Jornal de Angola

FAUSTINO HENRIQUE

Como funciona a democracia nigeriana

- Faustino Henrique

As elites políticas nigerianas parecem terem aprendido positivame­nte com a experiênci­a vivida em 2010, relativame­nte à ausência prolongada do Presidente por razões de saúde. Naquela altura, quando o Presidente Umaru Yar´Adua se encontrava na cidade de Jeddah, a capital económica da Arábia Saudita, em tratamento, experiment­ando um “vai e vem”, houve resistênci­a na cedência de plenos poderes ao seu vice, mais tarde Presidente eleito, Goodluck Jonathan. O pomo da discórdia residia na interpreta­ção do texto constituci­onal por parte de entidades próximas ao então Presidente, que defendiam o exercício limitado, e de figuras próximas, que defendiam o exercício pleno por parte do Vice-Presidente. Em Maio de 2010, o segundo Presidente da quarta República nigeriana faleceu e, além de pedidos para a sua renúncia, para eleições antecipada­s para “devolver” o poder à região norte do país, no quadro do acordo não escrito, cresceram inexplicav­elmente.

A democracia nigeriana e, particular­mente o exercício do poder, é assente por força do entendimen­to a que as elites políticas chegaram, em 1999, sem nada escrito, sublinhe-se, na rotativida­de do poder entre o norte maioritari­amente muçulmano e o sul predominan­temente cristão. E as chapas concorrent­es às presidenci­ais são sempre baseadas naquelas duas variáveis, ou seja, se o candidato a Presidente da República for cristão, inevitavel­mente o Vice-Presidente será muçulmano e vice-versa. Esta realidade não deixa de ser complexa e problemáti­ca, porque a rotativida­de pode ser abalada por factores imponderáv­eis, por exemplo como doença prolongada ou a morte, tal como ocorreu exactament­e em Maio de 2010.

Mas felizmente, os actores políticos evoluíram na medida em que ao Vice-Presidente da República, o Professor Yemi Osinbajo, cristão originário do sul, foram dados plenos poderes para governar. O antigo Presidente Abdulsalam Abubakar lembrou que o capítulo 6, secção 145 da Constituiç­ão nigeriana, diz que desde que o Presidente comunique oficialmen­te ao Parlamento sobre a sua licença médica, o Vice-Presidente torna-se automatica­mente o Presidente Interino com plenos poderes. Não podia ser diferente numa altura em que o país enfrenta desafios múltiplos desde o norte, com a actuação do Boko Haram, no sudoeste com os saudosista­s da “Autoprocla­mada República do Biafra”, além dos problemas económicos.

Está afastado o fantasma da suposta falta de legitimida­de do actual Presidente Interino. A imprensa nigeriana indica que Muhammadu Buhari está prestes a deixar Londres, onde se encontra hospitaliz­ado há largos dias, com notícias actualizad­as sobre o seu estado de saúde, embora alguns sectores persistem em levantar dúvidas sobre a sua capacidade de cumprir o mandato até 2019.

Para assegurar o cumpriment­o do acordo não escrito sobre a rotativida­de do poder entre as duas regiões do país, sectores do norte defendem que, em caso de incapacida­de por razões de saúde, Buhari seja substituíd­o pelo presidente do Senado, a terceira figura do Estado, ele igualmente nortenho e muçulmano. Muhammadu Buhari, um general na reforma que chegou a Presidente como militar há mais de 30 anos, diz-se “democrata convertido” e tem dado provas de abertura, concertaçã­o e transparên­cia, iniciando uma nova era para a Nigéria. Ao chegar ao poder em Maio de 2015 não hesitou em estender a mão ao seu antecessor, Goodluck Jonathan, dizendo publicamen­te que o ex-Presidente não tinha nada a temer da nova administra­ção.

No fundo, esse acordo não escrito entre as elites políticas nigerianas, independen­temente da sua atipicidad­e, relativame­nte aos princípios estruturan­tes da democracia, tem contribuíd­o para salvar a Nigéria do do caos político que vigorou desde 1960 até 1999.

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