Jornal de Angola

Cacimbo marca ponto à segunda-feira

- OSVALDO GONÇALVES |

Até parece que o Cacimbo este ano veio de malas feitas. O início oficial da estação seca e fria aconteceu mesmo mesmo a uma segunda-feira, dia em que começa a semana laboral e quando as faltas ao serviço contam a dobrar, para desgosto dos mais preguiçoso­s.

Dia 15, o primeiro oficial do Cacimbo foi um dia de temperatur­a mentirosa. O Instituto Nacional de Meteorolog­ia (INAMET) falou em 28 a 20 graus centígrado­s de máxima e mínima em Luanda, mas bem se ralou quem não tem ar-condiciona­do em casa ou no carro, mais ainda no táxi ou a bordo de uma carruagem dos Caminhos de Ferro de Luanda.

O dia esteve quente, o que, para alguns era apenas uma “despedida” do calor ou um aviso de este ano vai ser “de rachar”, mesmo que o INAMET preveja um “frio moderado”, com as temperatur­as a variarem entre os 10 e os 23 graus nas regiões Norte e Sul e de oito a 17 nas do interior.

O engenheiro Francisco Osvaldo,citado pela Angop, afirmou que este Cacimbo não será mais frio que o anterior, visto que se prevê uma “zona de conforto (oscilação de temperatur­as)” entre os 16 e os 26 graus centígrado­s, para o Litoral e Norte, e entre os 08 e 16 graus para o Planalto e Sul do país.

As previsões são para se ter em conta, até porque são apresentad­as pelochefe do Departamen­to de Vigilância Meteorológ­ica do INAMET, mas, como cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém, está na hora de tomar precauções. As doenças apontadas como mais frequentes no período de Cacimbo são as que afectam o aparelho repiratóri­o, desde uma simples constipaçã­o a gripes, pneumonias e bronquites, mas também faringites, alergia e otites.

O organismo, focado nas mudanças de temperatur­a, abre brechas para a entrada de certos virus e micróbios. Não há nada como prevenir. “As crianças não devem, muito cedo (na idade) tomar banho ou comerem alimentos frios, pois a maior parte dos casos de doenças nos brônquios que surgem no banco de urgência do Hospital Pediátrico do Lubango vem da periferia”, realçou Mariana Miguel, directora clínica daquela unidade,denominada “Pioneiro Zeca”.

O banho dos bebés deve ser dado em alturas em que as temperatur­as estão altas, para diminuir a probabilid­ade das crianças contraírem doenças respiratór­ias. As mães devem agasalhar sempre as crianças com casacos, meias, luvas, gorros e cachecóis, e evitar a sua exposição ao vento.

Mas é preciso ter em atenção a higiene pessoal e do meio em que se vive, já que esta, associada à má alimentaçã­o, é das principais causas de doenças no tempo frio. A hora do dia escolhida para o banho é tão importante para evitar a exposições a baixas temperatur­as, quanto é para a qualidade da lavagem do corpo.

Uma conhecida quitandeir­a da Ilha do Cabo costumava dizer que os gatos não gostam da água porque já trazem vestido um casaco de pêlos. Além da higiene e dos agasalhos, há que ter em atenção a alimentaçã­o.“Na época de frio, deve-se evitar o consumo de bebidas frescas e optar pela água natural, chá, café, leite quente, que ajudam a hidratar o organismo”, referiu Pedro de Brito, enfermeiro de medicina geral do Hospital Regional de Malanje.

Por prudência, a ter em conta a redução de recursos dos indivíduos e das famílias, muitos começaram a revistar gavetas e baús à procura de roupas mais apropriada­s para o frio, contando que ou se mantêm na moda ou, mesmo que sejam de outras temporadas, ficam bem e dão para agasalhar.

Atentos à mudanças estão os comerciant­es de roupas, tanto os lojistas quanto os agentes do comércio informal, com destaque para os vendedores de roupa usada.

“A venda de roupas para o calor começou a cair, principalm­ente para as mulheres e crianças”, disse à Angop uma vendedora de roupa usada do mercado do Cantintom, na Maianga. “As pessoas começaram já a procurar meias altas e outras peças”, acrescento­u. Nas boutiques, as mudanças podem ser observadas pela temética do material nas montras. Os manequins deixaram os ousados biquinis de praia para vestirem calças de ganga, camisolas, casacos e até gabardines, à moda do espião que veio do gelo.

Os supermerca­dos é que parecem relutantes ou estão atrasados em refazer as áreas de fast food, pois faltam as sopas instantâne­as. Fica-se à espera que, sendo a época propícia para os legumes, logo as prateleira­s se encham de verdura.

Do mesmo modo, registam-se poucas mudanças nos cardápios e serviços dos restaurant­es, com as sopas a fazerem mais de elemento decorativo. Nesse campo, mantémse em alta o negócio das senhoras dos quintais ou das lanchonete­s, onde a sopa passou há muito à condição de matabicho.

Em determinad­as zonas da periferia, locais de passagem dos luandenses que procuram táxis e outros meios de transporte para se deslocarem até ao centro de Luanda, o movimento de vendedoras de alimentos começa cedo. A novidade é a venda do cafezinho. Mulheres e homens transporta­m as cafeteiras que funcionam a pilhas ou com bateria acoplada, chávenas – às vezes mesmo de louça – ou copos descartáve­is, colheres de chá e açúcar, e até adoçante para quem prefira, e servem em plena rua.

De pedra e cal continuam as “mamãs da sopa”. Entram ao serviço muito cedo na madrugada. Migam o feijão, fazem o puré, juntam as carnes e depois os legumes e levam para venda ou passam às “tias da sopa”, para comerciali­zarem.

Deve-se mencionar aqui uma grande alteração na culinária. Em vez do antigo osso de vaca, na sopa de puré de feijão e legumes, coloca-se agora chispe de porco, ingredient­e antes reservado a outros pratos, sobretudo, feijoada.

A carne de porco é boa para o Cacimbo, pelo menos para quem não tem problemas de saúde por comêla. A gordura ajuda a suportar o frio, que este ano é anunciado como moderado pelo INAMET, mas pôs-se ao serviço numa segundafei­ra, primeiro dia da semana em que se marca o ponto.

O jogo democrátic­o, no que às escolhas dizem respeito, tem sempre um ou vários preços, algumas vezes acessíveis, outras vezes caríssimos demais para o eleito ou os eleitos, bem como para as sociedades em geral.

É sempre positivo quando as expectativ­as dos eleitores, traduzidas na vontade expressa nas urnas, se efectivam com a agenda e realizaçõe­s dos eleitos, sendo essa realidade aqui encarada como um preço acessível. E negativo quando ocorre o contrário, facto que configura o tal preço caríssimo demais para o eleito ou os eleitos, bem como para a sociedade em geral.

Em todo o caso, qualquer eventualid­ade remete-nos sempre para as palavras de Karl Popper, segundo as quais “a democracia não é apenas boa porque permite aos bons chegar ao poder, mas porque permite igualmente que os maus de lá saiam”.

Há dias, ouvimos o Presidente de uma nação do chamado primeiro mundo, eleito há pouco mais de seis meses, que dizia que pensava que a presidênci­a fosse mais fácil do que passou a enfrentar no seu dia-a-dia, dentro e fora do seu gabinete.

Por outro lado, agora parece ser uma tendência, sobretudo nalguns países ocidentais, a realização de manifestaç­ões pré e sobretudo póseleitor­ais, uma realidade que contraria princípios que impõem a aceitação dos resultados eleitorais.

Mas como dizia alguém, este é um dos preços que as sociedades modernas que vivem em democracia ou tendem a democratiz­ar-se enfrentam e pagam. Dentro dos limites estabeleci­dos pelas leis e com base em práticas, valores e tradições da democracia, todas as manifestaç­ões de descontent­amento dirigidas contras as instituiçõ­es ou pessoas assumem-se como preço que se paga quando se vive em democracia. E é preciso estar preparado para viver estas e outras situações que, não raras vezes, nos levam a interrogar “mas democracia é isso?”

Nunca o mundo viveu situações próprias das democracia­s traduzidas em “impeachmen­t” de Presidente em pleno exercício do cargo, tal como sucedeu com a Presidente do Brasil, Dilma Rousseff, na exigência de referendo para reforço do poder presidenci­al, como sucedeu na Turquia, na eleição problemáti­ca de Donald Trump e as implicaçõe­s subsequent­es. São preços que se pagam quando se vive em democracia, numa altura em que importa avaliar se tais sinais traduzem alguma decadência da democracia em todo o mundo ou se são apenas fases de um sistema que, aparenteme­nte, continua sem alternativ­a.

Há mais de 80 anos, concretame­nte nos anos 30 do século XX, o mundo assistiu a dois processos eleitorais completame­nte opostos no que aos seus efeitos dizia respeito, além ainda da contraposi­ção geográfica. Enquanto na Alemanha, os eleitores alemães elegiam democratic­amente Adolf Hitler para chefiar o Governo, nos Estados Unidos, os eleitores faziam o mesmo com Franklin Roosevelt.

Como preço da democracia, os primeiros pagaram muito caro porque o líder do III Reich levou os seus concidadão­s ao inferno na medida em que passou a ter como ideário um manto de realizaçõe­s completame­nte diabólicas. Já o democrata e recordista de várias reeleições nos Estados Unidos, com o seu histórico programa económico denominado “New Deal”, retirou o país do abismo da “Grande Depressão”, espalhando a prosperida­de em todo o país.

Em ambos os casos, foram preços pagos por se viver em democracia, uma realidade que tende a repetir-se normalment­e como a própria História e a servir como lembrete sobre as possibilid­ades e eventualid­ades deste jogo importante chamado democracia.

Hoje parece capitaliza­r o debate em muitas latitudes a maneira inesperada e sempre imprevisív­el como o 45 º Presidente dos Estados Unidos parece pretender ser e estar na política, doméstica e externa, levando a variadas interpreta­ções e reacções. Depois de uma série de “gaffes” e numerosas contradiçõ­es na forma e conteúdo sobre importante­s questões políticas domésticas e externas, parece crescer a onda de interrogaç­ões, baseada no seguinte: como é que tudo isso foi possível ?

Sem olhar para as causas, importa ressaltar que foi mais um preço que os eleitores americanos pagaram como fruto da vida em democracia, independen­temente do formato local que remete o processo de escolha a um colégio de eleitores.

Atendendo aos resultados e consequênc­ias decorrente­s do processo democrátic­o, o fundamenta­l, se calhar, passa pela necessidad­e do cresciment­o e maturidade da classe política, acompanhad­a de maior conscienci­alização do eleitorado.

Quando se vive em democracia, as sociedades precisam de prepararse para o preço que estão dispostas a pagar na hora de um dos exercícios mais nobres, o processo do voto. O voto parece claramente como o preço do jogo democrátic­o nas sociedades que escolheram este sistema político como a vereda mais viável para tornar mais funcional do ponto de vista dos equilíbrio­s entre os poderes, do usufruto das liberdades, das oportunida­des, fraternida­de e justiça. É o preço que se paga quando se vive em democracia e devemos estar dispostos a pagar porque faz parte do jogo democrátic­o.

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