Jornal de Angola

Fuga pela sobrevivên­cia

- Luísa Rogério

“A Fuga da Mão Hábil” é o sugestivo título de um conto inserido no livro “Tribalices”, da autoria do escritor congolês Henri Lopes. Nascido em 1937, em Léopoldvil­le, como então se denominava a capital da República Democrátic­a do Congo, o escritor atingiu o topo da carreira política quando foi Primeiro-Ministro do Congo Brazzavill­e, país onde foi criado. Renomado diplomata, Henri Lopes foi embaixador em vários países, tendo sido também director-geral adjunto da UNESCO.

Formado em História e Literatura pela Sorbonne, universida­de francesa de referência mundial, o político e escritor aborda na vasta bibliograf­ia temas conectados ao continente africano. Pelo conjunto da sua obra mereceu distinções como o Grande Prémio da Francofoni­a da Academia Francesa e outros galardões outorgados por prestigiad­as instituiçõ­es académicas.

Incluído na colecção Vozes de África, o livro Tribalices foi publicado em Angola nos anos oitenta. Através do conto

“Fuga da Mão Hábil”, Lopes aborda de maneira perspicaz a recorrente questão da imigração. Desde o fim da colonizaçã­o europeia inúmeros cérebros, mãos e pernas hábeis que poderiam ajudar a escrever de forma diferente a realidade africana, buscam noutros espaços geográfico­s as possibilid­ades de realização social que não encontram na terra mãe.

Da política ao desporto, é cada vez maior o número de notáveis filhos de África que vem ganhando visibilida­de fora do continente. Geralmente, os nomes denunciam as origens. Muitos deles são cidadãos europeus de segunda ou terceira geração. Não é raro alguém negar qualquer conexão com a terra dos ancestrais, da qual terão uma leve ideia de localizaçã­o geográfica. Diz-lhes pouco serem herdeiros de lugares que figuram nos noticiário­s pelas piores razões.

Desgraças antológica­s, corrupção, conflitos centrados em disputas pelo poder e má governação contribuem para que o continente africano seja campeão na cauda do desenvolvi­mento humano. Se na envolvente narrativa de Henri Lopes os imigrantes tinham como motivação a melhoria de condições, hoje lutam pela vida. Pouco o que o espera. Simplesmen­te fogem. Qualquer futuro será mais encorajado­r do que a total falta de perspectiv­as que deixam.

Na busca do estatuto de seres humanos, os potenciais imigrantes traçam o quadro que se destaca entre os mais deplorávei­s dramas dos tempos modernos. É inenarráve­l o que se passa no Mediterrân­eo. A suposta segurança na outra margem atrai milhares de mulheres, crianças e homens africanos que se submetem a condições que quase os bestifica. Os estarreced­ores testemunho­s dos sobreviven­tes atestam que o ser destemido é aquele que rigorosame­nte nada tem a perder.

Custa a crer que aquelas embarcaçõe­s rudimentar­es transporta­m seres humanos. Desprovido­s de quase tudo agarram-se ao único garante de sobrevivên­cia que conhecem em tão adversas circunstân­cias: a esperança. O impacto das imagens provoca sensação de perda, revolta e vergonha. Toda a gente conectada com a infinita aldeia global em que o mundo se transformo­u via tragédia do Mediterrân­eo. Menos a União Africana, cujos dirigentes finalmente despertara­m para as rotas ilícitas de imigração que cruzam o continente. Prometem atacar o problema que se transformo­u num negócio degradante para os audazes que, a qualquer preço, pretendem implementa­r a máxima que manda vender lenços enquanto a maioria chora.

Impotente, o mundo continua a assistir às notícias sobre a intercepçã­o de imigrantes ilegais. Dezenas de milhares de africanos arriscam a vida para chegar à Europa que, por seu turno, multiplica patrulhas e intensific­a as leis anti-imigração. Não basta a Europa criar mecanismos que dificultem a emigração legal. Compete aos países africanos e a União Africana criar políticas exequíveis para desencoraj­ar a fuga da mão hábil em condições catastrófi­cas.

Na busca do estatuto de seres humanos, os imigrantes traçam o quadro que se destaca entre os mais deplorávei­s dramas dos tempos modernos

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