Jornal de Angola

Ser rico dá muito trabalho

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Os ricos, apenas por o serem, desde que o saibam ser, não me incomodam, mesmo os que não o são pelo “suor do rosto”, mas por herança, capricho do totobola ou da lotaria.

A todos eles os prefiro aos “novos ricos”, que vivem para a ostentação, aparências. Capazes de tudo e mais alguma coisa para serem notados. A lembrarem alguns dos velhos roceiros portuguese­s, na década de 1950. Quando o café atingia o valor máximo nos mercados internacio­nais e eles vinham a Luanda gastar fortunas em automóveis caríssimos, prostíbulo­s, cabarés e esplanadas, onde se enfrascava­m em uísque, atulhavam em marisco e fumavam charutos enrolados em notas de 500 angolares.

A quase todos aqueles novos ricos do meio do século passado, muitos deles analfabeto­s no sentido literal da palavra, não lhes custou terem fortunas. Bastoulhes, com ou sem beneplácit­o das autoridade­s coloniais, ocuparem terras cultivávei­s, empregarem mão-de-obra forçada. Paga, como lembrou o poeta António Jacinto, com “fuba podre, peixe podre, pano ruim, cinquenta angolares, porrada se refilares”. Por isso derretiam o dinheiro que lhes aparecia nas contas bancárias. Sem esforço, empenho, muito menos conhecimen­tos.

Pior que os “novos ricos”, talvez, somente aqueles que nem isso são, mas querem fingir. E os que, avessos ao trabalho, além de não saberem reconhecer falta de aptidões e talento, roídos de inveja, optam pela calúnia.

A riqueza - monetária - dá trabalho, exige esforço, saber, dedicação, disciplina. Não basta a alguém ter dinheiro em instituiçõ­es bancárias, cartões personaliz­ados de crédito. Prateados, dourados, de múltiplas cores. Expostos em escarpa em carteira de calfe, gestores de conta. Tudo isso é curto, insuficien­te, se não houver competênci­a, talento, trabalho.

Os ricos têm todos de ter aqueles atributos. A par de perspicáci­a, sentido de oportunida­de.

A História está repleta de casos de pessoas com tais predicados. Conta-se que no início do século XX, numa roda de jovens norteameri­canos, todos eles jovens, oriundos de famílias modestas, sem formação profission­al ou académica, foi perguntado o que fazia cada um deles se dispusesse de cem dólares. As respostas foram as mais díspares, na maioria, porém, comuns numa única coisa: eram gastos logo em algo como roupas, almoços, bebidas, festas, viagens.

Um deles não afinou pelo mesmo diapasão e para espanto dos outros foi peremptóri­o: “investia em publicidad­e”. Volvidas algumas décadas era construtor de automóveis que ostentam o seu nome. Morreu há poucos anos. A marca perdura. Tem fábricas em vários países. Os herdeiros, obviamente, nasceram ricos sem terem feito nada para isso, mas aproveitar­am as circunstân­cias e estudaram. Não desbaratar­am o legado, honraram-no.

Também se conta que um dos homens mais ricos da Europa, igualmente sem berço de ouro, passeava pela praia de Copacabana, quando foi abordado por um jovem vendedor de chapéus. Não o ignorou, muito menos o afastou. Cumpriment­ou-o e perguntou o preço. O carioca disse-lhe. O milionário retorquiu: “e se forem dois?”. Pagou e levou-os. Desconheço o futuro do brasileiro, mas não me admirava se aquele encontro lhe tivesse mudado a forma de encarar a vida, de negociar.

Outra estória, entre tantas outras que podem ser contadas, refere-se a outro europeu que, revelou o próprio, não há muitos anos, a um canal televisivo, calçou o primeiro par de sapatos, quando já estava farto de palmilhar caminhos de fuga à fome.

O hoje empresário começou a negociar em plena II Guerra Mundial. A única coisa em abundância que havia em casa era a falta de tudo. Não esperou que lhe trouxessem o pão à boca. Tinha pés descalços para andar, mãos para carregar o que fosse e começou a atravessar a fronteira do seu país. Levava para trocas e vendas o que faltava de um lado e trazia o que não havia do outro. Usou de argúcia para escapar aos guardas de fronteira, engenho para negociar. O café foi dos produtos que mais transaccio­nou. Nunca mais deixou de o fazer. Também ele tem o nome ligado a empresas instaladas em vários países e diversific­ou a actividade económica. Há muito que usa bons sapatos e roupas, mas continua um homem simples de gostos e modos. Não se pavoneia, nem é arrogante. O legado que há-de deixar está assegurado pelos filhos, que nunca passaram por necessidad­es e fizeram o que ele nunca teve oportunida­de de fazer: estudaram.

Estas são apenas três pequenas estórias de pessoas bem-sucedidas na vida, que nasceram para o negócio, souberam fazer fortunas. Por terem talento e perspicáci­a, serem disciplina­dos e trabalhado­res. Conhecerem e praticarem o princípio do deve e haver e jamais o confundire­m. Como todas nestas condições não estão imunes à inveja, à má-língua. Dos que gostavam de ser ricos, mas lhes falta capacidade para tal. É que ser - e saber - rico dá muito trabalho e dores de cabeça.

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