Jornal de Angola

Todos reféns de Eduardo Kuangana

- SANTOS VILOLA |

O Partido de Renovação Social parece ter os seus militantes reféns da figura do seu fundador Eduardo Kuangana. Histórico da instauraçã­o da democracia nascente nos primórdios da década de 1990, o PRS nasceu numa região onde ainda assenta a sua principal base de eleitores, mas desde 1992 parece que apenas Eduardo Kuangana percebe os propósitos da fundação do partido cuja matriz étnica é a população da região Lunda.

Nos últimos anos, por conta da “teimosia” do seu presidente vitalício, o PRS perdeu quadros importante­s que acompanhar­am o percurso do partido do embrião ao primeiro parlamento multiparti­dário. Entre os quadros que preferiam a rua a aturar a imposição de Eduardo Kuangana, estão Lindo Bernardo Tito e António Mwachikung­o.

O primeiro anda pela CASA-CE, depois de arrancar uma reforma de deputado vitalícia ainda no PRS. O segundo, também antigo deputado pelo PRS, pode ter accionado o modo hibernar do nada previsível cenário político nacional.

O partido dos “mwatas” nem sempre foi tão pacífico assim. E a convocação dos congressos e a distribuiç­ão dos lugares entre pares foi sempre difícil, com requintes de acusações mútuas, sempre envolvendo a figura do líder, que se valia por ter nos cofres os documentos originais da fundação do partido, e em seu nome. O decano dos conselheir­os da República (desde 1992 a representa­r o partido, com todas as despesas protocolar­es de representa­ção) sempre foi contra qualquer ameaça de tomada do partido, ainda que pela via democrátic­a estatutari­amente definida, por qualquer militante. Mudam as pessoas noutros cargos e lugares do partido. Só não muda no de presidente.

Eduardo Kuangana nunca ensaiou uma transição interna do poder e faz um esforço para manter todos alinhados ao que unicamente ele entende como o rumo certo do partido.

O resultado não podia ser outro senão um presente traduzido em quedas sucessivas do número de deputados em cada ciclo eleitoral. Só em 2012, ficou apenas pelos três deputados. Se a lógica for a mesma, em Agosto pode ser atingido por um raio e, depois, ter de reiniciar o caminho à conquista do que um dia já teve.

Às vezes doente sim, às vezes doente não, Eduardo Kuangana joga sempre com o poder que tem no partido. Desta vez, as listas para o Tribunal Constituci­onal que deviam ser preparadas ao longo dos cinco anos atrasaram e empurraram o partido para a posição de último a apresentar a candidatur­a ao tribunal eleitoral, formalizan­do a sua vontade de concorrer ao desafio de 23 de Agosto. E nem tudo foi pacífico no encontro da comissão política que, surpreende­ntemente, insistiu no “doente andante” como candidato a Presidente da República no dia 23 de Agosto.

O reaparecim­ento de Kuangana revelou que quem manda no PRS é ele, invalidand­o todo o processo eleitoral interno que pretendia escolher um cabeça de lista do partido, em função do hipotético estado de saúde degradante do actual presidente.

A reunião da comissão política nacional do partido do último dia 14 começou antes do meio-dia e prolongou-se até bem perto da madrugada, com muita discussão. Renovou Eduardo Kuangana e trouxe ao cenário político um ilustre desconheci­do que não se chama Sapalo António, João Baptista Ngandagina ou Benedito Daniel que agora parece que ensaiavam um golpe contra o líder incontestá­vel, a olhar pelos 90 votos a favor contra seis. O segundo da lista é só Luís Carlos Luilenga “Explosivo”. Cenário estranho este o dos renovadore­s, mas é o deles.

Pode parecer um bom arranjo interno para Kuangana, que tanto pode entregar a liderança depois do congresso marcado para 29 e 30 de Agosto, indicar e apoiar “Explosivo” ou continuar ele mesmo.

Mas o trio da “tentativa de golpe” (Sapalo, Ngandagina e Daniel) pode estar agora a recolher os cacos para abandonar as suas ambições de um dia dirigir o partido.

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