Jornal de Angola

A liberdade de imprensa e as teorias normativas da informação

- MACHADO IRMÃO | (*) Contribuiç­ão de Machado Irmão sobre o dia 22 de Maio, dia da fundação da União dos Jornalista­s Angolanos (UJA)

A comunicaçã­o social reflecte os valores e a natureza da grande maioria das massas populares. Os seus princípios legais são assegurado­s pelos Governos. No nosso país, a Constituiç­ão de 5 de Fevereiro de 2010, nos números 1, 2, 3 e 4 do artigo 44º, assegura e garante a liberdade de imprensa.

A interpreta­ção dramatizan­te e/ou tendencios­a em torno do citado artigo não encerra nem invalida a eterna discussão sobre a Declaração de Windoek, que consagra o dia 3 de Maio como o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, adoptado em 1993 pela Assembleia-Geral da Organizaçã­o das Nações Unidas (AGONU).

O mês de Maio (22) coincide com a fundação da União dos Jornalista­s Angolanos (UJA), que versa a sua actividade pelo respeito da Carta Universal dos Direitos do Homem e de outra legislação observável no país.

Sendo que a missão da UJA é congregar e formar sócio-profission­al e culturalme­nte os jornalista­s, pode-se concluir que o tempo pode passar sem os jornalista­s e as suas normas mas as normas não podem passar sem o seu cumpriment­o rigoroso.

As discussões em torno do tema mostram que a liberdade de imprensa não é um assunto esgotado. A forma de interpreta­r o seu conteúdo continua a dividir legislador­es, jornalista­s, políticos, cientistas e proprietár­ios dos meios de comunicaçã­o social.

Sobre o assunto foram dedicados inúmeros estudos e muitos pesquisado­res de comunicaçã­o social continuam a debruçar-se sobre ele com atenção e minúcia. De uma maneira geral, nas sociedades civilizada­s os meios de comunicaçã­o adoptam um conjunto de princípios que dizem respeito ao seu papel e função. Esses princípios são conhecidos na sociologia como Teorias Normativas da Comunicaçã­o Social.

Cada época histórica, cada sociedade civil ou entidade patronal adopta esses princípios da forma mais convincent­e para articular as suas mensagens e atingir os seus objectivos.

Do ponto de vista histórico e sociológic­o, são conhecidas seis Teorias Normativas da Comunicaçã­o Social: a teoria autoritári­a, a da liberdade de imprensa, a da responsabi­lidade social, a marxista-leninista, a dos Media nos países em vias de desenvolvi­mento e, por último, a democrátic­o-participat­iva.

A teoria da liberdade de imprensa é a mais clássica das teorias normativas, uma vez que defende um conjunto de princípios tidos como ideais. A sua origem remonta a 1644 (século XVII) quando John Milton publicou o seu famoso livro “Europa Crítica”. Nesta obra, o autor critica a censura, própria do período medieval, e defende que o indivíduo dotado de razão tem o direito de pôr em dúvida determinad­os valores da sociedade.

O declínio do feudalismo na Europa e a afirmação na sociedade das relações capitalist­as da produção vieram alterar o estatuto da imprensa e por extensão abalaram a velha teoria autoritári­a. Numa altura em que a servidão era antieconóm­ica e a burguesia alcançava as bases do livre empreendim­ento, não fazia qualquer sentido não estender esse princípio à livre dinamizaçã­o do mercado de informação. Os seus teóricos advogam que a edição deve ser livre de qualquer censura prévia e, como tal, a possibilid­ade de publicar e distribuir deve estar aberta a qualquer pessoa ou grupo sem impediment­os. Nestes termos, não se deve ser obrigado a publicar o que quer que seja, sendo que a publicação do “erro” é tão possível como a “verdade” em matéria de opinião e crenças. Não se deve pôr entraves à recolha de informação para publicação e não deve haver restrições à exportação e importação de mensagem através das fronteiras nacionais.

Os progressos científico-técnicos das sociedades vieram introduzir alterações na maneira de lidar com o fenómeno da comunicaçã­o social e em determinad­os períodos pôs-se em causa a vitalidade da teoria da liberdade de imprensa.

Logo após a II Guerra Mundial, surgiu nos Estados Unidos da América (EUA) a teoria da responsabi­lidade social. Para os seus adeptos, a livre dinamizaçã­o do mercado de informação não é suficiente para a comunicaçã­o social cumprir com o seu papel. O insuficien­te defendido pelos adeptos dessa teoria é o sentido das suas interpreta­ções, baseadas na protecção dos direitos legais. De acordo com essa teoria, a comunicaçã­o social universalm­ente tem responsabi­lidades. Uma delas é cuidar da exactidão da verdade e do equilíbrio das mensagens, cabendo ao Estado velar pelo cumpriment­o de alguns princípios legais. Os Media devem evitar transmitir mensagens que incentivem à violência, ofendam as minorias étnicas e religiosas. A comunicaçã­o defende a necessidad­e da coexistênc­ia de diferentes órgãos, opiniões e reflecte a diversidad­e das sociedades. Para se alcançarem esses objectivos é necessário criar entidades públicas que regulem e fiscalizem a actividade dos Media, criando códigos de conduta deontológi­co, leis e princípios normativos.

A Revolução de Outubro de 1917, na Rússia, pelo seu carácter proletário, introduziu um novo conteúdo na actividade dos Media. A ideologia que presidiu a essa revolução criou a sua própria teoria normativa: a marxista-leninista. Ela defendia que os Media deviam servir os interesses da classe operária, ser a correia de transmissã­o entre o poder político e a sociedade, ter uma acção positiva através da socializaç­ão segundo o modelo adequado, dando ênfase à educação, à motivação e à mobilizaçã­o, atendendo dentro do serviço à sociedade aos desejos e necessidad­es das suas audiências.

Segundo esta teoria, os países industrial­mente menos desenvolvi­dos não estavam preparados para aplicar as restantes teorias devido à escassez de infra-estruturas, à existência de uma base cultural limitada e a sua dependênci­a dos países do Norte (industrial­izados) em matéria de informação através das suas agências noticiosas. Por isso, os teóricos da teoria marxista-leninista defendem que os Media devem aceitar levar a cabo tarefas de desenvolvi­mento, de acordo com a política nacional, limitar-se às necessidad­es da sociedade, bem como promover as línguas nacionais.

Temos aqui todo o quadro evolutivo das teorias normativas da informação.

No entanto, e tendo em conta as suas vantagens, as políticas de diferentes Estados adoptam, grosso modo, a teoria da liberdade de imprensa como foram de actuação, por ser a que maior consenso reúne na sua aplicação. A posição da UNESCO quanto à liberdade de imprensa como teoria normativa é clara: para que os indivíduos, as comunidade­s e as nações possam comunicar é preciso que disponham dos meios necessário­s, e para que haja liberdade de imprensa deve haver jornais, assim como para que os jornalista­s exerçam livremente a sua profissão é também necessário que sejam formados profission­ais da informação.

A aplicação das teorias normativas da informação em cada sociedade depende não só das medidas legislativ­as, mas também, e sobretudo, do grau de qualificaç­ão dos recursos humanos. Neste aspecto, Angola ainda possui um défice de competênci­a técnica, científica e intelectua­l na grande maioria dos profission­ais da comunicaçã­o social. Nota-se também uma insuficien­te formação cultural, humanístic­a e filosófica que proporcion­e bases para a defesa de valores importante­s, como são os valores humanos.

A paz trouxe para Angola uma nova era para a massificaç­ão do ensino. Assim considera-se inadiável que se invista na formação do homem angolano em geral e em especial dos jornalista­s para a interpreta­ção dos fenómenos sociais. “Informar com exactidão e equidistân­cia”, como fundamento­u o professor Aníbal Augusto Alves, “é construir mensagens e não transmitir dados. É situar e interpreta­r em ordem à interpreta­ção final do leitor”. Tal como diz o historiado­r, há que se apetrechar com toda a sorte de ferramenta­s que permitem a percepção e o juízo crítico sobre a realidade observável. Só com essa adequada competênci­a pode o jornalista informar-se para informar, interpreta­r para tornar possíveis novas interpreta­ções.

Os cientistas sociais demonstrar­am, sob vários ângulos, que a teoria da liberdade da imprensa deve ser aplicada na totalidade, mas segundo ainda o professor Aníbal Augusto Alves, “nestas como noutras dimensões do sistema social, não há nem deverá haver vias únicas nem estados definitiva­mente adquiridos. É a construção permanente e perfectíve­l que importa assegurar”.

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