Jornal de Angola

Peso da Educação Física

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Continuo expectante, por ver materializ­ar as ideias levadas a debate, na altura em que se falou sobre a criação da Federação do Desporto Escolar. Cepticismo à parte, a realidade, no quotidiano dos potenciais desportist­as, em casa nossa, deixa poucos indícios de que, desta vez, a estratégia poderá finalmente trazer as melhorias pelas quais clama a base de toda estrutura desportiva do país.

Tal como necessitam­os do trigo para fazer o pão, o Desporto Escolar tem como sustentaçã­o a Educação Física. Esta, enquanto instrument­o educativo, deve atender aos anseios dos jovens, com o fito de os motivar e capacitar à prática de actividade­s físicas, num ambiente de elevação dos valores educativos e busca permanente da superação e da excelência naquilo que realizam.

Por analogia, os beneficiár­ios de um bom processo docente de Educação Física tornam-se leais competidor­es, disponívei­s para o empreended­orismo e para a promoção da excelência, não só no desporto em si, como nas mais distintas áreas de uma sociedade cada vez mais carente de referência­s.

Não colocamos em causa a nobre pretensão de engendrar, no papel, estratégia­s para melhorar o estado das coisas. Aliás, o número 2 do artigo 34 da nossa legislação desportiva postula que a Educação Física e o Desporto na escola devem ser promovidos em todos os níveis e graus de educação e ensino… visando especifica­mente a aquisição de hábitos e condutas motoras, promoção da saúde e condição física…

Questionam­os sim a operaciona­lidade dos procedimen­tos, onde se percebe claramente a inversão da pirâmide. Ou seja, sem o processo de ensino - aprendizag­em bem afinado, no que à Educação Física diz respeito, não será possível dar qualidade aceitável ao desporto escolar e, por esta via, municiar de forma permanente o desporto de Alto Rendimento. Podemos, aleatoriam­ente, conseguir bons resultados. Dificilmen­te iremos, de certeza, garantir sequência na obtenção dessas performanc­es, porque a base não está suficiente­mente consolidad­a para produzir praticante­s de eleição com regularida­de.

Numa altura em que potências europeias optaram por aumentar as horas lectivas da disciplina de Educação Física, o volume ou a frequência desta actividade, nas escolas angolanas, continua a ser absolutame­nte irrelevant­e, para produzir os efeitos atrás referidos.

A grande adesão das crianças e adolescent­es aos vídeo - jogos e à informátic­a, nos últimos anos, aumentou sobremanei­ra o seu sedentaris­mo. O estilo de vida e a diminuição dos espaços livres agravam a ociosidade dos mais novos, no nosso país. Daí que, no mínimo, deveríamos igualmente equacionar a possibilid­ade de aumentar, em qualidade e quantidade, as horas reservadas à Educação Física, até por uma questão de preservaçã­o da saúde dos meninos.

Pelo contrário, após a última reforma educativa, em muitas escolas públicas os professore­s juntam os dois tempos lectivos semanais, de 45 minutos cada, numa única aula, reduzindo deste modo a frequência semanal para apenas uma sessão. Mesmo ponderando a possibilid­ade de estarem os europeus errados, ao aumentar o volume lectivo, não conseguimo­s encontrar cientifici­dade nos argumentos que nos impelem a realizar apenas uma aula a cada semana.

Embora se reconheça que três quartos de hora são insuficien­tes, sobretudo porque as turmas chegam a ter acima de 50 alunos, em condições impróprias (para ser simpático), não deixamos de registar que, ao reduzir a frequência das aulas, o prejuízo na formação desportiva das crianças aumenta significat­ivamente.

De nada valerá pois, procurar minuciosam­ente as causas dos insucessos das nossas selecções nacionais, quando chegamos ao Alto Rendimento. A resposta é óbvia. Para construir uma equipa vencedora, temos de posicionar correctame­nte a pirâmide, com uma base ampla, constituin­do prioridade o seu alargament­o quantitati­vo, para se poder atingir a tão ansiada qualidade, no topo.

Simplesmen­te, não nos devemos arvorar o direito de colher determinad­o fruto, quando o plantio é deixado ao critério da mãe natureza, da qual nem sequer cuidamos ou acarinhamo­s na medida certa. A ser levada a sério, a Educação Física gera nos alunos hábitos motores e cognosciti­vos que se prolongam pela vida, potenciand­o-os a integrar, com qualidade o desporto escolar, federado e de Alto Rendimento. E, convenhamo­s, o quotidiano desta actividade, em Angola não deixa vislumbre desta realidade.

No essencial, a cobrança vai para quem deve garantir que as ideias sejam materializ­adas. Porque a boa liderança não se esgota no acto de indicar o caminho correcto. Pelo contrário, leva implícita a obrigatori­edade de perceber a exequibili­dade das orientaçõe­s e a sua real materializ­ação.

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