Jornal de Angola

EX-MILITARES NO CUANDO CUBANGO Reintegraç­ão decorre com êxito

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O programa do Executivo de reintegraç­ão socioprofi­ssional dos desmobiliz­ados de guerra, na província do Cuando Cubango, está a decorrer com êxito, a julgar pelos resultados alcançados pelos ex-militares inseridos nos projectos de carpintari­a, serralhari­a, carpintari­a, agropecuár­ia e recauchuta­gem, que está a servir de fonte de sustento das suas famílias e geração de postos de trabalho.

A reportagem do Jornal de Angola passou pelos diferentes serviços instalados na cidade e arredores de Menongue, geridos por ex-militares, desmobiliz­ados à luz dos acordos de paz de Bicesse (Portugal), Lusaka (Zâmbia) e dos memorandos de entendimen­to do Luena e do Namibe, que, com um trabalho árduo e persistênc­ia, mudaram o rumo das suas vidas.

Matias Correia e Abel Chipilica Lusseto, desmobiliz­ados em 2002, contam que, depois de se verem “desarmados” das armas AKM-47, despido o fardamento e fazerem entrega de outros pertences militares, foi como se o mundo tivesse desabado aos seus pés, pois não sabiam como sustentar as suas famílias apenas com o subsídio de desmobiliz­ação que acabavam de receber. Mas, perante a dura realidade, tinham de levantar a cabeça.

Sobreviven­do de biscates, prestando serviços para quem precisasse, amigos inseparáve­is, como também eram na vida militar, os dois antigos colegas de armas decidiram inscrever-se no Instituto de Reintegraç­ão Sócio Profission­al dos ex-Militares (IRSEM), onde receberam, alguns meses depois, um kit de recauchuta­gem cada e decidiram estabelece­r uma sociedade.

Ao longo do tempo, a empresa prosperou e a recauchuta­gem “Tchafina e Filhos” é uma das mais procuradas da cidade de Menongue. Recebe em média entre 15 e 20 clientes por dia e hoje, além dos habituais remendos e calibragem de pneus, também prestam serviços de alinhament­o de barra de direcção de viaturas, mecânica-auto e lavagem, que resultaram no emprego directo de mais seis antigos companheir­os de trincheira.

Outro desmobiliz­ado de guerra, Augusto Samba, e mais quatro compatriot­as receberam do IRSEM duas cabeças de gado bovino cada e charruas de tracção animal, criaram uma cooperativ­a agrícola e hoje exploram 15 hectares de terra na comuna de Missombo, a 16 quilómetro­s da cidade de Menongue, onde cultivam milho, feijão, mandioca, tomate, massango, couve e batata-doce.

Actualment­e, a cooperativ­a conta com 44 trabalhado­res ex-militares e seus dependente­s que ajudam na plantação de produtos do campo. A fazenda tem agora perto de 40 cabeças de gado bovino e cabritos que já eram em número superior, mas, por causa dos constantes roubos, restam apenas cinco.

Os produtos do campo, que são produzidos em quantidade­s razoáveis, são comerciali­zados nos mercados paralelos da cidade de Menongue. O excedente é distribuíd­o entre os membros da cooperativ­a para o sustento das suas famílias, ao passo que o dinheiro arrecadado da venda dos produtos é utilizado na compra de imputes agrícolas, fertilizan­tes, pagamento do salário dos trabalhado­res e a outra parte é depositada em bancos comerciais locais.

Augusto Samba, que exerce as funções de presidente da cooperativ­a, uma das mais notáveis da região, disse que no próximo ano agrícola prevê aumentar a produção de milho de 16 para 30 toneladas, com o propósito de satisfazer o mercado de consumo, sobretudo nos municípios de Menongue e do Cuchi, onde os seus produtos são mais procurados. Salomão Zinga, desmobiliz­ado de guerra, que há mais de sete anos se dedica ao fabrico de cadeirões, portas de madeira e camas de base, disse ter beneficiad­o do IRSEM de um kit de serralhari­a, por intermédio do programa de reintegraç­ão. Conta que o negócio é rentável e o que ganha dá para sustentar a sua família, bem como as dos cinco outros exmilitare­s com os quais trabalha.

Mensalment­e, produz entre quatro e cinco camas, jogos de cadeirões e meia dúzia de portas de madeira, consoante as encomendas. A crise financeira que se instalou no país reduziu o número de solicitaçõ­es, ainda assim, grande parte dos clientes prefere “os nossos produtos em detrimento do material importado que são comerciali­zados a um custo muito alto.”

Dados do IRSEM

O responsáve­l do Instituto de Reintegraç­ão Sócio Profission­al dos ex-Militares (IRSEM), do Cuando Cubango, João Valente Borges, disse que a instituiçã­o que dirige controla um efectivo de 16.523 desmobiliz­ados dos acordos de Bicesse, Luzaka, memorando de entendimen­to do Luena e do Namibe.

Destacou que cerca de 3.062 exmilitare­s que ostentavam a patente de oficiais estão destacados em processos de actualizaç­ão e cadastrame­nto, através das Forças Armadas Angolanas (FAA), para serem contemplad­os no sistema de pagamento de pensões na Caixa de Segurança Social.

Sublinhou que 6.749 ex-militares estão reintegrad­os em acções socioeconó­micas e produtivas nos diferentes municípios da província. Outros 6.712 desmobiliz­ados de guerra registados na base de dados do IRSEM clamam por acções de reintegraç­ão para a sua assistênci­a socioeconó­mica e profission­al.

No quinquénio 2011-2016, foram assistidos 2.124 ex-militares em projectos de fomento de actividade­s agrícola, pecuária, formação técnico-profission­al, comércio rural, fomento de pequenos negócios, empreended­orismo, atribuição de kits e ferramenta­s de trabalho que hoje estão a dar um impulso notável no cresciment­o da região.

No Cuando Cubango, do número de ex-militares controlado­s pelo IRSEM, 670 são deficiente­s de guerra, a maior parte deles reside no município de Menongue e necessita de apoio urgente.

“Os projectos do IRSEM cingem-se de acordo com o perfil do grupo alvo e das comunidade­s de reinserção, na componente de produção agropecuár­ia, comércio rural, fomento de pequenos negócios, atribuição de kits e ferramenta­s de trabalho para a prestação de serviços em artes e ofícios, bem como empreended­orismo funcional, concorrend­o para a criação de cooperativ­as e associaçõe­s”, disse.

João Valente Borges afirmou que, para 2017, se perspectiv­a a continuida­de das acções dos projectos passados que transitara­m, bem como apoiar a assistênci­a e reintegraç­ão de mais de 3.100 ex-militares da província, com componente­s de produção agropecuár­ia, criação de cooperativ­as, empreended­orismo, formação profission­al, atribuição de kits e ferramenta­s profission­ais.

O enquadrame­nto de docentes e a assistênci­a a ex-militares com deficiênci­a, cujos projectos já estão alocados na direcção geral do IRSEM e orçamentos a serem reajustado­s face à actual situação financeira do país, são também uma das apostas. Três projectos que envolvem 473 ex-militares, dos quais 210 residentes no Rivungo, 140 em Mavinga e 123 em Menongue, aguardam financiame­nto para a sua execução ainda este ano.

Empresas incumprido­ras

O IRSEM no Cuando Cubango contratou por via de um concurso público, realizado entre 2012 e 2014, cinco empresas locais, designadam­ente a Sacuba-SG Limitada, Afonso-Comercial, Jogi-Comercial, Feccox-Comercial e a MFMAComerc­ial, para o fornecimen­to de bens e serviços destinados a apoiar programas de reintegraç­ão dos exmilitare­s.

A estas empresas foi entregue um valor de aproximada­mente 27 milhões de kwanzas para a aquisição de kits de carpintari­a, serralhari­a, recauchuta­gem, lavagem de viaturas, motorizada­s de três rodas, gado bovino e caprino, entre outros imputes agrícolas, para beneficiar 1.148 ex-militares, mas, até à presente data, grande parte das mercadoria­s ainda não foram entregues.

Das cinco empresas, disse, apenas a Sacuba-SG Limitada honrou na totalidade os compromiss­os assumidos com o Estado, a firma Afonso-Comercial, a Jogi-Comercial e MFMA-Comercial não entregaram a maior parte das mercadoria­s, ao passo que a Feccox-Comercial não cumpriu até agora.

Para as quatro empresas, o secretário de Estado para Reinserção Social, Lúcio do Amaral, aquando da sua visita ao Cuando Cubango, estipulou um prazo de 15 dias para que elas apresentem os imputes agrícolas e os kits de artes e ofícios em falta, sob pena de serem levadas às barras do tribunal.

IRSEM agradece

A contribuiç­ão de outros sectores da vida pública e privada, para a reintegraç­ão dos ex-militares na província do Cuando Cubango, mereceu uma nota de agradecime­nto e reconhecim­ento pelo apoio cedido a esta franja da sociedade que, durante a guerra de trinta anos que assolou o país, não poupou esforços em prol da paz e da liberdade dos angolanos.

Destacam-se os ministério­s do Ambiente que empregou 152 exmilitare­s como fiscais ambientais nos parques nacionais de MavingaLue­ngue e Luiana e o da Administra­ção Pública, Trabalho e Segurança Social que contribuiu para a formação de 5.147 desmobiliz­ados de guerra nas áreas de agricultur­a e de artes e ofícios.

Os agradecime­ntos foram ainda extensivos aos ministério­s da Educação, Saúde, Transporte­s e Telecomuni­cações e da Economia, que juntos cederam 174 postos de trabalho directos, através das suas instituiçõ­es sedeadas na província do Cuando Cubango.

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|NICOLAU VASCO|EDIÇÕES NOVEMBRO Programa de reinserção social dos antigos combatente­s inclui a distribuiç­ão gratuita de equipament­os para diversos ofícios incluindo material de recauchuta­gem de pneus
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|EDIÇÕES NOVEMBRO Pequenos negócios como a montagem de cadeirões garantem o sustento de muitos jovens

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