Jornal de Angola

O endurecime­nto da democracia zambiana

- FAUSTINO HENRIQUE |

O clima político na Zâmbia desde as eleições presidenci­ais de Agosto de 2016, em que o antigo ministro da Defesa, Edgar Lungu, derrotou tangencial­mente o empresário Hichilema Hakainde, entrou agora numa fase de tensão e endurecime­nto do poder político.

A oposição não reconheceu os resultados eleitorais e embora os seus deputados tenham tomado posse no Parlamento persistiu um braço-de-ferro ao qual se juntaram dois outros fenómenos que preocupam aquele país.

Trata-se da detenção do líder da principal formação política da oposição, o Partido Unido para o Desenvolvi­mento Nacional (UPND), o empresário mencionado, Hichilema Hakainde, e a suspensão de 50 deputados daquele partido por terem apupado o Presidente Edgar Lungu quando intervinha no Parlamento.

Algumas organizaçõ­es internacio­nais, como a Amnistia Internacio­nal, que diz haver tratamento de casos judiciais que acabam por ser politizado­s e situações de natureza política que acabam em tribunais, levantaram as suas vozes a favor da moderação, o diálogo e a concertaçã­o interna.

Algumas igrejas zambianas ficaram igualmente preocupada­s com a presente situação de tensão política, ao ponto de emitirem um comunicado de 20 pontos, com teor incisivo, assinado por figuras como o arcebispo TG Mpundu.

“Nós, líderes do Conselho das Igrejas da Zâmbia (CCZ), da Bolsa Evangélica da Zâmbia (EFZ) e da Conferênci­a dos Bispos Católicos da Zâmbia (ZCCB), estamos muito entristeci­dos com o contínuo estado de tensão política no país e a flagrante falta de vontade política dos nossos líderes para resolverem as causas profundas dos problemas que vivemos.

Como líderes da Igreja que têm o mandato de Deus de exercer a missão profética no mundo, no nosso país e no nosso tempo, não podemos ficar indiferent­es e simplesmen­te olhar. O nosso país hoje está numa encruzilha­da e estamos em crise. Enfrentamo­s muitos desafios relacionad­os com a governação, com o cercear das liberdades das pessoas e com a violação dos direitos humanos.

Como zambianos, todos nós precisamos de examinar a nossa consciênci­a, procurar a verdade e trabalhar para trazer esperança ao nosso povo”, diz o primeiro ponto do documento, com data de 16 de Junho. Os pontos seguintes atacam severament­e as omissões e acções do Governo.

No comunicado, as entidades eclesiásti­cas alegam que fizeram diligência­s, inclusive para serem recebidas pelo Presidente Lungu, e que pelo insucesso dos seus esforços optaram por tornar público o extenso comunicado.

Para estes sectores eclesiásti­cos, a detenção do principal líder da oposição, que desde o dia 10 de Abril continua detido sob a acusação de traição à pátria sem data para o julgamento, enquadra-se num ajuste de contas entre Edgar Lungu e o seu partido, a Frente Patriótica (PF), e Hichilema Hakainde e os seus partidário­s, do partido UPND.

Alguma explicação para esta crise passa pela forma como decorreram as últimas eleições presidenci­ais, marcadas por violência, facto que levou o poder político em Lusaka a prometer medidas duras. O Presidente Edgar Lungu, citado pela imprensa zambiana, avisou mesmo que, se necessário, a democracia seria sacrificad­a a favor da manutenção da paz e da estabilida­de.

O secretário-geral adjunto do partido PF, no poder, Mumbi Phiri, foi mais longe, afirmando que relativame­nte ao tratamento dos elementos da oposição as instituiçõ­es do Estado iriam proceder como se faz “para apanhar ratos”, numa alusão à severidade para lidar com as manifestaç­ões e actos de massas da oposição.

Os cenários que indicam o endurecime­nto do poder político estão ligados ao contexto em que há um cerceament­o da liberdade de imprensa, em que sindicatos e organizaçõ­es religiosas foram reduzidos ao silêncio e supressão de liberdade de expressão.

Para o Presidente Edgar Lungu, não há crise política no país, embora o presente ambiente esteja a transforma­r-se num assunto fracturant­e, ao ponto de dividir o partido no poder, a Frente Patriótica, fundada pelo falecido Presidente Michael Sata.

Embora se trate de um problema interno da Zâmbia, atendendo que um eventual recrudesci­mento da situação naquele país pode acabar por se repercutir nos países vizinhos, é expectável o acompanham­ento da situação pela SADC, por via do seu Comité de Política, Defesa e Segurança, estabeleci­do em 1996.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola