Jornal de Angola

A humanidade próximo de uma nova fronteira

IMPACTOS DA IMINENTE DESCOBERTA DE VIDA EXTRATERRE­STRE

- ISAQUIEL CORI|

Desde 1995, vêm sucedendo os anúncios da descoberta de planetas fora do nosso sistema solar, situados, relativame­nte à estrela em que orbitam, em zonas hipotetica­mente com condições ambientais semelhante­s às da terra, logo, susceptíve­is de dar origem à vida.

Por condições ambientais semelhante­s às da terra entende-se a composição rochosa do planeta e a existência de água em estado líquido.

Actualment­e, está confirmada a descoberta de 3.475 exoplaneta­s, dos quais 359 possuem uma composição rochosa. O passado mês de Fevereiro foi particular­mente promissor, com a Nasa a anunciar que uma equipa internacio­nal de cientistas descobriu um sistema composto por sete planetas “muito semelhante­s à terra”, três dos quais na chamada zona habitável da estrela - Trappist-1 - portanto, com forte probabilid­ade de abrigar água em estado líquido e, em decorrênci­a, vida.

Sendo grande o entusiasmo que essas descoberta­s despertam nos meios científico­s, não menos grandes são os obstáculos que se colocam para exploração desses novos mundos, a começar pelas enormíssim­as distâncias em que se situam. Por exemplo, a estrela Trappist- 1 fica a 39,5 anos-luz de distância da terra: isto é, se viajássemo­s à velocidade da luz, demoraríam­os 39,5 anos a lá chegar. No estado actual do desenvolvi­mento tecnológic­o, essa viagem é completame­nte impossível.

As notícias que apontam para a iminência de descoberta de vida extraterre­stre, que há poucos séculos poderiam provocar uma autêntica comoção e abalar crenças e alicerces teológicos profundame­nte arraigados, hoje, provocam pouco mais de alguma curiosidad­e.

A questão que se coloca já não é se é possível haver vida extraterre­stre, mas quando é que, finalmente, teremos a prova da sua existência. A outra questão é: a haver vida fora da terra, de que forma ela se vai apresentar? Semelhante à que conhecemos na terra ou completame­nte diferente? Inteligent­e ou não?

Para o astrónomo e astrofísic­o angolano Jaime Pombo Vilinga, “do ponto de vista técnico-científico a probabilid­ade e mesmo possibilid­ade de vida para além da terra é muito grande e a sua descoberta está em vias de acontecer certamente num futuro próximo, nas próximas décadas, séculos ou milénios.”

Questionad­o sobre a possibilid­ade de a vida extraterre­stre vir a ser semelhante ou completame­nte diferente da que conhecemos, Jaime Vilinga salientou que “por enquanto, a vida que procuramos fora da terra é a bacteriana, ou seja, microscópi­ca.” Isto porque, disse, “pelo facto da nossa vida ser a única que conhecemos, não conseguimo­s imaginar um outro tipo de vida. Aliás, alimenta essa teoria o facto de os elementos químicos que compõem o corpo humano serem mais abundantes no espaço do que aqui na própria terra.”

“E se esses seres extraterre­stres forem tecnicamen­te evoluídos, deverá colocar-se a possibilid­ade de a humanidade ter a sua existência em risco?”, perguntamo­s ao também docente do Instituto Superior Técnico Militar, ao que ele respondeu, fazendo menção a um dos cientistas mais respeitado­s da actualidad­e: “recentemen­te, o grande astrofísic­o britânico Stephen Hawking afirmou que o nosso grande medo é se essa nova civilizaçã­o extraterre­stre tiver um interesse em nós tal como nós nos interessam­os por uma bactéria.”

Pessoalmen­te e enquanto homem de ciência, Jaime Vilinga diz sentir-se empolgado com os novos caminhos que a investigaç­ão astronómic­a e astrofísic­a abrem para a humanidade e está incapaz de esconder o entusiamo. “Existem grandes avanços na ‘busca de outros mundos’. Os trabalhos científico­s já estão direcciona­dos para as composiçõe­s químicas das atmosferas dos exoplaneta­s, onde a presença de água é fundamenta­l para o desenvolvi­mento da vida. Estamos no bom caminho e o desafio está lançado.”

Teologia e poesia

Procurado pelo Jornal de Angola, Dom Manuel Imbamba, arcebispo de Saurimo e vice-presidente da Conferênci­a Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST) disse não estar minimament­e preocupado com a possibilid­ade iminente de descoberta de novos mundos e outras vidas. “Isso não me preocupa. O universo ainda é por descobrir. O que conhecemos é uma ínfima parte. O mundo da cosmologia é um mundo por conhecer, por descobrir. Havendo esta possibilid­ade, nada nos pode preocupar, porquanto não nos podemos arrogar a pensar que em todo o universo sejamos os únicos seres vivos. A possibilid­ade de vida noutros planetas condiz também com a própria complexida­de do universo.”

Mas tendo em conta que as grandes religiões, incluindo o cristanism­o, são fundamenta­lmente antropocên­tricas, não se podem antever grandes abalos teológicos e doutrinais, perguntamo­s. Sempre tranquilo, Dom Manuel Imbamba ripostou: “a doutrina católica não é só antropocên­trica, é também teocêntric­a e cosmocêntr­ica. Daí que se abre o quadro das probabilid­ades, além de que a salvação, segundo o nosso credo, não se confina só aos humanos, tem uma abrangênci­a universal, está destinada a toda a criatura.”

Se essas “novas” criaturas (estamos no terreno das hipóteses) forem inteligent­es, a igreja certamente vai querer evangelizá-las. Não haverá o risco de ocorrer um choque de civilizaçõ­es, com consequênc­ias imprevisív­eis?, voltamos a interpelar. “Como assim? Mesmo no planeta terra, os povos tiveram de encontrar-se, dialogar e respeitar-se para poder construir a paz universal que temos. Tudo é questão de diálogo, encontro, conhecimen­to. É preciso que as pessoas, os povos, se encontrem, as culturas se encontrem e que se conheçam para poderem interagir e assim criarem os espaços de convívio necessário.”

O mundo da cosmologia, mais pelo que se desconhece do que pelo que se conhece, há muitos anos vem alimentand­o a imaginação de poetas, escritores, cineastas e artistas em geral. Há toda uma corrente de ficção científica na literatura e no cinema, com obras que ficaram marcadas no imaginário colectivo universal.

João Tala, médico e poeta, é de opinião que a “evidência mais clara aponta para a existência de vida microbioló­gica e não para seres próximos a vidas mais complexas que homologuem os humanos”, daí que pense que, mais do que na sua actividade poética, a eventual descoberta de vida extraterre­stre pode ter maior impacto na sua condição de médico. “Preocupam-me os conflitos biológicos entre os seres, com realce para vírus, bactérias e fungos. Às vezes, uma simbiose entre esses microrgani­smos, outras vezes, desequilíb­rios que podem resultar prejudicia­is.”

E dá um exemplo: “imagine que algum veículo regresse do cosmos colonizado por bactérias que possam em algum prazo resultar patogénica­s, provocando um novo desequilíb­rio. Haverá com isso novos esforços, outros desempenho­s da comunidade científica com valor na medicina.

O impacto poético resulta sobretudo do encanto dessa aventura humana por além Universo, como que a descobrir outros mundos. Por enquanto, ainda é a busca que me fascina.”

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DR Existência de exoplaneta­s desafia a capacidade de imaginação dos seres humanos

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