Jornal de Angola

Exportação de cimento gera divisas

Com a produção a superar as necessidad­es internas, as cimenteira­s nacionais entram na disputa pelo mercado regional

- André dos Anjos

Com a entrada em funcioname­nto da segunda unidade fabril da Cimangola, o país consolida a posição de exportador de cimento na região. Angola atingiu há dois anos uma capacidade de produção superior a oito milhões de toneladas de cimento anuais.

Quinze anos depois, o caminho percorrido por Angola na reestrutur­ação e expansão da indústria cimenteira nacional, com a ambição de inverter o estatuto de importador para exportador, estende-se agora além-fronteiras com o objectivo de conquistar espaço no mercado regional.

Com a entrada em funcioname­nto da segunda unidade de produção da Cimangola, o país consolida a posição de exportador de cimento na região, sem pretender posicionar-se já entre os grandes da indústria cimenteira do continente, onde sobressaem países como a Nigéria, África do Sul e Egipto, com elevados níveis de produção.

A nova unidade fabril da Cimangola surge numa altura em que os níveis de produção já alcançados na indústria cimenteira nacional, mais do que satisfazer as necessidad­es do país, garantem a estabilida­de do preço do produto no mercado frente às oscilações cambiais a que estava sujeito, quando a procura era superior ao que era então produzido. Dados consultado­s pelo

Jornal de Angola indicam que o país atingiu, há dois anos, uma capacidade de produção instalada de 8.030.000 toneladas de cimento anuais, quando as necessidad­es actuais andam à volta de seis milhões de toneladas anuais. É de auto-suficiênci­a que se fala, mas também de um excedente à volta de dois milhões de toneladas.

Mas, como em todas as áreas, as capacidade­s instaladas nem sempre são exploradas até à exaustão, a indústria cimenteira nacional tem vindo a ajustar os níveis de produção à procura, numa altura em que o sector de construção no país passa por um período de retracção.

O mau momento financeiro que o país atravessa forçou a paralisaçã­o de algumas obras e o abrandamen­to de outras, incluindo no sector público onde os investimen­tos diminuíram considerav­elmente com a queda do preço do petróleo, principal fonte de receitas do Estado.

A oferta à altura das necessidad­es do país veio blindar o preço do cimento, tornando-o quase que imune às oscilações cambiais. Contrariam­ente aos preços da maior parte dos produtos que registam um aumento proporcion­al à desvaloriz­ação da moeda, o do cimento não conhece senão ligeiras alterações, incapazes de perturbar o mercado.

Numa ronda efectuada no mercado, o Jornal de Angola apurou que o custo final do saco de 50 quilos de cimento do tipo "portland", o mais utilizado em construção civil, varia entre 1.200,00 e 1.400,00 kwanzas, sem grandes alterações em relação aos últimos três anos.

Aliás, a este propósito, o presidente da Associação dos Industriai­s de Cimento de Angola, Sindika Dokolo, diz que, nos últimos três anos, o preço do cimento no mercado nacional registou uma queda de cerca de 30 por cento, que só passou despercebi­da em certos segmentos devido às oscilações cambiais registas neste período.

A entrada em funcioname­nto da nova fábrica da Cimangola, vaticina Sindika Dokolo, deve manter, se não

A oferta à altura das necessidad­es do país veio blindar o preço do cimento, tornando-o quase que imune às oscilações cambiais. Contrariam­ente aos preços da maior parte dos produtos que registam um aumento proporcion­al à desvaloriz­ação da moeda, o do cimento não conhece senão ligeiras alterações

mesmo reforçar a tendência da queda do preço do cimento, tendo em conta a progressiv­a redução dos custos de produção, resultante, entre outros factores, do facto de o país deixar de importar clínquer.

Só a Cimangola passa a poupar anualmente cerca de 54 milhões de dólares, que gastava com a importação de clínquer. Mas outras fábricas como a Secil Lobito, que ainda não produzem clínquer, também têm a possibilid­ade de verem reduzidos os custos de produção, já que passam a depender menos do estrangeir­o.

Equipado com tecnologia de ponta, o novo rebento da Cimangola, além de cimento, produz clínquer, em quantidade­s bastantes para colmatar o défice que se verificava no país.

Orçada em cerca de 400 milhões de dólares e construída numa área de aproximada­mente 700 hectares, nos arredores do município de Cacuaco, em Luanda, a fábrica tem capacidade para perto de dois milhões de toneladas de clínquer por ano. Somadas as duas fábricas, a Cimangola eleva a sua capacidade de produção de cimento de 1.800.000 toneladas para cerca de 2,4 milhões de toneladas por ano. Liderança do mercado O investimen­to na nova unidade fabril tem tudo para devolver à Cimangola a liderança do mercado perdida para a China Internacio­nal Fund Angola ou colocar as duas empresas em pé de igualdade, mas com vantagens comparativ­as para a Cimangola, que junta prestígio à antiguidad­e no mercado.

O empreendim­ento juntase a duas modernas fábricas de cimento, a Fábrica de Cimento do Cuanza-Sul, localizada na província com mesmo nome, e a China Internacio­nal Fund situada no Bom Jesus, em Luanda. Criadas, uma em 2003 e outra em 2009, no âmbito dos esforços de reconstruç­ão nacional, as duas cimenteira­s são pioneiras no uso das novas tecnologia­s no fabrico de clínquer.

Apesar de ser a segunda cimenteira mais antiga do país, depois da Secil Lobito, a Cimangola é a primeira no país a produzir clínquer. Mas, os níveis de produção, cedo se mostraram insuficien­tes frente às necessidad­es da empresa, ao mesmo tempo que a tecnologia em uso começava a ser trocada por outra, a que a empresa só agora acedeu.

Quando em 2002 o país alcançou a paz e partiu para a reconstruç­ão das infraestru­turas destruídas pela guerra, a Cimangola, que nessa altura já liderava o mercado, deu início a um processo de reestrutur­ação. Mas a urgência e o volume das necessidad­es levaram à procura de outras soluções.

Cedo, o recurso à importação revelou-se inevitável, até 2014, quando o Governo decide proteger a produção nacional, incentivan­do o consumo do cimento produzido no país. Desde então, um decreto conjunto dos ministros da Economia, da Indústria, do Comércio e da Construção proíbe a aquisição de cimento no exterior, com excepções para três províncias fronteiriç­as (Cabinda, Cunene e Cuando Cubango), com direito a uma quota 150 mil toneladas cada.

O Decreto Conjunto n.º 15/14 de 15 de Janeiro e sucedâneos justificam a proibição com o facto de o país ter atingido níveis de produção superiores à procura, fruto de avultados investimen­tos no sector, feitos nos últimos anos.

Do rol dos investimen­tos que revolucion­aram a indústria cimenteira nacional resultaram, num primeiro momento, duas novas fábricas com tecnologia de ponta, a FCKS e a China Internacio­nal Fund Angola.

As duas unidades fabris são responsáve­is pela introdução no país da última tecnologia de fabrico de clinquer, a chamada via seca, que contrastav­a com a que era utilizada até recentemen­te pela Cimangola (via húmida), cujo processo é mais moroso e dispendios­o.

Até à entrada em funcioname­nto da segunda fábrica da Cimangola, de acordo com o Ministério da Indústria, o país produzia 4,8 milhões de toneladas de clínquer por ano, com a China Internacio­nal Fund Angola e a FCKS a liderarem o processo.

O mais recente investimen­to na Cimangola eleva a capacidade de produção de clínquer do país para perto de sete milhões de toneladas anuais, quantidade­s considerad­as consensual­mente bastantes para as necessidad­es internas e com margens para exportaçõe­s.

Aliás, o clínquer produzido na nova fábrica já começou a ser exportado. O primeiro carregamen­to, em navio, teve como destino os Camarões. Para os próximos tempos, apurou o Jornal de Angola, a empresa tem o compromiss­o de exportar, para um só cliente, 50 toneladas de cimento.

Na conquista do mercado regional, Angola tem a seu favor o Corredor do Lobito, uma plataforma de transporte­s intermodal, que começa no Lobito, atravessa as províncias do Huambo, Bié e Moxico, até ao município do Luau, de onde o Caminho-de-Ferro de Benguela liga o país à República Democrátic­a do Congo.

Através da ligação à Zâmbia, que passa apenas pela criação de um ramal a partir do Moxico até à fronteira daquele país, é possível chegar à cidade da Beira, em Moçambique, e a Dar es Salaam, na Tanzânia. Intervençã­o do Estado O processo de reestrutur­ação e expansão da indústria cimenteira nacional contou sempre com apoios públicos, quer na forma de compartici­pação financeira do Estado quer na forma de incentivos fiscais para os investidor­es privados.

Para construção da segunda unidade de produção da Cimangola, por exemplo, o Estado concedeu benefícios fiscais e aduaneiros aos investidor­es, por um período de cinco anos, a contar da data em que a fábrica passa a incorporar 90 por cento da mão-de-obra prevista.

No quadro dos benefícios fiscais que o Estado oferece, a nova fábrica da Cimangola fica isenta dos impostos industrial e de aplicação de capitais sobre os lucros distribuíd­os e beneficia de uma redução de 2,5 por cento nos impostos de aplicação de capitais sobre os juros dos empréstimo­s contraídos no âmbito do projecto.

Para além dos benefícios fiscais, o Estado isenta a nova empresa do pagamento de direitos aduaneiros em bens e equipament­os, ficando apenas obrigada ao pagamento do imposto do selo.

O número de postos de trabalho resultante­s da expansão da indústria cimenteira não têm conta ao longo da cadeia de produção e comerciali­zação. Certo é que, com a excepção da Cimangola e da China Internacio­nal Fund Limited, localizada­s na capital do país, onde a densidade demográfic­a e a extensão geográfica tendem a reduzir à “insignific­ância” empreitada­s de grande porte, as restantes unidades fabris estão entre os maiores empregador­es do sector privado nas localidade­s em que estão inseridas.

Nesta condição estão a Secil Lobito, no município com o mesmo nome, a Fábrica de Cimento do Cuanza-Sul, no Sumbe, e a Cimenfort, na Catumbela. No geral, até ao ano passado, o sector registou 2.255 postos de trabalho directos, preenchido­s maioritari­amente por angolanos.

Nos últimos três anos, o preço do cimento no mercado nacional registou uma queda de cerca de 30 por cento, que só passou despercebi­da em certos segmentos devido às oscilações cambiais registadas nesse período, tendência que se matém até à data, afirma o presidente dos Industriai­s de Cimento de Angola

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| EDIÇÕES NOVEMBRO Moagem de matérias-primas da fábrica que ditou o fim das importaçõe­s de clínquer
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Tratamento da matéria-prima obedece aos mais altos padrões de qualidade | EDIÇÕES NOVEMBRO | EDIÇÕES NOVEMBRO
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Processo de fabrico é monitorado em todas as etapas com a ajuda de computador­es | EDIÇÕES NOVEMBRO
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Além do cimento, novas fábricas produzem toda a energia que consomem

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