Jornal de Angola

Ascensão e queda de Apolo

- OSVALDO GONÇALVES |

Quando vi pela primeira vez uma imagem de Apolo, o deus greco-romano, fiquei desiludido. Como podia um ser tão poderoso ter um órgão sexual tão pequeno? Os pintores e escultores da Antiguidad­e faziam questão de reproduzir Apolo nu. Quando muito, cobriam-no com um véu, que, entretanto, deixava à mostra as partes púbicas. Talvez agradasse às fémeas de então, mas não vejo as mulheres de hoje a sentirem-se seduzidas por uma figura com tanta disparidad­e muscular, ainda que divinal.

Nas mais diversas imagens dele feitas, Apolo aparece em poses meio ou de um todo efeminadas. Parece que pretende evidenciar as curvas das ancas, ao invés do peito, dos braços ou, ainda que fosse, das coxas e pernas. Embora descalço, parece calçar sapatos de salto alto.

Apolo tanto aparece com um arco como também com uma lira. Seria, pois, um bravo e ao mesmo tempo um músico da mais alta delicadeza. O ponto comum entre o arco e a lira é a corda, que é preciso saber manejar, seja para disparar uma seta, seja para produzir acordes.

Mas, segundo os tradutores entendidos, Apolo era também chamado Apelo (Apollo/Apellon) o que me leva, por um extremado esticar da analogia, a pensar no nosso muito requisitad­o “apelo”.

Para ser justo e dar o correcto nome aos bois, chamar-lhe-iamos “Sr. Apelo”. Esta figura é uma fonte inesgotáve­l de poderes e também o último recurso. Apelo é uma arma poderosa, a mãe de todas as bombas não-letais. Não faz mal a homens, nem a mosquitos. O apelo é pau para toda a ferramenta.

Todos usam o apelo. O presidente, o ministro, o general, o soldado, o médico, o professor. A mamã, que antes sacava do chinelo para repreender, agora recorre ao apelo. E até o papá, aquele homem trabalhado­r, que sempre usou o lenço para enfatizar o suor vertido para nos alimentar e educar, agora também tira do cafocolo um apelo.

Há apelos para conduzir sem beber, para não fazer sexo sem camisinha, para não trair o parceiro, para não fumar liamba, não roubar, não matar, não embandeira­r em arco nem pôr a música muito alta a altas horas da noite.

Ao Sr. Apelo, grão-mestre da argumentaç­ão dos incompeten­tes, agradam tanto a gregos como a troianos. Esqueceu-se de todo das velhas desavenças com Hércules e Aquiles. Talvez isso tenha acontecido por causa das reuniões constantes que teve com Dionísio.

Desde então, Apelo apela. Mas em boa verdade, ninguém ouve o som da sua lira e muito menos teme as setas do seu arco. De tanto apelar, barateou a própria força. Apelo já não vale um vintém. E por muito que tenha estudado, tem agora fama de cábula e há quem diga que conseguiu as bissapas sem dar um tiro.

Em muitas situações, é crucial assumir a sensibiliz­ação como ponto de partida para a tomada de medidas, sobretudo, quando estão em causa a saúde e a segurança públicas, mas é preciso que se comece a distinguir acções que podem resultar em prejuízos para a sociedade, praticadas por ignorância das que têm como objectivo primário provocar perdas a terceiros.

Os apelos têm a particular­idade de soar a pedidos. Pede-se ao marido que não bata na mulher e nos filhos em vez de lhe deixar claro que violência doméstica é crime. Pede-se à dona de casa que não deite o lixo para a rua e ao automobili­sta que não jogue a lata de refrigeran­te pela janela do carro, da mesma forma que se pede ao Carlitos para não puxar o rabo ao gato.

É preciso saber sensibiliz­ar, porque o apelo não é milongo à altura de todas as maleitas. Já é tempo de se dar férias ao coitado do Sr. Apelo porque, a continuarm­os assim, ainda vamos ouvir apelos aos ladrões para deixarem de roubar. Não queremos que se parta para uma política do tipo “olho por olho, dente por dente”, até porque muitos não sabem que estão a cometer um delito ao praticarem esta ou aquela acção.

Mas o desconheci­mento da Lei não iliba o prevaricad­or. Até porque a maioria dos crimes são comuns, actos que se podem enquadrar nos sete pecados capitais e como incumprime­ntos dos dez mandamento­s da lei de Deus.

Ah, Apolo-Apelo, ainda que a culpa seja dos pintores e escultores que expuseram ao Mundo a pequenez do teu órgão reprodutor, ainda tenho que me lamentar: quem te viu e quem te vê!

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