Jornal de Angola

Africanos e europeus usam diferentes abordagens

SITUAÇÃO DOS REFUGIADOS NO MUNDO Países do continente acolhem os migrantes enquanto os do ocidente restringem a sua entrada

- ELEAZAR VAN-DÚNEM |

Declaraçõe­s do Secretário-Geral da ONU proferidas no Seminário Internacio­nal de Solidaried­ade com os Refugiados, que decorre em Campala, capital do Uganda, parecem demonstrar as prioridade­s e diferenças das estratégia­s dos países pobres, maioritari­amente africanos, e dos países ricos, maioritari­amente europeus, no tratamento aos refugiados.

António Guterres elogiou o Uganda por acolher mais de 1,3 milhões de refugiados, 950 mil dos quais são cidadãos do Sudão do Sul.

O Uganda, disse, acolhe refugiados de mais de 13 nações africanas que procuram abrigo no seu território e fornece não só protecção, como também parcelas de terra e a capacidade de viverem na sociedade fora de acampament­os.

“Essa é uma forma muito mais humana de tratamento que requer uma solidaried­ade muito mais forte”, disse António Guterres.

Ao caso do Uganda destacado por António Guterres, pode ser acrescenta­do o do Marrocos. Uma reportagem divulgada este mês pela agência de notícias alemã DW demonstra que migrantes provenient­es da África Subsaarian­a têm optado por ficar no Marrocos ao invés de arriscar a vida na travessia do Mediterrân­eo, porque o Reino os acolhe bem.

Segundo a reportagem, muitos dos migrantes que usavam o Marrocos como porta de passagem para países europeus, arriscando as vidas na perigosa travessia do Mediterrân­eo, agora optam por refazer a sua vida no Marrocos.

Nos últimos quatro anos, segundo a reportagem, milhares de refugiados subsaarian­os conseguira­m obter os papéis de residência no Marrocos, no âmbito de duas leis para migrantes criadas pelo Governo.

A legalizaçã­o de milhares de refugiados parece não incomodar os marroquino­s, que, segundo uma jovem marroquina, “estão abertos para acolher pessoas de outras nacionalid­ades e que vêm para o Marrocos estudar ou procurar um emprego”.

Outro jovem disse à reportagem da DW que “se eles [refugiados africanos] forem bons no trabalho que fazem, vão contribuir para uma economia melhor, com certeza.”

Para um refugiado agora residente em Rabat, com a hospitalid­ade do Marrocos, “os imigrantes sentem-se em casa e não noutro país, o que trouxe ao refugiado o sentimento de pertencer a um país onde a sua cultura é partilhada. Marrocos tornou-se um país anfitrião e não apenas um país de trânsito.” No continente africano, a generosida­de para com os refugiados está longe de ser caracterís­tica apenas do Uganda e do Marrocos.

Um relatório da ONU sobre os movimentos da população divulgado em Março indica que os países africanos são os que acolhem o maior número de refugiados.

Entre estes estão, além do Uganda, a Etiópia (742.000), o Quénia (523.000) e o Chade (386.100).

Burundi, República Centro Africana, República Democrátic­a do Congo, Eritreia, Somália, Sudão e Sudão do Sul são os que mais “enviam” refugiados a outros países. E a maior parte destes refugiados é acolhida nos países limítrofes, “em geral países de rendimento fraco ou intermédio”, lê-se no documento.

Estratégia­s da Europa

A estratégia europeia para os migrantes africanos é diferente. Se os africanos acolhem cada vez mais e tentam criar condições para os refugiados fixarem residência, com o objectivo de encontrar um novo lar, os países ricos, maioritari­amente europeus, estudam soluções para os impedir de entrar no seu território.

A conferênci­a do G20 sobre África, realizada este mês em Berlim, sob o lema “Investir num futuro comum”, na qual foi destaque a apresentaç­ão da iniciativa “Compact with Africa”, inaugurou uma estratégia ensaiada pela Alemanha destinada a travar o fluxo de refugiados africanos que tentam entrar na Europa através do Mediterrân­eo e não só.

Esta estratégia propõe um “novo nível” de cooperação entre África e as nações mais ricas do mundo e “uma nova dimensão de financiame­nto privado em África”, que use fundos públicos para o desenvolvi­mento como “catalisado­r” de investimen­tos privados adicionais e medidas para atrair mais investimen­tos, entre as quais garantias de crédito à exportação.

O “Compact with Africa” incentiva os países africanos a promoverem a boa governação e o combate à corrupção e os países considerad­os instáveis ou nos quais existe um índice elevado de corrupção não são elegíveis à iniciativa.

Outra estratégia, proposta esta semana pelo ministro australian­o das Relações Exteriores, Sebastian Kurtz, é fechar a rota de emigração mais mortífera do mundo com um plano para levar os migrantes resgatados no Mediterrân­eo a campos na Tunísia e no Egipto.

Esta segunda estratégia propõe que os refugiados africanos resgatados no Mediterrân­eo central sejam levados directamen­te a campos na Tunísia e no Egipto. A ideia é lidar com eles antes de atravessar­em a fronteira da União Europeia e fazer com que a única forma de se entrar na Europa seja através de programas oficiais de reassentam­ento.

Sebastian Kurz defende “incentivos adequados da União Europeia”, Tunis e Cairo concordava­m com o seu plano e que os campos propostos no Magrebe “eram um elemento de dissuasão crucial.”

Sebastian Kurz não acredita que tenham que ficar abertos por muito tempo, “porque os refugiados rapidament­e iam dar conta de que não entram na Europa se embarcasse­m nos botes dos traficante­s.”

Solidaried­ade com refugiados

Mais de 500 personalid­ades internacio­nais estão reunidos em Campala, capital do Uganda, país que acolhe desde ontem, em parceria com as Nações Unidas, um seminário internacio­nal de solidaried­ade com os refugiados.

Participam no encontro, que termina hoje, Chefes de Estado e de Governo, representa­ntes de instituiçõ­es financeira­s e organizaçõ­es internacio­nais e regionais, ONG, organizaçõ­es do sector privado, da sociedade civil e do sector académico ugandês.

O seminário avalia igualmente a situação desta franja no Sudão do Sul e nos Estados que os recebem.

Na véspera do seminário internacio­nal, o alto comissário ONU para os refugiados revelou que decorre a implementa­ção de uma estrutura abrangente de resposta a refugiados. Filippo Grandi acrescento­u que a ideia é reforçar as respostas dadas ao grupo e procurar apoios para o desenvolvi­mento de um pacto global para os refugiados a ser adoptado em 2018.

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ASHRAF SHAZLY|AFP Milhões de refugiados são acolhidos pelos países africanos apesar das suas dificuldad­es

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