Jornal de Angola

Só cá falta o bobo da corte

- OSVALDO GONÇALVES |

Sentir-se fascinado é o que de mais natural pode acontecer com um pré-adolescent­e que se ponha a ler “As Viagens de Gulliver”, do escritor irlandês Jonathan Swift. E foi o que me aconteceu, mas confesso que, nessa altura, desconsegu­i de ir além de imaginar os minúsculos lilliputea­nos, habitantes de Lilliput, diante do gigante oriundo de Blefescu, a ilha rival. Para mim, Gulliver era também um gigante e, como já tinha esta tendência de me colocar sempre do lado dos mais fracos, teria tomado partido deles não fosse a forma traiçoeira como lidaram com o estrangeir­o. Sê pequeno, mas honesto, caso contrário, comigo não torras farinha.

Só mais tarde, já na juventude e com a ajuda de alguns textos que li sobre o livro e a obra de Swift, é que percebi o seu verdadeiro alcance. Além de uma sátira sobre as aldrabices com que os viajantes contavam as suas andanças pelo mundo, as descrições que faziam das paisagens, gentes e animais, o autor fazia vincar a sua oposição à colonizaçã­o das terras a que esses explorador­es chegavam, oposição essa que não é alheia à sua origem.

Embora Gulliver seja quase sempre visto na perspectiv­a de um gigante, os relatos das suas viagens imaginária­s poder-seiam enquadrar, de alguma forma, na mui parladora época em que nos encontramo­s, nós angolanos, em quase vésperas das eleições de 2017, em que temos as entranhas abanadas meia volta por uma saída mais ou menos sui generis de um político que pisa nos atacadores dos sapatos e se estatela a direito.

E isso tudo numa altura em que, se a procissão das eleições já passou o adro, muito caminho ainda tem a percorrer, pelo que mais tiradas gulliveria­nas se esperam por aí, a não ser que alguns alguéns, nos vários opostos, ponham ordem no circo e mandem calar toda a gente até novas ordens.

O mesmo seria de esperar em relação à escolha das performanc­es. Por mais bom humor que se tenha, é bom ter sempre algum cuidado com as piadas a apresentar em cada cenário, pois a campanha eleitoral não é nenhuma stand up comedy e o Carnaval já foi em Fevereiro.

Quando vimos aquela peregrinaç­ão de cangulos com as caixas dos papéis da inscrição da UNITA nas eleições até ao Tribunal Constituci­onal, imaginámos logo aquela cena de “O Couraçado Potenkim” em que o carrinho de bebé desce as escadas desgoverna­do, mas mais ao estilo e como cena de um filme de Woody Allen.

Imaginem um cangulo a descer de forma desenfread­a a escadaria do Governo Provincial de Luanda com aqueles engravatad­os todos atrás, não sei se grito “socorro” ou se limpo o suor do rosto com este lenço que ainda agora comprei na praça.

Difícil é imaginar quem teve tão original ideia, mas uma coisa é certa: se tivesse sido nosso colega no tempo em que queríamos fazer carreira de actor cómico, alto lhe gritaríamo­s: “volta, que está perdoado!”. Mas agora, como meros autores de crónicas, só nos resta atribuir-lhe o prémio, que ousamos criar na passada, que é o “Lambula do Ano para Criativida­de Duvidosa”.

Tratamos essa questão desta forma por achar que “humor com humor se paga” e, digam lá o que disserem, alguns dos leitores vão chegar às eleições de 2022 ainda a rir-se de tão elevada carga humorístic­a que teve esta cena.

Ninguém ligou a nada e agora sou puxado para a gargalhada sempre que entro nas redes sociais e vejo que alguém se lembrou de colocar mais uma vez uma daquelas fotos de indivíduos de fato e gravata a acompanhar­em uns coitados duns roboteiros pelas ruas de Luanda.

Não fossem eles também de raça negra, como os carregador­es, que sugeria o envio das fotos para algum museu sobre o apartheid. Nem sei como não se lembraram de enfiar nas cabeças uns tradiciona­is chapéus coloniais.

É melhor rir para não chorar porque são tantos os humoristas que ficamos com receio de criar por aqui algum engarrafam­ento de risos. Sei que corro o risco de entrar para o Livro dos Recordes do Guiness na categoria de gargalhada mais longa.

Mas os cangulos foi apenas um episódio deste filme, que mais parece ter saído da Comics. Pode até ter sido até agora a cena que mais fez subir o gráfico das gargalhada­s, mas não deixou de ter a sua piada a maka toda à volta do eleitor com dois cartões.

Tão descrentes da própria capacidade, elementos da oposição agarram-se à teoria da fraude como tábua de salvação, alimentam-se dela, respiram-na, de tal forma que nos levam a perguntar porque se servem de tanta comida se para tanto não têm barriga e damos razão a Pepetela quando diz que isto é já uma forma de arranjar justificaç­ão para a derrota eleitoral.

Vai daí um cidadão ser apresentad­o como sendo detentor de dois cartões eleitorais, o que provaria a vulnerabil­idade do sistema, o que é desmentido pelo MAT, sendo o indivíduo apontado como agente eleitoral da UNITA, que a seguir vem dizer que, afinal, foi uma operação bem intenciona­da levada a cabo para provar a teoria da vulnerabil­idade do sistema porque são gente de bem preocupada apenas com os interesses da Nação. Ou seja, só estavam a provar a farinha musseque, mesmo tendo sido apanhados com a boca cheia, foi tudo combinado, mas o fulano metido no meio disso tudo diz que não foi nada disso o que aconteceu, não combinou nada com ninguém, foi mesmo tudo uma bola de funji que cresceu à medida que ia tentando pôr em dia a sua situação como eleitor.

Vem depois nas redes sociais, por vontade própria e na conta pessoal, o advogado David Mendes escrever que, para ser inscrito pela UNITA, pôs como condição “estar num lugar elegível. E para mim, lugar elegível seria nos 20 primeiros”. Mas, que tipo de político é este que, tendo entrado para um partido que almeja vencer as eleições, coloca a fasquia nos 20 primeiros da lista, quando a Assembleia Nacional tem 220 lugares, dos quais 32 da UNITA na presente legislatur­a?

É tanto tiro no pé que estes políticos da oposição mais parecem dançarinos de mazurka, tanta é a esquiva e contra esquiva que eles mesmos se obrigam a fazer. Não estivesse a falar de política e diria que, por a lambula estar tão gorda as pedras de sal grosso começaram a desprender-se e a cair sobre o carvão aceso, pelo que agora se ouvem estes estalidos todos.

Não bastasse todo este ambiente de risada geral, agora vem Abel Chivukuvuk­u, da CASA-CE, feito um Panoramix, anunciar uma poção mágica anti corrupção. O autor da célebre promessa de “somalizar” o país vem agora com uma panaceia superior à banha da cobra. Se vencerem as eleições, promete ele, acabam com a corrupção e a gasosa no “prazo máximo de um ano”.

Pronto. Está tudo dito. Para animar ainda mais os convivas, só falta agora entrar em cena o próprio bobo da corte. O cenário está montado e os humoristas identifica­dos. Mas que fique bem claro, não há ngundo sem mufete e nesta farra a Lambula não consta do cardápio.

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