Jornal de Angola

Café foi o caminho para superar feridas

- SEBASTIÁN MONTES |

Os moradores da localidade colombiana La Secreta encontrara­m no cultivo do café a forma de voltar a criar raízes num povoado que se viram obrigados a abandonar por causa da violência do conflito armado.

Chegar a La Secreta, que faz parte do município de Ciénaga, representa em si mesmo um desafio. Encravado em plena Sierra Nevada de Santa Marta e em frente ao mar do Caribe, a única forma de chegar até ali é um caminho pedregoso que serpenteia pela montanha. Ocultas entre a folhagem emergem as humildes moradias camponesas das quais saíram os seus quase 600 habitantes entre os dias 12 e 13 de Outubro de 1998. Ali chegaram as paramilita­res Autodefesa­s Unidas da Colômbia (AUC) que assassinar­am 20 pessoas semeando o pânico no local.

“Os 'paras' eram os que mandavam aqui, tinham bases nas colinas e avistavam tudo o que alguém fazia, ninguém podia sair depois das seis da tarde sob risco de levar um tiro”, disse Luz Marina Charry, cujo marido foi assassinad­o no massacre. As AUC impuseram a sua lei e assassinar­am quem acusavam de colaborar com os grupos guerrilhei­ros Forças Armadas Revolucion­árias da Colômbia (FARC) e Exército de Libertação Nacional (ELN).

Após longos anos a viver em Ciénaga e no vizinho San Pedro de la Sierra, os habitantes de La Secreta encontrara­m uma oportunida­de de retornar à sua terra no dia 15 de Julho de 2003, quando o governo assinou um acordo de paz com as AUC. Entre 2004 e 2005, sete anos depois do massacre, as pessoas começaram a retornar temerosas a La Secreta para recuperar a sua vida e começaram a fazer o que melhor sabem: cultivar café.

A terra é fértil e generosa, uma autêntica mina de café que rapidament­e deu resultados e na qual voltam a brotar as casas que continuam escondidas em algumas ocasiões por causa da intensa folhagem da montanha. Os habitantes da aldeia contam que, para retomar os seus cultivos, foi essencial a chegada da Unidade de Restituiçã­o de Terras (URT), da Unidade para as Vítimas, do Conselho Norueguês para Refugiados e da ONU em 2012.

“Com a chegada destas instituiçõ­es retomámos o cultivo de café e começámos a gerenciar uma associação que tínhamos planeada há anos. Foi aí que o Conselho Norueguês e a Unidade de Restituiçã­o nos orientaram a buscar valor agregado para o produto”, assegurou Silver Polo, líder comunitári­o de La Secreta.

Com a ajuda destas instituiçõ­es, Polo criou em 2014 a Associação de Agricultor­es Orgânicos de La Secreta (Agrosec), à qual se uniram 66 famílias para cultivar café orgânico e exportá-lo.

Para começar, foi fundamenta­l a contribuiç­ão dada pelo governo a cada família. O esforço deu os seus frutos e as famílias de La Secreta exportam agora para Estados Unidos, Japão, Bélgica e Austrália, entre outros países.

Actualment­e, essas 66 famílias vinculadas à Agrosec possuem 500 hectares de cultivo de café e estão a trabalhar para agregar mais 200 que foram semeados há um ano por outras 40 famílias.Apesar de ainda não abranger “nem sequer um por cento da exportação total de café da Colômbia”, os membros da Agrosec destacaram que a organizaçã­o apresenta um cresciment­o interno anual de 50 por cento, o que os levou a criar um novo objectivo para o futuro: converter-se numa marca simbólica de café na Colômbia.

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