A chave inglesa é sueca
Dia 6 de Junho, com o cacimbo a esfriar a pasta de papel com que a noite se recicla, fomos à casa do ilustre embaixador sueco, Lennart Larsson, para comemorar o Dia daquele país, que conhecemos por associação com a marca do automóvel Volvo e as célebres navegações dos Vikings.
Após os cumprimentos da praxe diplomática, encontro no quintal da residência dois compatriotas, meus conhecidos de longa data, com os quais fui batendo aquele papo que exalta, forçosamente, a perplexidade existencial de quem viveu profundamente os últimos 60 anos da história de Angola.
Vieram os salgados regados com o que mais apeteceu a cada boca, e veio o discurso do embaixador. Afinal, estas ocasiões valem de verdade quando o anfitrião prepara o melhor vinho para o fim: uma fala cheia de riqueza verbal.
Pela boca de Lannart Larsson ficámos a saber que o 6 de Junho é celebrado na Suécia por ser o dia em que Gustav Vasa foi coroado rei em 1523. Sobre a cooperação bilateral com Angola, o embaixador recordou que existe “uma relação muito forte que começou durante os anos de sessenta. Durante a luta pela independência em Angola, a Suécia já tinha uma relação estreita com os movimentos de luta pela independência.”
O embaixador não disse, mas vale aqui recordar a luta do povo sueco contra o apartheid e a morte, em circunstâncias inexplicáveis, do primeiro ministro Olf Palme à saída de um cinema, em 1986, ele que foi um acérrimo oponente dos colonialistas e escravistas boers.
Hoje, a Suécia e Angola continuam irmanadas num processo de relacionamento mútuo que passou da assistência humanitária durante a guerra pós-independência, para o apoio à diversificação da nossa economia.
Porém, a parte mais interessante e didáctica da fala do embaixador foi a resenha do contributo inventivo do povo sueco para o bem-estar da Humanidade.
“A primeira geleira foi inventada por um sueco.
Você pega num sumo, leite, manteiga, iogurte. Muitos dessas pacotes foram inventados e mesmo feitos por uma companhia sueca que se chama Tetrapak.
De seguida você está comendo e de repente o telemóvel toca! Ou alguém está mandando um sms! O primeiro telemóvel foi uma invenção de uma empresa sueca – Ericsson”, disse Larson.
Os suecos também inventaram o fecho de correr (zíper), o rato do computador, a chave ajustável. “Invenção sueca. Às vezes, aqui se chama uma chave inglesa, mas é uma invenção sueca”, esclareceu o embaixador, que continuou:
“Você vai para o carro – não é uma surpresa, é um carro sueco, o Volvo – e coloca o cinto de segurança inventado na Suécia.
Você tem um encontro num endereço que você não conhece muito bem – por isso coloca o endereço no sistema GPS no carro – GPS inventado na Suécia.
Andando na rua, percebe que precisa de dinheiro e passa por um ATM/Multicaixa. O primeiro Multicaixa foi feito por um sueco. (...)
No trabalho você precisa de fazer uma ligação para fora do país. Provavelmente você usa o Skype – mais fácil e mais barato – também uma invenção sueca.
Ao mesmo tempo você percebe que esqueceu o cabo do telemóvel e o aparelho de som. Nenhum problema, você tem Bluetooth – uma conexão/ligação sem fio – uma invenção sueca.
Depois, voltando para casa, escutando notícias de rádio, ouve falar dum acidente. Uma pessoa ficou gravemente ferida e precisava uma máquina de diálise – uma invenção sueca, também.
A pessoa ferida vai sobreviver – ainda bem. Uma outra pessoa foi também ferida mas não tão gravemente. O médico faz uma cirurgia usando anestésicos locais de xilocaína – invenção sueca.
O menino que também estava no carro de acidente está bem – ele usou uma cadeira de criança virada para trás – também invenção sueca.
Tudo bem, chegando a sua casa acontece o que não pode acontecer. A luz apaga e a energia eléctrica falha. Tudo bem, você pega seus fósforos de segurança – uma outra invenção sueca.”
O embaixador continuou falando da criatividade do seu povo, que inventou o rolamento de esferas, o aspirador de pó, o fogão-primo, a dinamite (pelo sueco Alfred Nobel, que tem o prémio mais prestigiado do mundo com o nome dele.
Quando saí do jantar comemorativo do Dia da Suécia, lembreime de um outro jantar de aniversário onde estive dias antes e conde a conversa se centrou na crise económica com um aceso debate sobre a importância da subida do preço do petróleo para o relançamento da economia angolana. Então, concluí o que me ficou por dizer nesse aniversário de família: que a economia angolana não depende da subida do preço do petróleo, depende da capacidade inventiva dos angolanos, dos técnicos médios e de base industriais, dos intelectuais e cientistas de qualidade que conseguirmos formar e a quem devemos tratar com a devida consideração e compensação material. Foi assim que a Suécia, que não tem o nosso petróleo, se tornou num país muito rico e abençoado pelo bem-estar e o progresso social.