição elegível na lista eleitoral a ser submetida ao Tribunal Constitucional. Até parecíamos estar em presença do mercantilismo na política, que leva algumas políticas a abdicar de alguns e optar por outros.
A inobservância do princípio da precedência, na elaboração das listas a favor da satisfação das exigências de tais figuras da sociedade civil, gerou problemas a algumas formações. Sectores conservadores no seio de alguns partidos reagiram negativamente a esta pretensão, que configura um exacerbado interesse que não era suposto fazer parte da agenda pessoal de um político.
Passar a ideia de que se pretende estar na política apenas para estar bem, em vez do tradicional desiderato que passa pelo servir, pelo contribuir para melhorar a condição do próximo, constitui mau precedente. Até dá a ideia de que estamos numa aparente fase decadente do nosso processo democrático em que pessoas interessadas ou convidadas para fazer política impõem a forma como pretendem estar na política.
Além de que os fins não precisam, hoje mais do que na era de Maquiavel, de justificar os meios, os nossos políticos não podem dar a ideia de que podem despir-se das suas convicções ou desrespeitar a lógica de funcionamento dos partidos políticos. Por mais pragmáticos que procurem ser ou estar na política, é recomendável que sejam capazes dos bons precedentes para legar a gerações mais novas formas dignas de um importante desempenho em qualquer sociedade. Os políticos são livres de abandonar as suas convicções, são igualmente livres de abandonar os partidos, mas não livres de abandonar o fim último que resulta das suas actividades: contribuir para a busca de soluções para os principais problemas da sociedade e evitar os maus precedentes.