Jornal de Angola

Angola refina legislação para valorizar o ouro

- OSVALDO GONÇALVES |

O anúncio da saída ilegal do país de três toneladas de ouro por ano, feito em Abril último pelo presidente do conselho de administra­ção da Agência Reguladora do Ouro, Moisés David, é motivo de preocupaçã­o por várias razões. Primeiro, por se tratar de um crime. O ouro é explorado, sobretudo, de forma artesanal (garimpo) e enviado para o exterior sem o controlo das autoridade­s.

O mercado internacio­nal de metais preciosos, em especial o ouro e a prata, é dificil de entender até pelo pessoal formado em economia, por se desenrolar à parte das chamadas commoditie­s. A nota de maior realce é o facto de não se regular pela lei da oferta e da procura, ao constituir elemento de reserva dos bancos e, por isso, poder ser vendido sem existir, na forma de títulos.

As estatístic­as internacio­nais apontam que, de 2008 a 2011, o preço do ouro no mercado mundial teve uma valorizaçã­ode 80 por cento, sendo que esse período foi caracteriz­ado por uma grande volatitili­dade na cotação do petróleo, commodity através da qual o Executivo angolano arrecada o grosso das receitas fiscais. É de referir que há décadas o ouro é considerad­o a salvaguard­a de valor com liquidez em qualquer mercado e época, daí a preocupaçã­o de os bancos centrais constituír­em grandes reservas, como um meio de defender as moedas locais, na paridade com o dólar.

De 1936 a 2000, o poder aquisitivo do franco suíço foi baseado numa exigência de 40 por cento de reservas legais de ouro. Tal facto ilustra o peso que esse metal precioso represento­u no sistema financeiro do país helvético, tido como um dos mais ricos do mundo.

É de frisar que as reservas de ouro no Banco Nacional de Angola estão estimadas em 119,1 mil milhões Kz, montante que representa 3,5 por cento das reservas internacio­nais líquidas (RIL) em moeda nacional (3,4 biliões Kz), segundo cálculos feitos pelo jornal “Mercado” com base em dados extraídos das estatístic­as do banco central angolano, referentes a Janeiro de 2017.

O preço do ouro no mercado internacio­nal fala por si. A onça (28,3 gramas) custa à volta de 1.270 dólares. O valor só é batido pela Bitcoin, a moeda virtual. Daí se pode calcular a soma que o país perde ao final de cada ano com o desvio dessa quantidade de metal precioso. Mas as contas tendem sempre a crescer, já que o preço aumenta a todo o momento. Segundo a National Geographic, o preço do ouro no mercado mundial aumentou 235 por cento entre 2001 e 2008. No ano passado, a onça de ouro estava cotada em 1225 dólares.

O caso das três toneladas exploradas e exportadas ilegalment­e de Angola para regiões como a Tanzânia e os Emirados Árabes Unidos é visto pela maioria apenas como mais um desvio de verbas das contas do Estado. Mas, é mais do que isso. Ao contrário do petróleo, por exemplo, cujo preço oscila a cada momento, o ouro, embora seja um recurso esgotável na natureza, não se “queima”.

Moisés David disse que a situação é preocupant­e e que estratégia­s estão a ser desencadea­das para a obtenção de mais dados das regiões mais afectadas pela prática. O garimpo deste produto ocorre com maior incidência na província de Cabinda, apesar de existirem relatos de exploração ilegal no Cuanza Norte, Huíla e outras regiões do país.

A prática ocorre, sobretudo, em regiões aluvionare­s. Ou seja, nos leitos dos rios. A actividade garimpeira no país atinge proporções alarmantes. O responsáve­l defendeu a formulação de um quadro legal para o assunto, que preveja medidas como a punição das pessoas que praticam a exploração ilegal ou a busca de soluções adequadas para o enquadrame­nto dos explorador­es na actividade formal.

Moises David disse ser necessário ajustar as políticas ao contexto actual para evitar o contraband­o, a perda de receitas fiscais, a fuga ao fisco e o desenquadr­amento das populações residentes nas zonas de exploração.

O ministro da Geologia e Minas, Francisco Queiroz, afirmou que o sub-sector do ouro vai ter em breve um peso de relevo na diversific­ação da exploração mineira em Angola, com a entrada em funcioname­nto de quatro novos projectos nas províncias de Cabinda e Huíla, além de muitas outras iniciativa­s.

Francisco Queiroz disse ainda que as perspectiv­as do Plano Nacional de Geologia e Minas (PLANEGEO) sobre o ouro em Angola são muito animadoras, impondo que a Agência Reguladora do Mercado do Ouro assuma as suas atribuiçõe­s quanto à regulação atempada do mercado nos termos da lei.

O titular da pasta que admitiu um crescente movimento no sentido da exploração artesanal de ouro que precisa ser controlado. O mercado deve conferir segurança e refúgio à liquidez pública, constituir reserva monetária do Estado, além de ser um meio de aplicação de poupanças e ser usado como garantia contra a volatilida­de e perda de valor dos meios monetários convencion­ais.

Francisco Queiroz acrescento­u que a Agência do Ouro deve estreitar a sua relação com o Banco Nacional de Angola, autoridade monetária e cambial do país. “O ouro é um mineral classifica­do legalmente como estratégic­o e o Código Mineiro determina regras específica­s sobre a sua comerciali­zação, visando salvaguard­ar o interesse público, a segurança das transacçõe­s e a estabilida­de dos preços”, sublinhou.

A situação do mercado do ouro em Angola, a sua operaciona­lização e regulament­ação precisam de ser discutidos a fundo pelas autoridade­s e operadores privados que lidam com esse mineral. É necessário proceder ao enquadrame­nto de toda a cadeia do mineral, da prospecção e extracção à manufactur­a e venda.

Angola tem de voltar a ser vista não apenas como produtor de ouro em estado bruto e mercado de joalharia de ouro. É preciso legislar sobre a actividade extractiva, mas também sobre toda a cadeia de valor do produto a jusante da extracção.

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