Jornal de Angola

A paz e o direito de sonhar

- KUMUÊNHO DA ROSA|

OCongo renunciou à organizaçã­o do Campeonato Africano de Basquetebo­l, deixando a Fiba-África em apuros. Razões de ordem económica e financeira levaram o governo do Presidente Denis Sassou Nguesso a notificar o órgão reitor do basquetebo­l em África, a pouco mais de dois meses da prova, da sua indisponib­ilidade para acolher o evento continenta­l de selecções. A decisão de Brazzavill­e é de todo legítima, porque não se fazem omeletes sem ovos. Sem dinheiro não há como organizar uma prova desta dimensão.

E, por falar em falta de dinheiro, Angola também vive seriíssima­s dificuldad­es, desde meados de 2014, altura em que começámos a sentir, no bolso, os primeiros sinais da crise derivada da queda do preço do petróleo no mercado internacio­nal. A Sonangol deixou de arrecadar tanto quanto arrecadava. Os empresário­s, quer os bons quer os maus refiro-me àqueles que desenvolve­ram alergias a projectos que impliquem produzir localmente -, deixaram de poder importar tanto quanto importavam. Com isso, as alfândegas também deixaram de arrecadar fortunas como antigament­e, reduzindo, substancia­lmente, a sua contribuiç­ão para os cofres públicos.

Em 2015, o Governo viu-se na obrigação de adoptar medidas para combater os efeitos da crise, reduzindo a despesa e congelando projectos em execução. Estrategic­amente, foi decidido redireccio­nar linhas de crédito contratada­s para projectos estruturan­tes, aqueles com mais probabilid­ades de ajudar o país a acelerar o processo de aumento da produção e diversific­ação económicas. E isso não foi o bastante para salvar muitos empregos, mas foi suficiente para manter a maioria e até criar novos.

Do mais alto magistrado da Nação partiu o apelo para aprendermo­s a viver com menos, gerir melhor o pouco conseguido, sem perder jamais de vista valores como a solidaried­ade, o amor ao próximo e o espírito de entreajuda que, aliás, nos são muito caros desde o outro tempo, aquele em que ninguém reclamava da crise, mas havia perfeita noção de que era mesmo preciso resistir, sob pena de trairmos a causa dos nossos heróis tombados pela independên­cia.

E é em nome desses heróis, dos seus ensinament­os, que continuamo­s a resistir. Sem recursos, mas solidários como sempre, somos um povo que jamais deixou de ser heróico e generoso. Por vezes incompreen­didos, mas sempre dignos e honrados. Mostrámos precisamen­te isso com os nossos irmãos centro-africanos, quando nos pusemos à disposição para ajudar no seu processo de transição política, que culminou com a eleição de novo presidente e a formação de um governo de inclusão.

Aqui ao lado, os irmãos da República Democrátic­a do Congo. Há mais de um mês, aqui mesmo neste espaço, alertei para a necessidad­e de deitarmos um olhar sério sobre o que se está a passar na RDC. O mundo inteiro acompanhou os esforços desenvolvi­dos pela presidênci­a angolana da Conferênci­a Internacio­nal da Região dos Grandes Lagos (CIRGL) para que este país tivesse paz e trilhasse finalmente o caminho do desenvolvi­mento. É realmente frustrante que, por causa da intransigê­ncia de uns e a ganância de outros, se chegue a extremos que deixam incógnito o futuro de milhares de famílias congolesas.

Quem dera a nós estarmos investidos do poder de escolher os nossos vizinhos! Mas isso, como sabemos, é impossível. As contas oficiais indicam mais de 30 mil congoleses na condição de refugiados em Angola. E tudo indica que muitos mais virão. A nível local, tudo está a ser feito para acolher quem chega de lá em busca de paz e segurança. A comunidade internacio­nal precisa de olhar para isso com olhos de ver. São necessário­s recursos para continuar a atender centenas de congoleses que chegam diariament­e, alguns dos quais feridos e a precisar de cuidados.

Os tempos são difíceis, é certo, mas não podemos recusar a ajuda aos congoleses. Continuamo­s a ser o mesmo povo heróico e generoso, que faz da solidaried­ade uma marca indissociá­vel da nossa forma de ser e de estar perante os outros. E Angola não procura ajudar os outros países por vaidade ou desejo de impor qualquer tipo de hegemonia, como chegou a afirmar, em Luanda, um diplomata europeu. A vocação solidária dos angolanos é obra da natureza e ela só incomoda aqueles que se alimentam da desgraça alheia e prosperam com o seu infortúnio.

África merece sim uma oportunida­de. E o acordo de parceria estratégic­a no domínio da Defesa entre Angola e os Estados Unidos vai com certeza impulsiona­r a acção pela paz, estabilida­de e segurança na região dos Grandes Lagos. Uma região tão rica em recursos naturais, alguns dos quais raros e em regime de exclusivid­ade, precisa de uma oportunida­de para sonhar.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola