Conjuntura de profundas incertezas
Quem observa o andamento e os últimos indicadores da situação macroeconómica internacional notará claramente que continuamos a viver uma conjuntura de profundas incertezas que colocam a nu o aumento das desigualdades entre as economias. O último World Economic Outlook do Fundo Monetário Internacional deixa-nos antever uma recuperação, ainda que tímida, da economia dos países ocidentais, especialmente da Europa, confirmando-se uma melhoria de todos os agregados macroeconómicos no último trimestre de 2016 e primeiros meses de 2017.
Pelo andamento da carruagem, parece-nos que a economia mundial está a ganhar um novo fôlego. É arriscado assim o assumirmos, mas o comportamento da inflação, a queda do custo do capital financeiro e a melhoria do comportamento das matérias-primas e do comércio internacional obrigaram a uma revisão dos indicadores pelas instâncias de notação e de Bretton Woods.
Ainda assim, existem algumas varáveis de riscos como o comportamento da administração Trump, nos Estados Unidos da América, os contornos do Brexit nos próximos meses, o problema do terrorismo que afecta gravemente o turismo e o consumo em cidades como Paris e Londres, ou ainda a crise política no Brasil e a queda registada na economia da África Subsaariana. Esta região registou em 2016 o seu mais fraco crescimento económico dos últimos vinte anos, despertando o sinal de alerta entre os analistas.
Em rigor, quando analisamos a fundo o que se passa na economia africana, notamos uma recuperação da situação de muitos países, principalmente daqueles que não são produtores de matérias-primas industriais ou países não intensivos em recursos. Por isso, a queda do preço das matérias-primas, especialmente do petróleo, ouro e diamantes foi benéfica para países como a Côte d´Ivoire, Etiópia ou o Quénia, ao passo que representou um quase colapso para a Nigéria, Zâmbia, Guiné Equatorial, Angola e África do Sul, entre outros que experimentam dilemas estruturais decorrentes dos seus défices fiscais.
Angola e a Nigéria, em resposta ao abrupto corte de receitas, foram os que mais viram deteriorada a taxa de câmbio, mas esta não foi suficiente para proteger as reservas internacionais líquidas que continuam em forte queda. Aumentou a dificuldade de acesso às divisas e daí que estejamos a ver um spread alto entre a taxa oficial/administrativa e a taxa do mercado paralelo, impactando de modo severo na actividade empresarial.
A vulnerabilidade das economias agudiza-se na medida em que os défices fiscais trouxeram também um perigoso aumento da dívida pública, em especial do serviço da dívida que absorve mais de 50 por cento do produto. Ora, diante deste cenário, os analistas mostram-se agora preocupados com as soluções que devem ser assumidas pelos países. Que alternativas existem para a melhoria e devolução do crescimento económico a estes países.
Em primeiro lugar o FMI, por exemplo, e num exercício mais conservador do que o Banco Africano de Desenvolvimento, acredita que entre 2017 e 2018 haverá uma ligeira recuperação. E o porquê de dizermos que 2,5 por cento é ligeira? Porque é uma taxa inferior ao crescimento da população que na maioria dos países afectados ronda os 3 por cento. A Nigéria poderá retomar o volume da sua produção petrolífera por estabilização do conflito no Delta e redução da escalada de terrorismo do Boko Haram, para além de uma melhoria dos níveis de produção agrícola; Angola deve conhecer um aumento da despesa pública fruto das eleições e a África do Sul recupera da seca e experimenta alguma estabilidade política.
Embora muito contestáveis e ortodoxas, as soluções de Bretton Woods deixam-nos sempre com uma pulga atrás da orelha:
I - Consolidação orçamental mediante uma despesa centrada na receita arrecadada; II - Aumento da flexibilidade cambial; III - Promoção do investimento em infra-estruturas; IV - Cortes de pessoal.
No nosso caso, a situação é mesmo complicada pois esta semana a Secretária de Estado do Orçamento, Aia-Eza da Silva alertou os deputados, durante a apresentação da Conta Geral do Estado de 2015, de que a dívida pública do país se pode tornar insustentável se não for ajustado o quadro da despesa. “Se o dinheiro escasseia, se a receita é menor, temos de ajustar o nível de vida ao novo nível da receita, sob pena de virarmos pedintes”, afirmou.
Apreciamos a frontalidade da brilhante economista. Brilhante seria que a bendita reforma estrutural assumisse outros contornos, depois das eleições, sendo imperioso alguns cortes de subsídios, cortes e maior rigor da despesa pública principalmente em rubricas completamente dispensáveis.
Um dos pontos sobre o qual não existe ainda consenso prende-se com a redução do aparelho do Estado. Temos visto um olhar minimalista nalgumas observações. Ora vejamos: quando olhamos para os rácios da comparação entre o número de efectivos da função pública e o território notamos não só um défice mas uma grande distorção, pois a função pública continua demasiado concentrada nas grandes cidades. Na mesma senda, no rácio função pública versus população continuamos a notar um défice de funcionários, por exemplo, é gritante a diferença de médicos versus população, professores versus estudantes, magistrados versus população e por aí seguimos. Logo, o que apenas o MPLA deixa claro na sua proposta é que uma das alternativas é a revisão do nosso tamanho e modelo de funcionamento do aparelho do Estado, o que não pode ser visto apenas na lógica de corte ou fusão de ministérios e diminuição do número de ministros e secretários de Estado.
Ademais, o nosso choque fiscal não deve ser visto apenas na óptica da despesa. Também a receita tem um grande espaço de crescimento e optimização. Se olharmos para o potencial do IVA percebemos a necessidade de aceleração da sua introdução no nosso sistema tributário. Se olharmos para a economia informal, e os estudos confirmam que representa mais de 25 por cento do PIB, veremos o potencial que existe em termos de arrecadação desde que haja um trabalho de sensibilização e simplificação de procedimentos para captar esta receita.
Por conseguinte, e dependendo do comprometimento generalizado em prol do crescimento económico em prol da melhoria do ambiente de negócios e do clima social, estaremos de acordo quanto ao “mar” de alternativas que ainda se nos colocam para voltarmos a colocar Angola e outras economias africanas na curva do crescimento efectivo com impacto na vida das pessoas.