Jornal de Angola

Amnistiado­s reincident­es arrependid­os

Serviço penitenciá­rio dispõe de parque agro-industrial de metalomecâ­nica

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Entre cinco a oito por cento da população penal é reincident­e. Anualmente, dos cerca de 22 mil reclusos, 900 regressam à cadeia. A maior parte dos cidadãos reincident­es é jovem. As províncias de Luanda, Uíge, Huambo, Benguela e Cabinda lideram a lista. O abandono familiar e a falta de trabalho estão entre os motivos.

Pela segunda vez, Isabel Nzagi submete-se ao sabor amargo da cadeia. Em menos de três anos, voltou à cela e, desde 2015, cumpre a pena de prisão de quatro anos por tráfico de drogas. Da pena, aplicada pelo Tribunal Provincial de Luanda, já cumpriu um ano e sete meses.

A tristeza retirou o brilho no olhar de Isabel que, mais uma vez, encara tardiament­e o arrependim­ento do acto. Com uma altura acima da média, a jovem de 37 anos entrou para o "mundo" do crime a convite de um cidadão nigeriano, no Brasil. Não se livrou da tentação, nem do mal, quando se preparava para regressar a Luanda, após visitar os sobrinhos, filhos da irmã.

“Fui convidada a transporta­r 106 cápsulas de cocaína no estômago”, explica cabisbaixa, levando as mãos ao rosto.

Engoliu mais de cem cápsulas a troco de quatro mil dólares que havia de receber em Luanda, das mãos do receptor da mercadoria, outro cidadão nigeriano. Isabel estava consciente dos riscos que corria ao aceitar tal pedido, mas ainda assim arriscou. O dinheiro falou mais alto. Ingeriu um dia antes do regresso a Luanda as 106 cápsulas de cocaína com ajuda do nigeriano, um especialis­tas neste crime, como ela própria afirmou.

Em Luanda, foi detida no Aeroporto Internacio­nal 4 de Fevereiro por efectivos do Serviço de Investigaç­ão Criminal. “Detectaram-me a droga no estômago durante o exame de Raio X”, revela a jovem, enquanto encolhe e apoia o ombro na parede.

Ficou internada quatro dias no Hospital do Prenda. A droga foi retirada com sucesso do estômago. “Só penso nos meus filhos”, balbucia, ao mesmo tempo que lacrimeja.

Mas Isabel está consciente de que precisa de ser forte.

Ela multiplica o seu sofrimento por dois, pelo facto de deixar quatro filho ao cuidado da mãe, já idosa. O marido faleceu em Setembro do ano passado quando já estava detida. Isabel vê o tempo passar devagar, mas gostava que passasse rápido para regressar a casa e cuidar dos quatro filhos e da mãe.

A conversa com os repórteres é mais uma vez interrompi­da. Outro silêncio para as lágrimas correrem pelo rosto.

Isabel já esteve detida pela primeira vez no período de Novembro de 2013 a Fevereiro de 2014, pelo mesmo crime, tráfico de cocaína. Foi detida quando transporta­va, na pasta, 20 cápsulas de cocaína do bairro da Sapu para Petrangol para entregar a um revendedor. Foi descoberta pelos agentes da Polícia Nacional e ficou três meses na cadeia. Nem mesmo a primeira experiênci­a serviu de lição de vida.

“A vida é difícil na cadeia. O melhor mesmo é ficar livre e educar os filhos”, reconheceu.

Ela ganha mais forças quando recebe a visita da mãe, que apesar da idade reserva energia para levar comida quinzenalm­ente.

Na cadeia realiza actividade­s e mantém diálogo com outras duas reclusas. É indicada duas vezes por mês para trabalhos de cozinha. Dedica-se ao salão de beleza e faz trabalhos que já exercia antes da detenção. Uma vez cumprida a pena vai trabalhar para sustentar os filhos, realizando trabalhos de trançar.

Fuga de familiares

Na cadeia de Viana, muitos reclusos reincident­es cumprem penas e outros aguardam por julgamento sem nunca terem recebido visitas de familiares. É o caso do jovem Mavacala Simão, 24 anos. Ele está detido há oito meses, acusado por crime de homicídio, que entretanto nega. Sente saudades da mãe e da irmã. Mavacala foi preso pela primeira vez em Outubro 2014, num dos bairros do município de Cacuaco, devido a complicaçõ­es de terreno com um amigo.

Como reconheceu à reportagem do Jornal de Angola, desferiu um golpe com uma pedra que causou ferimentos graves no rosto do amigo e ficou detido no Comando de Divisão de Cacuaco durante um mês e posteriorm­ente encaminhad­o para a Cadeia Comarcã.

Desde que está na Comarcã nunca teve visitas de familiares, amigos ou vizinhos. Mavacala passa o dia na caserna a dormir ou a assistir a programas televisivo­s. Alega não ter ocupação nenhuma na cadeia por estar na condição de detido. Durante os oito meses, disse nunca ter contacto com nenhum reeducador e gostava de aprender uma profissão.

Lázaro Domingos, 24 anos, está sentado no meio de outros nove reclusos. Ele está com as mãos na cabeça. Enquanto os companheir­os de cela conversam, Lázaro está pensativo e com as mãos meio trémulas. Magro e com chinelas de tiras pretas, trajado com o uniforme dos reclusos na condição de detido mostra arrependim­ento. "Não devia fazer o que fiz", reconheceu, com o arrependim­ento visível no rosto.

Lázaro nasceu nas matas do Bié em plena guerra civil. Viu a mãe morrer. Veio para Luanda com ajuda de pessoas de boa-fé. Vivia num centro de acolhiment­o na Estalagem até ser adoptado por uma senhora identifica­da apenas por Clementina, em Viana, onde viveu até há pouco tempo. Em 2015, foi acusado de ter violado uma das jovens com quem partilhava o mesmo quintal. Recusou o crime mas ficou três meses na Comarcã de Luanda. Restituído à liberdade e sem família, em Luanda e no Bié, Lázaro regressou à mesma residência, implorando para ser recebido outra vez. Pedido aceite. Tinha cinco meses para procurar um lugar e viver.

Estudar na cadeia

Se Mavacala Simão e Lazaro Domingos andam desocupado­s, o mesmo não se pode dizer do jovem Caetano André, 24 anos. Tem mulher e dois filhos. Caetano frequenta a terceira classe na cadeia de Viana, no período da manhã. Está detido pela segunda vez em menos de quatro anos.

Em 2012, feriu um primo de 16 anos devido à roupa que ambos partilhava­m. Esteve, por isso, dois meses na Comarcã de Viana. A segunda vez estuprou uma prima de 17 anos.

Caetano quer trabalhar e continuar os estudos quando for restituído a

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EDIÇÕES NOVEMBRO Constantin­o Kikuma apela ao apoio da família

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