Parecia óbito no BPC
Ontem de manhã fui à agência do BPC, na Comandante Valódia, entregar cópia de um documento solicitado pela gestora da minha conta. Cheguei às imediações de uma das ruas mais prenhes de margens de estacionamento ocupadas e dei uma série de voltas nas imediações do banco, até conseguir uma brechazinha duas ruas mais para dentro da Vila Clotilde. Posto o carro como manda a lei de trânsito, dirigime de pasta na mão até ao alto edifício do BPC. Eram para aí umas nove horas. Ia eu todo lampeiro a curvar para a comandante Valódia, vendo já o edifício do banco à minha frente, quando me deparo com um espectáculo insólito: havia uma fila enorme de pessoas no passeio contíguo à entrada do banco e um outro grupo menor aglomerado junto ao muro da residência logo ao lado. Parei e pensei: terá morrido alguém?
É que, como é hábito na nossa urbe, quando alguém vai desta para melhor, as centenas de pessoas que, exceptuando os mais chegados, nunca antes se dignaram apoiar o falecido em vida, lá vão como moscas atrás do cadáver, comer o último feijão de óleo palma e jogar umas cartadas em memória do de cujus.
Na verdade, a pequena reunião de cidadãos jovens, velhos, bem vestidos e nem por isso, de ambos os sexos e se mais houvera eu os citaria, com um engraxador ali por perto a medir o potencial do mercado pelo pó dos sapatos, parecia óbito na agência Valódia do BPC.
Assim que, como não acredito na morte (por isso pouco frequento os óbitos e se a algum deles vou é apenas por mera praxe), abeirei-me da porta de entrada, quando o segurança (todo o mundo agora os chama de “operativos”) me põe um travão. O banco ainda não abriu, chefe. Porquê? A pessoa que tem a chave ainda não chegou.
Isto agora é que está muito bonito!, se alarmou o coração cá dentro dos pulmões. E agora, como é que eu faço, depois de tantas voltas, e com o trabalho a pedir-me o regresso urgente ao meu posto.
Pus-me ali, junto a um carro, no fim da fila, a fingir que via o Whatsaap. Veio logo ter comigo um cidadão vestido de preto antigo, fato já falecido, pasta maiuia na mão. Lhe fugi. Se calhar, vinha já pedir qualquer coisa para o matabicho. E nestes tempos de crise em que um chefe de família tem de apertar os cordões à bolsa, não há cá pão pra malucos, nem pentes pra carecas!, como diria o meu falecido kamba, Sardão de alcunha, que o nome dele de verdade não é para aqui chamado, fique ele sempre anónimo até à ressurreição dos vivos.
Depois de algumas mexidas no telelé, e sempre a tentar fugir do intruso vestido de preto (aquela cena parecia mesmo óbito no BPC), com o homem sempre me perseguindo e eu a lembrar-me de um filme que a malta quando era jovem gostava bué, “Perseguição implacável”, lá parei, ele parou também e me diz, Mendonça, tenho uma filha que acabou agora o curso de Comunicação Social e gosta bué das tuas crónicas.
Quem me mandou escrever coisas e publicá-las no jornal mais lido em Angola? Ainda por cima agora com a nossa foto bem estampada ao lado do título! E assim entabulámos conversa. Dizem que não há sistema, explicou o meu “perseguidor” implacável.
A mim, o guarda disse que falta a chave para abrir a porta, retruquei. Até que o relógio marcou nove e meia e eu me despedi do meu kamba desconhecido que pensava que a culpa de o banco não abrir era do Senhor Sistema.
Fui andando até à outra entrada do banco, em busca de solução para não desperdiçar o esforço de lá ter ido. Chego e vejo uma senhora de olhar cândido, sentada numa cadeira de plástico, com uma jovem ajoelhada ao lado. Disse-me a mais velha: Muito bom dia, o senhor talvez não me conheça, mas eu conheço-o bem, é jornalista. Olhe, por favor, escreva algo no jornal sobre esta pouca-vergonha, sem criar atritos, diga o que se está a passar aqui, eu sou uma mulher de 70 anos, saí ontem do hospital, vim aqui para tratar do meu assunto, cheguei às oito e meia e estou aqui ainda. Já estou cansada e tenho de ir para casa.
A minha conhecida anónima foi –se embora levada pela menina, eu tive a sorte de ver a gestora encostada ao muro da casa contígua ao banco e aproveitei para lhe entregar a cópia do documento, o esforço, para mim, tinha sido compensado, Deus é maravilhoso! Cheguei à redacção e simplesmente deixei a voz doce daquela mais velha falar aqui nesta crónica.
O banco ainda não abriu, chefe. Porquê? A pessoa que tem a chave ainda não chegou