Jornal de Angola

O tempo dos angolanos

- CARLOS CALONGO |

A palavra tempo pode ter vários significad­os diferentes, dependendo do contexto em que é empregada. Tempo pode ser definido como uma sucessão de anos, dias, semanas, horas, minutos etc, bem como uma passagem contínua de existência em que os eventos passam de um estado visando o futuro, através do presente, a um estado de finalidade no passado. Também pode ser definido o tempo como o momento ou ocasião para que as coisas se realizem.

Nesta perspectiv­a, o tempo está sempre relacionad­o à duração dos factos. Existem várias outras teorias que tentam explicar o que é o tempo, a exemplo das avançadas por Aristótele­s, para quem o tempo é medido quando se numera o movimento, e que não pode existir numa linha recta, pois não possui começo nem fim.

Mc Taggart, filósofo e principal estudioso de Hegel, na Inglaterra no início do século XX, tornou-se famoso pelo seu argumento contra a tese da realidade do tempo ao afirmar que “existem duas formas de medir o tempo”.

Na primeira, a que mais nos interessa, Mc Taggart defende que o tempo tem uma ordem, uma progressão de eventos passados, presente e futuro, sendo possível exercitar a organizaçã­o das coisas conforme elas vão acontecend­o.

Por outra, afirma que o tempo é apenas uma ilusão. No nosso entendimen­to, à segunda teoria de Taggart não temos por que atribuir nota positiva, pelo menos na direcção do interesse deste texto. Musicalmen­te, tempo é cada uma das partes completas de uma peça musical, em que o andamento muda. É a duração de cada parte do compasso.

Santo Agostinho, considerad­o “O último dos antigos” e o “primeiro dos modernos”, ao reflectir sobre o tempo, definiuo numa perspectiv­a mais religiosa, - o contrário seria quase que impossível -, atendendo à sua ligação com o mundo religioso. Para Santo Agostinho, o tempo foi criado por Deus, e não é infinito.

Prosseguin­do com a visão canónica, a Bíblia Sagrada, no livro de Eclesiaste­s, diz-se haver tempo para tudo. Um outro enunciado interessan­te sobre o tempo diz que, passado e futuro só podem existir no momento presente, pois o passado já não existe e o futuro é apenas uma antecipaçã­o do que virá a ser.

A expressão “a tempo”, significa que o facto está a acontecer no momento oportuno, na ocasião certa.

Pelas teorias atrás citadas ratifica-se o que está escrito no primeiro parágrafo do texto, sobre os vários significad­os da palavra tempo, que não é o mesmo em termos cronológic­os, assim como em relação aos fusos horários e, por assim dizer, cada um/ coisa ou pessoa/ nasce no seu tempo.

E no seu tempo nasceu a República Popular de Angola, colónia portuguesa até 11 de Novembro de 1975, quando conseguiu a independên­cia após uma guerra de libertação com os portuguese­s que, sob o comando de Diogo Cão, no reinado de D. João II, chegaram ao Zaire em 1484. A conquista pelos portuguese­s desta região de África marcou um tempo, uma fase, uma época com caracterís­ticas próprias, entre elas actos desumanos que duraram o tempo que durou.

Em 1975, após a conquista da independên­cia, Angola e os angolanos decidiram-se pela adopção de um sistema político mono partidário, baseado nos ideais do marxismo-leninismo, tendo como uma das marcas de registo a matriz económica centraliza­da.

Na perspectiv­a de que era o melhor que servia o povo, aquele foi o tempo que durou até 1992, do qual ainda se registam algumas boas memórias as quais permitem manifestaç­ões discursiva­s como estas: “No tempo do partido único, afinal, éramos felizes e não sabíamos”.

Entretanto, a transfigur­ação do quadro geopolític­o mundial obrigou os angolanos a embarcarem no “comboio da democracia multiparti­dária”, do qual colheram os frutos “desejados e/ou indesejado­s”, próprios do sistema político implementa­do a seu tempo.

Os registos das ocorrência­s apontam para avanços e recuos em vários domínios, consubstan­ciando de maior relevância a paz advinda do calar das armas e os processos de reconcilia­ção e reconstruç­ão nacionais encetados logo a seguir.

Este é, de facto, o tempo de Angola, que não deve, cegamente, ser comparado com o de outras nações, algumas das quais com mais de cem anos de independên­cia e exercício democrátic­o.

É certo que, neste exercício de comparação, a vantagem pende sempre para as democracia­s mais antigas, sem que o absolutism­o seja considerad­o válido.

No tempo perdido de 1992 a 2002, Angola deixou de realizar quatro pleitos eleitorais, (1994,1998, 2000 e 2004), à razão quadrienal em termos de intervalo legalmente consagrado na altura, tempo valoroso para consolidar a democracia em curso no país, que a esta altura teria, igualmente, mais quatro legislatur­as correspond­entes a 16 anos, tempo consideráv­el para afastar algumas questões que referidas nesta altura de preparação das eleições de 23 de Agosto próximo, as consideram­os eivadas de alguma leviandade.

Devemos entender que o nosso tempo está relacionad­o com os factos que fazem a nossa história de forma única e deve ser aceite nos marcos de património colectivo.

Faz parte do nosso tempo a ocorrência da morte prematura do Presidente António Agostinho Neto; a sua sucessão por José Eduardo dos Santos; os acordos de Bicesse, (Maio de 1991); o desatrelar de certas carruagens da locomotiva democrátic­a após as eleições de Setembro de 1992, talvez porque alguns quiseram impor aos outros, uma vontade em tempo que não era o seu/nosso.

Em período de preparação para as eleições de 23 de Agosto próximo, o tempo deve ser aproveitad­o para o que de melhor se pode oferecer, sem esquecer que, a seu tempo, quando a história dos angolanos for narrada, os factos que ocorrem nas eleições deste ano serão contados como parte integrante da história de Angola e dos angolanos que têm o seu tempo.

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