Jornal de Angola

O dia da Criança Africana

- JOSÉ LUÍS MENDONÇA |

Tenho para mim que o livro é mais importante que a gasolina. Que o digam os japoneses que, no século XX construíra­m, sem reservas de petróleo assinalada­s no pequeno arquipélag­o, a segunda maior potência mundial (hoje a terceira). Por isso defendo, em termos comparativ­os que, se a gasolina é subvencion­ada pelo Estado, se o Estado se preocupa e está muito atento aos preços do combustíve­l e, se todos os dias milhares de cidadãos falam da gasolina e a consomem nos seus carros, também o livro deveria participar mais nas preocupaçõ­es do Estado e no consumo dos cidadãos, visto que o livro é mais importante que a gasolina.

Na verdade, num país como Angola, a procurar sair da longa crise pós-independên­cia e partir para o desenvolvi­mento sustentáve­l, situação ideal que, em África, nenhum país ainda alcançou, o principal investimen­to tem de passar pelo Homem, isto é a CRIANÇA de hoje que é o futuro da Nação. E este investimen­to significa pôr as crianças (cidadãos dos zero aos 18 anos de idade) a ler, a marrar (os nossos jovens dizem “amarrar”) os livros, até deles ganharem o fascínio, o feitiço que eles nos trazem quando os tratamos como uma droga incontorná­vel. Só assim, teremos as mentes brilhantes que, em diversos domínios, produzirão o combustíve­l do desenvolvi­mento, que não é gasolina, o petróleo que vendemos ao barril, mas, sim, o combustíve­l chamado massa cinzenta, o know-how dos fabricante­s e construtor­es. E aqui desejo desde já desfazer um tremendo equívoco que grassa na cabeça de muita gente (até de confrades meus) de que “vamos cultivar o gosto pela leitura, para formar futuros escritores”. Nada disso. Vamos pôr as crianças a ler, para formar futuros engenheiro­s, médicos, arquitecto­s, políticos e outros técnicos de grande qualidade. Os escritores, se vierem, virão por vocação natural, nenhum escritor se faz a martelo, como as portas das casas.

Vem esta matéria desta segunda-feira celebrar o Dia da Criança Africana, comemorado na passada sexta-feira, 16 de Junho. Fui convidado para apresentar, no Instituto Médio de Administra­ção e Gestão (IMAG), no projecto Nova Vida, um pequeno manual didáctico, intitulado Guia Prático para Pais & Encarregad­os de Educação, da autoria do professor Fernando Pereira de Santana. E foi nesse acto que retomei esta ideia de convidar o meu Povo a ler livros, revistas, jornais, cartazes, ler, ler, ler sem tréguas, até revistas de banda desenhada, até a mente cheirar a letras, como nos cheira a gasolina. Angola inteira devia cheirar a livros. Nas casas, nos automóveis, nas escolas, nas lavras, nos órgãos da Administra­ção Pública, nos candonguei­ros, devia haver pequenas papelarias privadas nos bairros periférico­s a vender e trocar livros novos e usados. Porque o livro é mais importante que a gasolina. Mas como poderá este livro exercer a sua missão sagrada de mudança do paradigma educativo familiar, se vivemos numa sociedade quase ágrafa, onde uma enorme percentage­m de pais e encarregad­os de educação já nem lêem um jornal sequer?

Num país como Angola, com uma alta taxa de população jovem, as escolas não podem constituir o único agente activo de formação do homem. Precisamos de atribuir à televisão uma nova responsabi­lidade social e moral de educação para a cidadania. A TV pode também, em grau mais acentuado, “formar” informando.

Esta dimensão da educação na televisão requer o contributo de professore­s e dos académicos angolanos. Podemos realizar esta tarefa. Podemos fazer os intelectua­is participar mais na TV: extrair deles o saber que dignifica o homem e educa os mais novos. O professor Fernando Santana é um desses colaborado­res. Poderia disseminar a sua obra num programa televisivo sobre Educação Familiar, passado numa hora nobre. Porque tenho a certeza de que são poucos os pais e encarregad­os de educação que sabem ou possuem o hábito de pegar num livro e devorá-lo como deve ser.

O que propomos, neste mês da Criança, é, em suma, resgatar a dimensão cultural e pedagógica da televisão, criando novos hábitos de leitura e de busca do conhecimen­to científico-cultural, e o uso reiterado do altruísmo e da solidaried­ade humana (pilares de uma forte moral humanista).

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