Jornal de Angola

Parecia óbito no BPC

- José Luís Mendonça

Ontem de manhã fui à agência do BPC, na Comandante Valódia, entregar cópia de um documento solicitado pela gestora da minha conta. Cheguei às imediações de uma das ruas mais prenhes de margens de estacionam­ento ocupadas e dei uma série de voltas nas imediações do banco, até conseguir uma brechazinh­a duas ruas mais para dentro da Vila Clotilde. Posto o carro como manda a lei de trânsito, dirigime de pasta na mão até ao alto edifício do BPC. Eram para aí umas nove horas. Ia eu todo lampeiro a curvar para a comandante Valódia, vendo já o edifício do banco à minha frente, quando me deparo com um espectácul­o insólito: havia uma fila enorme de pessoas no passeio contíguo à entrada do banco e um outro grupo menor aglomerado junto ao muro da residência logo ao lado. Parei e pensei: terá morrido alguém?

É que, como é hábito na nossa urbe, quando alguém vai desta para melhor, as centenas de pessoas que, exceptuand­o os mais chegados, nunca antes se dignaram apoiar o falecido em vida, lá vão como moscas atrás do cadáver, comer o último feijão de óleo palma e jogar umas cartadas em memória do de cujus.

Na verdade, a pequena reunião de cidadãos jovens, velhos, bem vestidos e nem por isso, de ambos os sexos e se mais houvera eu os citaria, com um engraxador ali por perto a medir o potencial do mercado pelo pó dos sapatos, parecia óbito na agência Valódia do BPC.

Assim que, como não acredito na morte (por isso pouco frequento os óbitos e se a algum deles vou é apenas por mera praxe), abeirei-me da porta de entrada, quando o segurança (todo o mundo agora os chama de “operativos”) me põe um travão. O banco ainda não abriu, chefe. Porquê? A pessoa que tem a chave ainda não chegou.

Isto agora é que está muito bonito!, se alarmou o coração cá dentro dos pulmões. E agora, como é que eu faço, depois de tantas voltas, e com o trabalho a pedir-me o regresso urgente ao meu posto.

Pus-me ali, junto a um carro, no fim da fila, a fingir que via o Whatsaap. Veio logo ter comigo um cidadão vestido de preto antigo, fato já falecido, pasta maiuia na mão. Lhe fugi. Se calhar, vinha já pedir qualquer coisa para o matabicho. E nestes tempos de crise em que um chefe de família tem de apertar os cordões à bolsa, não há cá pão pra malucos, nem pentes pra carecas!, como diria o meu falecido kamba, Sardão de alcunha, que o nome dele de verdade não é para aqui chamado, fique ele sempre anónimo até à ressurreiç­ão dos vivos.

Depois de algumas mexidas no telelé, e sempre a tentar fugir do intruso vestido de preto (aquela cena parecia mesmo óbito no BPC), com o homem sempre me perseguind­o e eu a lembrar-me de um filme que a malta quando era jovem gostava bué, “Perseguiçã­o implacável”, lá parei, ele parou também e me diz, Mendonça, tenho uma filha que acabou agora o curso de Comunicaçã­o Social e gosta bué das tuas crónicas.

Quem me mandou escrever coisas e publicá-las no jornal mais lido em Angola? Ainda por cima agora com a nossa foto bem estampada ao lado do título! E assim entabulámo­s conversa. Dizem que não há sistema, explicou o meu “perseguido­r” implacável.

A mim, o guarda disse que falta a chave para abrir a porta, retruquei. Até que o relógio marcou nove e meia e eu me despedi do meu kamba desconheci­do que pensava que a culpa de o banco não abrir era do Senhor Sistema.

Fui andando até à outra entrada do banco, em busca de solução para não desperdiça­r o esforço de lá ter ido. Chego e vejo uma senhora de olhar cândido, sentada numa cadeira de plástico, com uma jovem ajoelhada ao lado. Disse-me a mais velha: Muito bom dia, o senhor talvez não me conheça, mas eu conheço-o bem, é jornalista. Olhe, por favor, escreva algo no jornal sobre esta pouca-vergonha, sem criar atritos, diga o que se está a passar aqui, eu sou uma mulher de 70 anos, saí ontem do hospital, vim aqui para tratar do meu assunto, cheguei às oito e meia e estou aqui ainda. Já estou cansada e tenho de ir para casa.

A minha conhecida anónima foi –se embora levada pela menina, eu tive a sorte de ver a gestora encostada ao muro da casa contígua ao banco e aproveitei para lhe entregar a cópia do documento, o esforço, para mim, tinha sido compensado, Deus é maravilhos­o! Cheguei à redacção e simplesmen­te deixei a voz doce daquela mais velha falar aqui nesta crónica.

O banco ainda não abriu, chefe. Porquê? A pessoa que tem a chave ainda não chegou

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